Segundo James Bosworth, cartéis mexicanos poderiam causar grandes prejuízos às forças militares estadunidenses, caso estas optem por realizar operações no México, levando confronto inclusive para dentro dos EUA
A ameaça de que o governo de Donald Trump lance ações militares unilaterais contra cartéis de droga no México não está descartada em Washington, mas especialistas entrevistados pelo La Jornada concordam que, por ora, a ameaça tem o propósito de forçar o governo do México a ampliar sua cooperação com os Estados Unidos — e, apontam, está funcionando.
A doutora Aileen Teague, professora assistente na Escola Bush da Universidade Texas A&M, comentou que a decisão do governo mexicano de enviar aos EUA um segundo grupo de narcotraficantes esta semana é evidência de que a ameaça de ação militar está funcionando. “Enquanto [a presidenta] Claudia Sheinbaum precisa lidar com as atitudes internas do seu país, ela demonstrou que pode ser pressionada nesse tipo de questão — exatamente como fez quando enviou 10 mil integrantes da Guarda Nacional à fronteira [entre EUA e México] há alguns meses.”
Ao La Jornada, Teague acrescentou que não acredita que Trump vá, por enquanto, lançar uma ação militar unilateral contra os cartéis em território mexicano. “Não ocorrerá algo como a invasão de 1846 ou Veracruz em 1914”, disse. “Acredito que, se houver alguma escalada da presença militar estadunidense, será dentro dos arranjos militares pré-existentes — sobre os quais a liderança mexicana realmente prefere não falar, porque não necessariamente quer informar o povo mexicano sobre eles.”
Mas nem Teague, nem outros especialistas estavam dispostos a descartar por completo a possibilidade de uma ação militar unilateral dos Estados Unidos no México. “O México pode ter que aceitar operações estadunidenses contra cartéis”, foi o título de uma reportagem publicada na influente revista Politico em 11 de agosto. O texto aponta que “a presidenta do México diz que ataques militares estadunidenses contra cartéis mexicanos seriam uma ‘invasão’ e que isso ‘não está sobre a mesa’, mas o México poderia não impedir os Estados Unidos caso decidam atacar os agrupamentos criminosos.” Recorda que a falta de autorização não impediu os ataques com drones no Oriente Médio, nem a captura de líderes do cartel como Ismael El Mayo Zambada e Joaquín Guzmán López.
Cartéis: resposta imprevisível
“O governo de Trump não se importa com as críticas. Não se importa com o fato de que um ataque militar não seria efetivo, nem com as potenciais consequências indiretas. Tampouco se importa se o Congresso autorizou ou não esse tipo de ação”, adverte James Bosworth, fundador da empresa de análise de risco político Hxagon, em um recente boletim. Ele acrescenta que os cartéis mexicanos poderiam causar grandes prejuízos às forças militares dos EUA, caso estas optem por realizar operações no México. E adverte que os cartéis “têm capacidade, armamento e pessoal para levar essa luta até o território dos Estados Unidos de uma forma que Al-Qaeda e o Estado Islâmico só podem sonhar.”
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Dan DePetris, analista de segurança da organização Defense Priorities, indicou que uma incursão militar dos EUA poderia não surtir efeito. “Bombardear laboratórios é algo atrativo porque dá aos Estados Unidos a ilusão de progresso, sem de fato resolver nada. Uma hipotética ação militar no México poderia destruir alguns desses laboratórios e matar membros de cartéis, mas os incentivos financeiros e os lucros são tão altos que o negócio provavelmente continuaria apesar de tudo”, afirmou em entrevista ao La Jornada. “Vimos como isso evoluiu na Colômbia nos anos 1990, onde a queda do cartel de Medellín simplesmente abriu espaço para o fortalecimento do cartel do Golfo. O ambiente no México hoje é ainda mais complexo.”
Militarizar guerra às drogas: mais danos
Poucos presidentes dos EUA parecem aprender com a história, observa Teague. “É muito importante analisar o longo histórico do uso da força militar contra cartéis de drogas e organizações do narcotráfico no México, porque a história mostra que isso aconteceu poucas vezes.” Ela lembrou que, em 1969, o presidente Richard Nixon interrompeu o fluxo de mercadorias na fronteira até que o México aceitasse colaborar mais na luta contra as drogas — embora o então chanceler Antonio Carrillo Flores tenha declarado ao jornal Excélsior que o governo mexicano havia intensificado sua ação antidrogas não por compromisso com os Estados Unidos, mas sim “com o povo mexicano e no interesse do México”.
Nesse sentido, Teague afirma que os formuladores de políticas seguem sem aprender as lições do passado. “Os Estados Unidos pressionam seus parceiros mexicanos a usar força militar, e isso tem consequências não intencionais que aumentam a violência e a instabilidade no México — e, em alguns casos, contribuíram para o fortalecimento de algumas dessas organizações do narcotráfico”, apontou.
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“Acho que se pode argumentar que militarizar a guerra contra as drogas a torna ainda pior e, de fato, alimenta a economia ilícita — é isso que argumento no meu livro”, segue a especialista sobre sua obra, que acaba de concluir e será lançada em breve, The United States, Mexico and the Origins of the Modern Drug War 1969–2000 (Os Estados Unidos, o México e as origens da moderna guerra às drogas, 1969–2000, em tradução livre), que detalha a história da cooperação bilateral entre Estados Unidos e México na questão das drogas.
A especialista conclui: “Esse é um problema com raízes mais profundas. A força militar não é uma ferramenta eficaz contra os cartéis”, acrescenta Teague, que é veterana dos Fuzileiros Navais dos EUA. “Melhorar a segurança pública é importante, mas isso precisa estar acompanhado de uma abordagem voltada para o desenvolvimento”, sublinhou.
Questionada mais uma vez sobre o quanto se deve levar a sério a ameaça de uma ação militar unilateral, ela repete: “Espero que seja apenas retórica, mas nunca se sabe.”
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