No fim de outubro, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela destacou o valor de um recente comunicado de três relatores especiais das Nações Unidas que alerta sobre as consequências devastadoras de uma ação militar contra o país sul-americano.
De acordo com a socióloga e especialista em relações internacionais Ana Maldonado, o documento proporciona “fundamentos jurídicos incontestáveis” para deslegitimar discursos intervencionistas e fortalecer a soberania nacional no plano diplomático. Além disso, se insere na necessidade histórica de refundar a ONU “especificamente na aplicação de métodos eficazes de proteção multilateral”, conforme defendido há duas décadas pelo Comandante Hugo Chávez.
O relatório é de autoria dos especialistas Ben Saul (direitos humanos), Morris Tidball-Binz (execuções extrajudiciais) e George Katrougalos (ordem internacional democrática). Após a divulgação, o chanceler Yván Gil afirmou através da rede social Telegram:
Este importante pronunciamento enfatiza que a longa história de intervenções externas na América Latina não deve se repetir. O Governo Bolivariano, em nome do presidente Nicolás Maduro, reitera seu apelo ao diálogo e ao respeito pela soberania e integridade territorial da Venezuela.
Fundamento jurídico frente à agressão
Os especialistas fundamentam suas críticas em instrumentos jurídicos reconhecidos: a Carta da ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Direito Internacional Marítimo.
Dessa forma, para Maldonado, este comunicado “contribui para ratificar o que tem sido denunciado pelo Estado venezuelano e por múltiplas e muito diversas vozes do mundo: o desdobramento militar dos Estados Unidos no Caribe e as operações letais contra embarcações em frente à costa venezuelana constituem uma violação da soberania da Venezuela e da Carta da ONU”.
A internacionalista ponderou que “as ações militares encobertas ou diretas contra outro Estado soberano constituem uma violação ainda mais grave da Carta da ONU”.
Embora tenha reconhecido que os atores que justificam abertamente a intervenção “pouco se preocupam com a soberania da Venezuela porque estão absolutamente subordinados aos interesses imperiais dos Estados Unidos”, o relatório “pode contribuir para fortalecer a soberania no plano diplomático porque aporta fundamentos jurídicos incontestáveis, sobre violações legalmente tipificadas”.
Maldonado explicou que o documento “frisa algo, bastante óbvio, denunciado pela Venezuela, de que o uso da força letal em águas internacionais sem uma base legal viola o direito internacional e equivale a execuções extrajudiciais”. E acrescenta:
O direito internacional não permite que os governos assassinem, massacrem ‘supostos narcotraficantes’ e [determina] que, caso se trate de atividades criminosas, estas deveriam ser investigadas e processadas com apego à lei.Ana Maldonado
A especialista lembrou do alerta feito pelo presidente Nicolás Maduro em 1º de setembro, um dia antes do primeiro ataque, quando advertiu que se poderia estar diante de uma operação de falsa bandeira, semelhante à provocação do USS Maine em 1898, que foi utilizada pelos Estados Unidos como pretexto para declarar a guerra à Espanha e intervir em Cuba. “O que tem acontecido é que tem prevalecido a paz do lado da Venezuela e o conflito não tem escalado”, afirmou.
Mudança de narrativa internacional
Maldonado argumentou que “com a Venezuela não só pretendem nos tipificar de Estado ‘pária’, ‘falido’, mas também, análogamente ao Haiti, gostariam de nos classificar de ‘entidade caótica ingovernável’ para nos invadir e fingir nos tutelar”. Diante disso, ressalta:
O relatório muda o eixo: a ameaça à paz regional não é a situação interna, o estado de coisas e o governo que legitimamente nos demos, nem a revolução que estamos construindo, senão a intervenção externa ilegal, como expõe o documento e como nós dizemos: intervenção ingerencista, supremacista, fundamentalista religiosa e insaciável em continuar espoliando nossos recursos.Ana Maldonado
Essa mudança de narrativa é fundamental porque “evidencia que [os EUA] não têm que nos ‘resgatar’, e sim nos respeitar, e mobiliza apoios internacionais em defesa do princípio de não intervenção e de respeito à soberania”.
Ana Maldonado, líder chavista: Se Venezuela resistir ao imperialismo, vai inspirar toda América
Além disso, a posição da Colômbia quanto à sua política exterior, que rejeita qualquer ação militar contra a Venezuela, encontra neste relatório um respaldo técnico e legal significativo. Maldonado considera que o documento
poderia não apenas ser um catalisador, mas a pedra angular para a construção de alianças regionais e internacionais mais amplas. Poderia, ainda, oferecer cobertura jurídica para manter posicionamentos soberanistas e contribuir para alinhamentos em instâncias como a [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] Celac e [União de Nações Sul-Americanas] Unasur, que compartilham, por um lado, os princípios da soberania e da não intervenção, e por outro, a memória histórica regional sobre intervencionismo hemisférico.Ana Maldonado
Diplomacia pública e mobilização
A divulgação imediata que o chanceler Gil deu ao relatório faz parte de uma estratégia mais ampla de diplomacia pública. Maldonado explicou que “a diplomacia de paz está nos princípios da Venezuela, em seus objetivos históricos e em todos os eixos de alinhamento estratégico. A geopolítica de paz é uma das nossas 7 grandes transformações.” O documento, segundo a internacionalista,
mais do que dividir a opinião pública internacional, obriga governos e meios de comunicação a tomarem partido: ou apoiam as ações ilegais, o unilateralismo, as execuções, a violação da soberania, o descumprimento do direito internacional, ou apoiam a Venezuela, a América Latina e o Caribe como zona de paz e livre de armas nucleares.Ana Maldonado
A especialista enfatiza a mobilização para além do governo:
Não apenas o governo, mas também a Chancelaria, todo o povo, os movimentos sociais, os partidos e o poder popular estamos mobilizados para compartilhar nossa verdade com o mundo inteiro, para levantar nossas vozes, denunciar o supremacismo e a loucura bélica, lutar, estar alerta, em calma com a máxima preparação, defender nossa liberdade, nossa independência e nossa soberania.Ana Maldonado
A analista também esclareceu que “na Venezuela não há drogas, o que há é um povo em luta e produtivo. Também há petróleo e os ianques disseram que ‘não precisam pagar por ele, e sim que vão tomá-lo’ — como também disseram sobre Gaza. Que maior constatação de expressão neocolonial, supremacista?”
A internacionalista concluiu que, assim como expressa o presidente Nicolás Maduro, “a independência, a dignidade e a vida em soberania não têm alternativa.”
Confira, em inglês, o relatório da ONU na íntegra:



