Jawhara Qawar compreendeu que a libertação da sociedade começa pela libertação de sua metade marginalizada, e que o despertar da mulher não era apenas uma “questão feminina”, mas um projeto nacional e cultural
Em uma época em que a voz da mulher árabe era deliberadamente silenciada e sua participação social era cercada por restrições impostas pelos costumes e pelos sucessivos poderes, destacou-se Jawhara Qawar como um nome que se parecia com a luz na cidade de Nazaré, escrevendo uma página precoce na história do movimento feminista palestino e árabe. Em 1937, sob o mandato britânico e diante de uma política sistemática de obscurantismo, Qawar fundou o “Clube do Renascimento Feminino”, que se tornou a primeira plataforma através da qual as mulheres da cidade puderam expressar sua vontade por educação, trabalho e renovação.
A ideia não foi um luxo, nem um simples evento social; foi um passo ousado na história de uma cidade cercada pela ocupação e por restrições de classe e religião. Jawhara Qawar compreendeu que a libertação da sociedade começa pela libertação de sua metade marginalizada, e que o despertar da mulher não era apenas uma “questão feminina”, mas um projeto nacional e cultural. Por isso escolheu para o clube um nome que expressasse sua mensagem: Renascimento.
Da educação à mudança… uma visão à frente de seu tempo
Qawar, com sua personalidade calma e firme ao mesmo tempo, acreditava que a educação era a principal arma que abriria as portas fechadas diante da mulher.
Transformou o clube em uma verdadeira oficina nacional e cultural:
- Alfabetização
- Ensino de idiomas
- Debates políticos
- Treinamentos profissionais
- Campanhas para incentivar meninas a participarem da vida pública

No contexto da época, essas ideias foram uma revolução real. O que Jawhara Qawar fez não foi apenas criar um clube, mas fundar um movimento de consciência cujos efeitos se estendem até hoje.
Papel pioneiro na consciência nacional
Embora a atividade parecesse social e cultural, ela carregava dimensões nacionais claras. As mulheres do clube participaram de campanhas de apoio social às famílias prejudicadas pelas políticas da ocupação britânica e contribuíram para fortalecer a identidade palestina por meio de palestras e eventos educativos e de preservação do patrimônio.
Jawhara Qawar compreendia que a mulher que possui conhecimento e confiança pode ser um pilar na luta contra a injustiça e que a consciência é o primeiro passo rumo à libertação.
Legado contínuo… e falta de reconhecimento
A ironia é que a história do movimento nacional muitas vezes ignorou ou marginalizou os papéis femininos. Jawhara Qawar é uma das mulheres apagadas pelas narrativas tradicionais, embora sua marca na sociedade de Nazaré e na sociedade palestina não possa ser negada.
Seu legado está presente hoje em cada atividade feminina organizada e em cada associação que ergue a bandeira do empoderamento das mulheres. Foi ela quem plantou a semente — e as gerações seguintes encarregaram-se de regá-la.
Por que escrevemos sobre ela agora?
Porque a história nem sempre é escrita de forma justa. Porque nomes que abriram caminhos em silêncio merecem ser trazidos de volta à luz. Porque a mulher palestina nunca foi um ser marginal, mas um sujeito pleno na construção da sociedade e da consciência.
Resgatar a memória de Jawhara Qawar e de suas semelhantes não é apenas um gesto de fidelidade à lembrança de uma pessoa, mas a correção de uma narrativa incompleta e a reconstrução de uma memória coletiva que faça justiça a todos.
Jawhara Qawar não foi uma figura passageira. Foi um projeto de renascimento precoce, à frente de seu tempo, e uma mensagem que diz que a vontade individual é capaz de produzir grandes transformações.
E em um tempo em que nossas sociedades buscam modelos que inspirem as novas gerações, a história de Qawar permanece como testemunho de que a mulher palestina – em Nazaré como em Gaza, na Cisjordânia e na diáspora – foi e continua sendo parceira plena na batalha pela consciência e pela dignidade.
Edição de texto: Alexandre Rocha
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

