riso,-arte-e-educacao:-inimigos-primordiais-da-tirania-trumpista

Riso, arte e educação: inimigos primordiais da tirania trumpista

O caso de Stephen Colbert, apresentador da emissora estadunidense CBS, simboliza como Trump, em sua escalada autoritária, busca subjugar os pilares da liberdade e do pensamento crítico

Os políticos no poder, sobretudo os mais autocratas, e portanto débeis, não aguentam o riso (sobretudo o deboche) e percebem a cultura e a educação como inimigas.

Quando a rede nacional CBS anunciou, há algumas semanas, que não renovará o contrato com Stephen Colbert, que termina em maio de 2026, era evidente a razão. A empresa até insistiu que a decisão se deu por questões financeiras — o programa noturno The Late Show, comandado pelo comediante, é o programa de entrevistas e variedades mais bem-sucedido do canal — e nada tinha a ver com o conteúdo. A realidade é que Colbert havia se atrevido mais uma vez a zombar não apenas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – algo que tem feito de forma incessante e que às vezes é tão efetivo que chega a ser noticiado no dia seguinte – como também criticou os donos da CBS (ou seja, seus chefes máximos) por pagarem o que ele qualificou como “um grande e gordo suborno” ao republicano para resolver uma ação judicial.

Pois parece que já não aguentaram a verdade apresentada com tanto humor. Colbert se referia aos 16 milhões de dólares pagos a Trump pela empresa dona da CBS, a Paramount, em troca de que fosse descartada uma ação judicial apresentada pelo mandatário contra a emissora. O pagamento também visou fazer avançar a fusão da Paramount com a Skydance (cujo dono é filho de Larry Ellison, magnata amigo do republicano), o que demanda a aprovação do governo de Trump.

Ainda não se sabe se a decisão de cancelar o programa de Colbert, anunciada 48 horas depois de seu comentário em 14 de julho, foi porque os executivos e donos da CBS ficaram irritados ou se foi parte de um presente ao presidente (que expressou sua alegria: “Achei maravilhoso que Colbert tenha sido demitido”).

Dizem que até o bobo da corte sempre corre o risco de cruzar a linha quando o rei deixa de rir. Colbert é um comediante satírico que, de certa forma, é parte da corte oficial dos Estados Unidos por ter seu programa em uma das quatro grandes redes nacionais de televisão – ou seja, não é um comediante de um circuito menor ou marginal. Mas a reação de muitos à notícia não foi apenas de tristeza, mas de alarme: alguns advertiram que é mais um sinal das tentativas de suprimir, sufocar, fechar e até reprimir tudo o que não se submeta ao novo regime.

Alguns argumentam que isso é apenas parte de um esforço mais amplo de Trump para tentar tomar controle direto de várias instituições culturais e educativas públicas, desde a rede de museus do Smithsonian até o Kennedy Center, além da televisão e rádio públicas (acaba de ser aprovada uma legislação promovida pela Casa Branca para anular o orçamento da PBS e da NPR). Além disso, a postura faz parte de uma ofensiva que inclui impor a narrativa oficial até nas escolas públicas — aliás, o mandatário está desmantelando o Departamento de Educação.

7 indícios de que Trump está tornando a “América grande de novo”

Outras frentes dessa ofensiva incluem a pressão para que universidades – inclusive algumas das mais prestigiadas, como Harvard e Columbia – se submetam à “supervisão” do governo em suas políticas educativas e até em assuntos de pessoal acadêmico. Alguns percebem o que aconteceu com Colbert como parte de uma política de intimidação contra os meios de comunicação quando estes se atrevem a desafiar a narrativa oficial (Trump acaba de apresentar uma ação judicial contra o Wall Street Journal e seu dono – e ex-aliado – Rupert Murdoch), por publicarem uma matéria que põe em dúvida a versão do presidente sobre sua relação pessoal com Jeffrey Epstein, que se suicidou após ser preso sob acusação de tráfico sexual e outros serviços ilegais prestados a seus amigos – entre eles o atual presidente.

Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.

“Os tiranos veem cidadãos educados como seus maiores inimigos… É por isso que Trump está atacando o Departamento de Educação, as ciências e as artes – para evitar que nos eduquemos. Isso é fascismo”, comenta o professor e ex-secretário do Trabalho Robert Reich.

O riso, as artes, a ciência e o (bom) jornalismo estão entre os primeiros da lista de inimigos de Trump, justamente porque estão entre os primeiros da resistência contra os projetos da direita.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.

As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *