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Rota da Seda Polar: como aliança China-Rússia pode transformar comércio global no Ártico

O degelo acelerado e a abertura de novas rotas marítimas transformaram o Ártico em uma das regiões mais relevantes da geopolítica contemporânea. Estima-se que o subsolo ártico concentre cerca de 13% das reservas ainda não descobertas de petróleo e 30% das de gás natural do planeta (USGS, 2008), além de grandes depósitos minerais. Essa combinação coloca a região no centro das disputas por comércio internacional, segurança energética e influência política.

Foi nesse contexto que, em “Rotas, recursos e emergência climática: o papel da Otan na geopolítica contemporânea do Ártico”, publicado em julho de 2025, analisamos como a Aliança Atlântica redesenha sua presença no extremo norte diante do uso crescente da região pela Rússia, principal potência ártica.

Neste novo artigo, o foco se desloca para a China, um ator não ártico que busca ampliar sua presença na região por meio de projetos científicos, de infraestrutura e de logística ligados à chamada “Rota da Seda Polar”. O interesse chinês está também em encontrar alternativas às rotas tradicionais do sul, como o Canal de Suez e o estreito de Malaca, sujeitas a congestionamentos, choques geopolíticos e riscos de segurança.

A parceria com a Rússia é central para esses objetivos. Moscou controla a Rota do Mar do Norte e dispõe de vantagens concretas: um litoral ártico extenso, frota de quebra-gelos, portos e terminais de gás natural liquefeito (GNL), rede de busca e salvamento e experiência industrial acumulada em clima polar.

Ao mesmo tempo, a cooperação russo-chinesa acende alerta entre os países árticos da Otan, que veem com cautela a presença de um ator extra-regional e o uso de tecnologias com potencial duplo (civil e militar), como sensoriamento remoto, cabos de comunicação, estaleiros e quebra-gelos.

O artigo analisa a dinâmica dessa relação entre Rússia e China no Ártico e seus limites: enquanto Pequim busca encurtar rotas, diversificar o acesso à energia e ganhar influência política, Moscou oferece a via e a infraestrutura. Também discutimos as reações dos países árticos da Otan, que combinam pragmatismo econômico com desconfiança estratégica, diante do crescimento dessa cooperação.

Os interesses da China no Ártico

A visão chinesa sobre o Ártico parte de uma leitura internacionalista: mesmo sem ser um Estado da região, Pequim busca influenciar a governança local e sustentar a ideia de que o Ártico é uma artéria vital do comércio global. Segundo A. A. Zabella (2025), a política chinesa se organiza em dois eixos principais: defender a internacionalização da governança ártica e apostar na Rota da Seda Polar como vetor logístico de longo prazo. Para avançar nesses objetivos, a China amplia sua presença científica e utiliza instrumentos normativos para fortalecer sua voz nos fóruns regionais.

O Livro Branco sobre a Política do Ártico (2018) formaliza essa estratégia. O documento define quatro metas: compreender, proteger, desenvolver e participar da governança da região. Nele, a China se apresenta como “Estado próximo do Ártico”, justificando seu interesse a partir das mudanças climáticas e do surgimento das novas rotas de navegação. Esse enquadramento veio acompanhado da institucionalização do tema: expansão de pesquisas polares, construção de quebra-gelos e integração do Ártico ao marco regulatório doméstico chinês.

No plano operacional, os interesses chineses se distribuem em quatro frentes: ciência e clima, corredores marítimos, energia e minerais, e diplomacia acadêmico-tecnológica. A Rota da Seda Polar é o eixo logístico que conecta essas dimensões. Considerada uma extensão da Iniciativa Cinturão e Rota, ela se apoia principalmente na Rota do Mar do Norte, sob jurisdição russa e regulamentação específica.

Embora a cooperação com a Rússia concentre hoje as atenções, Pequim buscou diversificar parcerias árticas ao longo da última década: firmou acordo de livre-comércio com a Islândia (2013), normalizou relações com a Noruega (2016) e possuía interesses de mineração na Groenlândia. Parte desse tabuleiro mudou desde então: a proibição de mineração de urânio em 2021 travou o projeto Kvanefjeld, e a Noruega bloqueou, em 2024, a venda do último terreno privado em Svalbard após interesse chinês. Essas restrições ajudam a explicar por que a parceria com Moscou ganhou centralidade do ponto de vista chinês, sem eliminar tentativas pontuais de diversificação.

