O Kremlin “necessita de tempo para analisar” o ultimato lançado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta terça-feira (15) o porta-voz do governo russo, Dimitri Peskov.
“As declarações do presidente dos Estados Unidos (Donald Trump) são demasiadamente sérias. Uma parte delas alude diretamente ao presidente (Vladimir) Putin. Sem dúvida, precisamos de tempo para analisar o que foi dito em Washington”, comentou Peskov e acrescentou: “Quando o presidente Putin considerar necessário, se for o caso, ele, sem dúvida, comentará.”
Essa foi a primeira reação oficial de Moscou ao anúncio do inquilino da Casa Branca de aplicar tarifas de 100% aos países que comercializarem com a Rússia, caso não se firme um tratado de paz em um prazo de 50 dias, além de fornecer à Ucrânia, desde já, baterias Patriot, mísseis e outros tipos de armamentos que forem necessários, pagos pelo Reino Unido, Alemanha e outros países europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
O porta-voz da presidência russa minimizou a importância da divulgação na imprensa de que, durante a conversa que o presidente estadunidense teve na semana passada com seu homólogo ucraniano, Volodymir Zelensky, Trump teria perguntado por que ele ainda não havia atacado Moscou e São Petersburgo para pressionar Putin — ao que Zelensky teria respondido que o faria, se lhe dessem os meios para isso. Isso teria ocorrido no contexto em que os Estados Unidos estariam considerando autorizar o envio de mísseis Tomahawk, com alcance de até 1.600 quilômetros.
“Essa retórica não é nova. Como regra geral, essas divulgações acabam sendo notícias falsas, quase sempre, mesmo que tenham saído de veículos que antes considerávamos respeitáveis”, afirmou Peskov, referindo-se ao The Washington Post e ao Financial Times, os primeiros a divulgar supostos trechos da conversa entre os presidentes dos EUA e da Ucrânia.
A segunda reação oficial de Moscou veio do vice-chanceler Serguei Ryabkov, que declarou às agências de notícias locais que, para a Rússia, “são inaceitáveis quaisquer tentativas de impor exigências, ainda mais em forma de ultimato”. Segundo Ryabkov, Moscou “está disposta a chegar a acordos e preferimos a via diplomática, mas – advertiu – se não nos ouvirem e não pudermos atingir os objetivos traçados por meio da diplomacia, a operação militar especial (como o Kremlin chama sua campanha bélica na Ucrânia) continuará”.
Mais tarde, de Pequim, onde participa de uma reunião de ministros das Relações Exteriores dos países-membros da Organização de Cooperação de Xangai, o chanceler russo Serguei Lavrov se pronunciou nos mesmos termos que Peskov: “Nós, naturalmente, queremos entender o que há por trás dessa declaração dos 50 dias. Antes foram 24 horas, depois 100 dias; já passamos por tudo isso e realmente queremos entender o que motiva o presidente dos Estados Unidos.”
Lavrov acredita que Trump “está sob uma pressão imensa, eu diria até grosseira, por parte da União Europeia e da atual liderança da OTAN, que apoia abertamente as exigências do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky”.
Análises
O anúncio do republicano também gerou comentários de especialistas e acadêmicos oficialistas que, dentro dos limites impostos pela censura militar na Rússia, podem expressar suas opiniões. Como exemplo, e de forma resumida, seguem as declarações de três deles publicadas na edição impressa do jornal Kommersant.
Para Fiodr Lukianov, diretor da revista Rússia na Política Global, ao adiar até o outono a aplicação das tarifas, Trump adota um método de negociação que a Rússia não aceitará, pois não funciona pressionar o Kremlin. Ainda que o envio de armamentos piore a situação do exército russo, Moscou não entrará em polêmicas e responderá nos campos de batalha.
“Pode-se dizer que a primeira etapa das relações com os Estados Unidos sob Trump, que durou cinco meses, já terminou. Quando começará e como será a próxima etapa, não está nada claro”, concluiu o analista.
Por sua vez, Maksim Suchkov, diretor do Instituto de Pesquisas vinculado à Universidade MGIMO (sigla do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou), acredita que o anúncio de Trump traz para Moscou duas notícias: uma boa e uma ruim.
“A boa é que os piores presságios não se concretizaram, e Trump, ao não seguir por ora as recomendações dos falcões de sua administração, deixou aberta a porta para o diálogo com a Rússia. E a ruim é que, em meio ano como inquilino da Casa Branca, Trump não conseguiu compreender a posição da Rússia sobre a Ucrânia nem os argumentos do presidente Putin”, assinalou Suchkov.
“Tudo indica que estamos assistindo ao fim das negociações sobre a Ucrânia. Voltamos à situação em que o Ocidente aposta em conter a Rússia por meio de sanções, e a Rússia espera impor uma derrota esmagadora à Ucrânia, ao mesmo tempo que conta com o agravamento dos problemas internos do Ocidente. Os últimos três anos e meio mostram o quão hipotéticas são essas suposições. As sanções não afastarão a Rússia de seu caminho e as ações militares receberão novo impulso para continuar por um longo período”, opinou Ivan Timofeyev, diretor do Conselho Russo de Assuntos Internacionais.
Mais pronunciamentos oficiais
Também há vozes mais radicais — entre elas a do ex-presidente Dmitry Medvedev, que, segundo as autoridades russas, expressa “apenas sua opinião pessoal” — que utilizam as redes sociais para lançar, muitas vezes de forma anônima, insultos e ameaças que não correspondem à política oficial do Kremlin.
Desta vez, Medvedev, que atua como vice-secretário do Conselho de Segurança da Rússia — órgão com função honorária desde que passou a ser chefiado pelo ex-ministro da Defesa, Serguei Shoigu — não insultou ninguém e apenas recorreu ao sarcasmo:
“Trump lançou um ultimato teatral ao Kremlin. O mundo estremeceu, esperando as consequências. A Europa beligerante se decepcionou. A Rússia não se importou”, resumiu Medvedev na rede X, advertindo ainda que a Rússia “seguirá avançando até alcançar seus objetivos” na Ucrânia.
Enquanto isso, o presidente Donald Trump afirmou que a Ucrânia “não deveria” atacar Moscou, quando foi questionado por jornalistas sobre uma reportagem do Financial Times, segundo a qual o magnata teria conversado recentemente com Volodymir Zelensky sobre fornecer mísseis estadunidenses para atacar a capital russa. Acrescentou ainda que, em território ucraniano, “não há soldados dos EUA, e não vamos enviar tropas”, informou a AFP.
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