Investigações revelam PCC em rede bilionária de lavagem de dinheiro com postos e motéis, que ameaça a economia e reforça o poder do crime.; Estado só recolheu 0,1% em impostos
O PCC não se sustenta apenas pela violência armada. Entre 2020 e 2024, a facção movimentou R$ 52 bilhões em lavagem de dinheiro com postos de combustíveis, segundo a Receita Federal. Parte da rede também incluía motéis usados para distribuir lucros e dividendos, revelando como o crime organizado se apoia em engrenagens econômicas para manter e expandir seu poder.
As últimas operações contra o PCC confirmam uma máxima: mais eficaz do que apreender fuzis é seguir o rastro do dinheiro.
Onde se encontram notas fiscais falsas, planilhas de contabilidade, movimentações bancárias e dividendos suspeitos, desmorona a engrenagem criminosa. O que vem sendo revelado é um império empresarial do PCC que envolve postos de combustíveis, motéis, hotéis, franquias de perfumaria, incorporadoras e até fintechs usadas como bancos paralelos.
Operação SPARE expõe PCC e lavagem de dinheiro
No dia 25 de setembro de 2025, o Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e órgãos estaduais deflagraram a Operação SPARE, desdobramento da chamada Operação Carbono Oculto.
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Foram 25 mandados de busca e apreensão em diversas cidades, incluindo São Paulo, Santo André, Osasco, Barueri, Campos do Jordão e Bertioga. A investigação atingiu uma rede que movimentou bilhões de reais com fraude e sonegação apenas no setor de combustíveis.
Números revelados
- 267 postos de combustíveis ligados ao grupo: faturamento de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas apenas R$ 4,5 milhões recolhidos em tributos — uma arrecadação irrisória de 0,1%.
- Mais de 60 motéis associados ao esquema: movimentação de R$ 450 milhões, com R$ 45 milhões distribuídos em lucros e dividendos.
- Uma franquia de perfumaria com 98 lojas operando através de 21 CNPJs.
- Uso de fintechs para intermediar depósitos, pulverizar recursos e ocultar a origem do dinheiro.
Operação Carbono Oculto e os 40 fundos do PCC
Na fase anterior, revelada em 28 de agosto de 2025, a Receita Federal mapeou cerca de 1.000 postos de combustíveis ligados ao esquema, com movimentação de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Mais de 40 fundos de investimento foram utilizados para esconder patrimônio em imóveis, cotas e ativos financeiros.
Como funcionava o esquema de lavagem de dinheiro
- Postos de combustíveis serviam de “caixa d’água”, diluindo faturamento e simulando operações.
- Motéis e hotéis eram lavanderias de alto fluxo de caixa, facilitando a distribuição de dividendos.
- Franquias de varejo garantiam escala e aparente legalidade com repasses de royalties.
- Fintechs atuavam como bancos paralelos, mascarando transferências.
- Fundos de investimento na Faria Lima consolidavam o patrimônio em estruturas de difícil rastreamento.
Como já se sabe, o PCC mantém forte presença no tráfico internacional.
As rotas andinas (Colômbia, Bolívia e Peru) seguem como principais origens da cocaína que cruza o Brasil rumo à Europa.
Os portos de Santos, Paranaguá e Itajaí são pontos estratégicos. O grupo também mantém uma relação sólida com a máfia italiana ’Ndrangheta.
Impactos econômicos e sociais
- Concorrência desleal: empresas legais não conseguem competir com a sonegação massiva.
- Perda fiscal: bilhões deixam de ser recolhidos para políticas públicas.
- Risco sistêmico: infiltração em fundos e fintechs ameaça a estabilidade do sistema financeiro.
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, anunciou a criação de uma delegacia especializada para estruturar de forma permanente o combate à lavagem e à fraude.
Cannabrava | PCC S.A.: Máfia empresarial e sua aliança com a ‘Ndrangheta
A medida é considerada fundamental para dar continuidade às investigações e garantir que esse enfrentamento não dependa apenas de operações pontuais.
Além disso, é urgente:
- Intensificar fiscalização em setores vulneráveis, como combustíveis, hotelaria e franquias.
- Integrar sistemas eletrônicos (NF-e, Sped, Pix) para cruzamento de dados.
- Reforçar a cooperação internacional com Itália, Espanha e países andinos.
- Avançar no confisco ampliado e na reparação social dos bens apreendidos.
Ou seja, a imagem do PCC como empresa do crime nunca foi tão evidente.
Não é apenas o soldado armado que sustenta o poder dessa organização, mas a sofisticada engrenagem financeira que alimenta seu império.
Por isso, apreender computadores vale mais do que apreender fuzis. Se o Estado mantiver a rota da inteligência e da cooperação institucional, poderá enfraquecer de fato o crime organizado e reduzir seu poder corrosivo sobre a economia e a política nacionais.
Paulo Cannabrava Filho é autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
- A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
- Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
- Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
- No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