Rotas, recursos e emergência climática: o papel da Otan na geopolítica contemporânea do Ártico

Para analistas russos, o fortalecimento atual da presença chinesa no Ártico também decorre indiretamente das sanções ocidentais e da paralisação parcial do Conselho do Ártico. Isolada de parte de seus vizinhos regionais, Moscou aprofundou a cooperação com Pequim, abrindo espaço para a China ampliar sua influência nos assuntos árticos por meio dessa parceria. Como consequência, ambos os países intensificaram projetos de longo prazo na Rota do Mar do Norte, com investimentos em portos, quebra-gelos, comunicações e infraestrutura logística integrada.

Exemplos da parceria russo-chinesa

No setor de energia, um caso bem documentado é o projeto Yamal LNG. De acordo com documentos oficiais da Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC), a empresa ingressou no projeto em 2014 com uma participação de 20% do capital. O Yamal LNG foi estruturado como empreendimento conjunto entre Novatek (50,1%), Total (20%), CNPC (20%) e o Silk Road Fund (9,9%). A CNPC não só fez aporte financeiro, mas também participou da construção modular, do fornecimento de equipamentos e da logística de projeto.

A mesma lógica se repete no Arctic LNG-2, situado na península de Gydan e operado pela Novatek. De acordo com informações publicadas pela High North News (2023), a infraestrutura de apoio à segunda planta inclui novos terminais em Utrenny, concebidos como parte do sistema logístico de exportação do projeto. Esses investimentos formam o núcleo da infraestrutura logística da costa russa do Ártico e estão integrados à cadeia de escoamento voltada principalmente para o mercado asiático.

No eixo logístico e naval, a cooperação entre Moscou e Pequim se materializa na Rota do Mar do Norte (NSR), administrada pela Northern Sea Route Administration (NSRA). Dados oficiais de 2024 mostram que o tráfego total de cargas atingiu cerca de 37,9 milhões de toneladas — um recorde para a rota.

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Além disso, foi registrado um número recorde de 92 viagens de trânsito puro (sem parar nos portos da rota) durante esse ano, transportando aproximadamente 3 milhões de toneladas de carga de trânsito. Para auxiliar essas travessias, a frota de quebra-gelos nucleares presta diversos serviços de escolta e apoio à navegação. O ganho operacional decorre do encurtamento da rota: a ligação Europa–Ásia via Ártico reduz o trajeto em cerca de 30 a 35% em comparação ao Canal de Suez, e o período apropriado para navegação se estende gradualmente.

No plano científico e da diplomacia técnica, Pequim sustenta sua presença por meio de pesquisas polares, coleta de dados climáticos e expansão de capacidades, como a construção de novos quebra-gelos e navios de pesquisa. Essa atuação está alinhada ao Livro Branco de 2018, que enfatiza a ciência como instrumento de inserção internacional. A literatura recente (Yee Ng C. et al., 2024) destaca justamente essa ênfase científica e o discurso de internacionalização da logística polar como meios de ampliar o acesso a recursos e fóruns decisórios, sem romper com o marco jurídico existente.

Do ponto de vista institucional, A. L. Kolzina e A. A. Mindubaeva (2020) identificam quatro caminhos possíveis para o acoplamento dos projetos russos e chineses: a inclusão da Rota do Mar do Norte no planejamento da Iniciativa Cinturão e Rota; a fusão de projetos específicos sob ambas as iniciativas; acordos diretos entre empresas; ou um modelo de “acoplamento sem fusão”, baseado em concessões recíprocas.

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Trabalhos sino-russos, como o artigo China–Russia Cooperation in the Northern Sea Route Development (2024), propõem uma estratégia de longo prazo, de 10 a 20 anos, centrada na construção de confiança, na pesquisa compartilhada e na implementação gradual de projetos. A ambição é equilibrar segurança e desenvolvimento e, quando possível, atrair outros países para participar da infraestrutura do corredor polar.

Em síntese, a cooperação russo-chinesa se concentra hoje nos eixos energia, logística e ciência, com obras e ativos localizados no lado russo e financiamento e demanda vindos do lado chinês. Seu desenho institucional é flexível, ainda em fase de teste, enquanto se avalia a viabilidade de transformar a Rota do Mar do Norte em uma verdadeira artéria euro-asiática de comércio.

Características, limites e assimetrias da parceria russo-chinesa no Ártico

A parceria entre Rússia e China tem sido amplamente descrita como um arranjo “ganha-ganha”. Como destaca Cheng Yu Feng (2025), trata-se de uma relação “complementar”: a China oferece financiamento e cooperação tecnológica, enquanto a Rússia aporta território, recursos e controle da segurança do corredor.

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Essa complementaridade, no entanto, traz um desequilíbrio estrutural. De um lado, o poder financeiro e tecnológico chinês; do outro, o controle territorial e regulatório russo. Esse descompasso define o ritmo e o formato de cada projeto.

No plano jurídico-regulatório, há um ponto sensível: o status da Rota do Mar do Norte (NSR). Moscou a considera como uma rota marítima doméstica, sujeita às suas próprias regras de trânsito e gestão. Parte da literatura russa, como Anastasia Zabella (2025), sugere que Pequim pode, em algum momento, contestar a expansão de direitos soberanos que reduzam o espaço de águas internacionais. A hipótese seria que a China, em nome da previsibilidade comercial, defenda no futuro um enquadramento da NSR como “águas neutras”.

Zabella recorda o episódio de 2017, quando o quebra-gelo de pesquisa Xue Long navegou até a costa canadense. Na ocasião, Pequim não solicitou entrada em águas interiores, mas pediu autorização para conduzir pesquisas científicas com base no direito do mar, um gesto interpretado como uma sinalização de prudência jurídica combinada com ambição de autonomia.

Além dessas tensões potenciais, as sanções ocidentais e a busca por autonomia tecnológica criam entraves adicionais. O trabalho China–Russia Cooperation in the Northern Sea Route Development (2024) aponta que as sanções impactaram diretamente o financiamento, a transferência de tecnologia e os prazos de execução de obras na NSR. As iniciativas de modernização e digitalização da rota foram temporariamente paralisadas, mesmo diante do aprofundamento da parceria entre Moscou e Pequim.

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Ainda segundo Cheng Yu Feng (2025), o futuro da NSR depende de três pré-condições: reconhecimento internacional, prontidão da infraestrutura e estabilidade política. Essas variáveis estão fortemente condicionadas ao contexto externo, ao efeito das sanções e à capacidade da Rússia de desenvolver tecnologias próprias, enquanto a China tenta equilibrar seus interesses no Ártico com suas relações com o Ocidente.

A literatura recente (Yee Ng C. et al., 2024) acrescenta outro fator de vulnerabilidade: o risco de coerção política por potências ocidentais via sanções, bloqueios regulatórios ou pressões em organismos internacionais e os riscos cibernéticos associados à digitalização acelerada de portos, sistemas de monitoramento e tráfego marítimo.

Diante da literatura exposta acima, o cenário provável no curto e médio prazo é o de uma integração gradual, mais por necessidade que por convergência plena. A China tende a manter uma ambiguidade calculada sobre a questão da jurisdição territorial: evita qualquer confronto direto com Moscou sobre o status da NSR, mas busca ampliar seu espaço econômico e tecnológico dentro do projeto russo. À medida que ativos de alto valor, como terminais de GNL, portos e cabos, entram em operação, cresce também a margem de negociação sobre receitas e responsabilidades.

A linha azul mostra a Rota do Mar do Norte, e a vermelha, o tradicional caminho pelo Canal de Suez. (Imagem: Universidade Europeia em São Petersburgo)

Essa relação não é de dependência unilateral, mas de interdependência assimétrica. A Rússia conserva vantagens concretas (experiência industrial em zonas polares, controle territorial e capacidade de segurança), mas enfrenta limitações tecnológicas e financeiras agravadas pelas sanções, o que a torna mais aberta à cooperação com Pequim. Já a China, com capital e tecnologia em expansão, usa a parceria como via de aprendizado e de inserção logística, sem se comprometer com a plena internacionalização da rota. 

Nesse contexto, o mais plausível é o avanço de uma integração de projetos, em que Pequim complementa e financia iniciativas russas para delas se beneficiar economicamente, sem exigir controle político direto. Essa configuração tende a preservar o domínio russo sobre a NSR e a utilidade econômica chinesa sobre a Rota da Seda Polar, equilibrando pragmatismo e cautela jurídica.

Como os países árticos veem a cooperação russo-chinesa na região

Os países árticos da Otan observam o avanço chinês na região com uma mistura de pragmatismo econômico e cautela estratégica. Na Assembleia do Círculo Polar Ártico de 2024, o almirante Rob Bauer, chefe do Comitê Militar da Otan, afirmou que as intenções da China continuam “pouco claras” e que seus vínculos com a Rússia preocupam os aliados, segundo a High North News.

A Noruega tem sido um dos casos mais emblemáticos dessa cautela. Em julho de 2024, o governo bloqueou a venda do último terreno privado em Svalbard após interesse chinês, citando riscos à estabilidade regional e à segurança nacional, conforme noticiado pelo The Guardian. O relatório Focus 2025, do serviço de inteligência do país, descreve a presença chinesa no Ártico como limitada, mas crescente, com foco em pesquisa científica na Estação Rio Amarelo (Yellow River Station) e participação em projetos russos de gás natural liquefeito.

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A Dinamarca adota postura semelhante. Segundo a Reuters, em 2019 uma estatal chinesa retirou a proposta para construir aeroportos na Groenlândia após pressões políticas e receio de desagradar Washington. Esse episódio deixou claro que infraestrutura crítica no Ártico é um tema de geopolítica, não somente de negócios.

Na América do Norte, os Estados Unidos e o Canadá também reforçaram o escrutínio sobre investimentos chineses. A Estratégia Nacional para o Ártico dos EUA, atualizada em 2022, prioriza a liberdade de navegação e a resposta à influência regional da Rússia e da China. Em 2025, Washington firmou acordos com a Finlândia para ampliar sua frota de quebra-gelos, tradicional ponto fraco da presença americana na região. O Canadá, por sua vez, barrou em 2020 a compra da mineradora ártica TMAC por uma empresa chinesa e, em 2022, endureceu as regras para investimentos estrangeiros em minerais críticos.

Esse alinhamento entre nórdicos e norte-americanos tem como base a desconfiança quanto às chamadas atividades de duplo uso — iniciativas científicas, tecnológicas ou logísticas com possível aplicação militar. Essa preocupação aparece tanto na estratégia nacional dos Estados Unidos quanto nos relatórios das inteligências dinamarquesa, sueca e finlandesa. Soma-se a isso o receio de projetos sino-russos conjuntos, como os planos para estabelecer uma linha regular de contêineres pela Rota do Mar do Norte. 

O que esperar para os próximos 10 anos?

Entre 2025 e 2035, seis frentes ajudarão a medir o avanço da cooperação russo-chinesa no Ártico:

Duração da temporada de navegação: o documento China–Russia Cooperation in the Northern Sea Route Development (2024) projeta um alongamento gradual do período navegável na Rota do Mar do Norte (NSR), condição essencial para transformar o corredor em rota de operação quase regular.

Tonelagem total e número de travessias: entre 2019 e 2022, o corredor movimentou, em média, mais de 30 milhões de toneladas anuais. O verdadeiro indicador de internacionalização, porém, é o chamado trânsito puro: as travessias que cruzam a NSR de ponta a ponta sem carregar nem descarregar em portos russos. Esse fluxo ainda é reduzido e instável, somando 308 travessias entre 2019 e 2023 (Yee Ng C. et al., 2024).

Investimentos efetivos em infraestrutura: portos, cabos, estaleiros, terminais e sistemas de navegação são elementos centrais. Quando os projetos saem do papel e entram em operação, sinalizam avanço concreto da parceria (Cheng Yu Feng, 2025).

Progresso dos projetos de gás natural liquefeito (GNL): o acompanhamento da produção e da expansão de plantas como o Yamal LNG e o Arctic LNG-2 é fundamental. Cada nova fase concluída pressiona a demanda por logística, escolta por quebra-gelos, seguros e infraestrutura de apoio (Kolzina & Mindubaeva, 2020; Cheng Yu Feng, 2025).

Capacidades chinesas: o desenvolvimento de novos quebra-gelos, plataformas de pesquisa polar e, sobretudo, a operação regular de navios chineses aptos ao gelo, com licenças e seguros emitidos por empresas do país, são sinais-chave da capacidade de Pequim de sustentar uma presença estável no Ártico (Zabella, 2025).

Variável climática e incerteza estrutural: a mudança climática é o pano de fundo que redefine todos os outros fatores. O degelo progressivo amplia o período navegável, mas também torna o ambiente mais imprevisível: há variação na espessura e na deriva do gelo, erosão costeira, impactos sobre portos e riscos de acidentes ambientais. Essa instabilidade escapa ao controle de qualquer ator e introduz um elemento de incerteza estrutural — o que, na prática, significa que o planejamento de longo prazo da rota depende de condições físicas que tendem a mudar mais rápido do que os ciclos de investimento e regulação. Para Rússia e China, isso implica adaptar a infraestrutura e a logística não somente à oportunidade do degelo, mas também ao risco de operar em um ecossistema em transição permanente.

Além dos cinco indicadores operacionais listados anteriormente (exceto a variável climática), há três variáveis políticas que pesarão no mesmo período.

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Primeiro, a retomada (ou não) de fóruns multilaterais no Ártico, o que pode ampliar ou restringir o espaço para cooperação internacional. Segundo, o marco regulatório da NSR, definido pela Rússia com base no artigo 234 da Convenção do Mar, que estabelece regras de permissão conforme a estação e o nível de gelo. Elas podem incluir exigências de navios com classe de gelo, presença de piloto especializado e escolta obrigatória por quebra-gelos. Navios de Estado precisam ainda notificar Moscou com 90 dias de antecedência. Alterações nesses requisitos, assim como em tarifas e subsídios, têm impacto direto sobre seguros, janelas de navegação e cronogramas logísticos.

Terceiro, o controle ocidental sobre investimentos sensíveis, como portos, mineração e telecomunicações. A imposição de vetos ou triagens rigorosas por países nórdicos e norte-americanos servirá como termômetro da disposição do Ocidente em aceitar ou restringir a entrada de capital e tecnologia vinculados à Rota da Seda Polar.

Em conjunto, esses fatores operacionais, ambientais e políticos formam o núcleo de observação da próxima década. O modo como evoluírem determinará o grau de consolidação da cooperação russo-chinesa e a efetividade da NSR como rota internacional complementar ao Canal de Suez.

Conclusão

No centro da aposta chinesa no Ártico está um objetivo ambicioso: encurtar rotas, diversificar o acesso à energia por meio de uma alternativa às rotas do sul e ganhar mais voz na governança regional por meio da Rota da Seda Polar. A cooperação com a Rússia é o principal instrumento dessa estratégia: Moscou oferece a via, a infraestrutura e a experiência operacional que Pequim ainda não tem no Ártico. Transformar essa ambição em realidade depende de três condições centrais:

A primeira é a previsibilidade operacional, com uma temporada de navegação estável e frota adequada para o gelo, escolta disponível e portos capazes de manter o ritmo de escala e transferência de carga entre embarcações de diferentes portes.

A segunda é o custo total competitivo em relação às rotas do sul — somando frete, seguro, tarifas e o prêmio de risco cobrado por financiadores. Sem vantagem econômica, a redução do tempo de viagem pela Rota do Mar do Norte em comparação às outras rotas não se traduz em benefício real.

A terceira é a licença ambiental e social, amparada nas normas da Organização Marítima Internacional (como o Polar Code e as restrições ao uso de combustível pesado) e na legislação ambiental russa, com protocolos claros para incidentes e participação das comunidades locais e povos indígenas ao longo da rota.

Esse tripé, contudo, não se sustenta isoladamente. No plano regulatório e político, pesam as decisões dos países nórdicos e norte-americanos sobre o acesso a portos de escala próximos à NSR, bem como as políticas de seguro marítimo e certificação técnica, sem as quais a operação se torna inviável ou excessivamente cara.

No plano físico, a principal variável continua sendo o clima: janelas de navegação e incerteza do gelo definem a regularidade das operações. No plano econômico, o desafio é ampliar a demanda e diversificar as cargas. Hoje, a NSR serve quase exclusivamente para escoar a produção russa de GNL; para se tornar um corredor internacional, precisa atrair trânsito que atravesse a rota inteira sem parar em algum dos portos da NSR, com frequência anual e previsibilidade comercial.

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Se a temporada de navegação se alongar com regularidade, a frota e a escolta crescerem, o trânsito puro aumentar e os investimentos se converterem em operação estável — enquanto as decisões ocidentais não bloquearem portos, seguros ou tecnologia —, a Rota do Mar do Norte pode deixar de ser essencialmente doméstica e operar como rota internacional sazonal, com calendário previsível, contratos de longo prazo e seguro estável.

Se isso não ocorrer, a cooperação sino-russa continuará existindo na região, mas restrita a arranjos bilaterais específicos, mais caros e menos previsíveis. Em termos diretos, a projeção chinesa no Ártico através da Rota do Mar do Norte só tende a se concretizar se essas três condições — previsibilidade operacional, custo competitivo e arcabouço ambiental e social robusto — forem alcançadas simultaneamente. Nesse cenário, a NSR pode se firmar como corredor complementar ao Suez, ajudando a reduzir tempos, diversificar o acesso à energia e ampliar a presença chinesa na governança polar.

Se qualquer uma dessas condições falhar, a importância da rota ainda tende a crescer, mas de forma sazonal e periférica — útil a nichos estratégicos, mas sem alterar o desenho principal das rotas globais de comércio.

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* Imagens na capa:
– Vladimir Putin e Xi Jinping: Sergey Guneev / Kremlin
– Mapa do Ártico: Tentotwo / Wikimedia Commons

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