Comunidades camponesas e indígenas do Paraguai enfrentam, há décadas, o avanço do agronegócio, que se apropria de terras à força, mediante títulos fraudulentos e despejos. Entre dezembro de 2024 e março de 2025, a violência recrudesceu: houve pelo menos 16 despejos, ações policiais violentas e imputações arbitrárias que afetaram 1.400 famílias de 11 comunidades nos departamentos orientais de Canideyú, San Pedro, Caaguazú e Caazapá, segundo descreve um informe da organização Base Pesquisas Sociais (Base-IS).
Nos últimos anos, o Estado paraguaio avançou com medidas que intensificaram a repressão sobre a população rural. Uma delas foi a modificação do Código Penal para aumentar as penas nos casos de “invasão de imóvel alheio”. Isso foi feito por meio da Lei Nº 6830, conhecida como Lei Zavala-Riera (sobrenomes dos legisladores proponentes), durante a presidência de Mario Abdo Benítez, em 2021. As penas de até dois anos de prisão passaram para seis, e as de cinco anos foram elevadas a dez.
A modificação do Código Penal foi repudiada não apenas pelo campesinato — que realiza ocupações de terras como forma de exercer seus direitos —, mas também por organismos de direitos humanos nacionais e internacionais e pela Igreja Católica, que advertiu, em especial, sobre a criminalização e a violência contra os povos indígenas.
Com a mudança de governo e a chegada de Santiago Peña à presidência, Enrique Riera tornou-se ministro do Interior. A política de perseguição se intensificou a tal ponto que as organizações camponesas e indígenas já denunciam um “plano de extermínio” de suas comunidades. Uma delas é a Organização de Mulheres Camponesas e Indígenas (Conamuri), que há 25 anos luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras do campo. Em junho passado, a organização alertou: “É uma política de Estado funcional ao agronegócio, ao narcotráfico e ao capital transnacional, que necessita de territórios desabitados para expandir seus monocultivos, pistas clandestinas e empreendimentos extrativistas.”
A Constituição Nacional do Paraguai reconhece o direito das famílias camponesas à terra, em um capítulo inteiro dedicado à Reforma Agrária, assim como a preexistência dos povos indígenas e seu direito à propriedade comunitária da terra. No entanto, desde a promulgação da Constituição, em 1992, a proporção da população do país que vive no campo reduziu-se de 50 para 30%, segundo dados do Censo Nacional.
Perla Álvarez, militante da Conamuri e referência da Coordenadora Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC-Vía Campesina), aprofundou a análise sobre o processo de expulsão do campesinato, por meio de violentos despejos, e sobre a rearticulação de organizações e movimentos populares. “A cultura camponesa não tem nenhuma possibilidade de sobrevivência na cidade”, advertiu em diálogo com o Tierra Viva. Confira a entrevista.

Lucía Guadagno: A Conamuri denuncia um “plano sistemático de despojo e extermínio” das comunidades camponesas e indígenas no Paraguai. Poderia precisar qual é a situação?
Perla Álvarez: O que estamos percebendo é um plano de extermínio contra a população do campo para deixar as terras livres ao agronegócio. E na Região Oriental isso ocorre com uma violência brutal, deixando centenas de famílias sem nada. Às vezes avisam um dia antes ou circula a informação: “Vai haver um despejo”. Chegam com uma ordem de busca ou de cateo, como chamam; sempre buscam criminalizar as famílias. Estão despejando comunidades com dez, 20 ou 30 anos de assentamento. E todos esses assentamentos estão em processo de regularização da terra, que, por ineficiência da instituição pública, não chega a se resolver. Em alguns casos, há duplo pagamento por essas terras ou superposição de títulos. Quando se emite uma ordem de busca, ela é feita de maneira indeterminada — não se estabelece qual é a terra em conflito —, e simplesmente vão e despejam as pessoas.
E isso ocorre desde quando?
Sempre foi assim, há muito tempo. Mas desde o ano passado, com o governo de Peña, aumentaram a intensidade, a frequência e o uso da força. Há um exagero, e sempre fazem referência à Lei Zavala-Riera. Por sua vez, aprovou-se outra lei: o Registro Unificado Nacional (RUN), que unifica três instituições — a Direção Nacional de Registros Públicos, o Serviço Nacional de Cadastro e o Departamento de Agrimensura e Geodesia. É um instrumento para legalizar as terras mal-havidas, que são terras públicas entregues como pagamento de favores para sustentar a ditadura (de Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989). Personagens da ditadura — militares, comerciantes, políticos e empresários leais ao regime — foram pagos com terras públicas que estavam destinadas à Reforma Agrária. São cerca de oito milhões de hectares, registrados no Informe da Comissão da Verdade e Justiça (no Tomo IV do Informe se detalha que as terras mal-havidas entregues entre 1954 e 2003 somam 7.851.295 hectares, o que equivale a 19% do território nacional).
Em que estado se encontra o processo de Reforma Agrária?
A Reforma Agrária é um direito constitucional, mas seu desenvolvimento tem sido muito ineficiente. A regulamentação demorou anos. Na primeira regulamentação, as mulheres não estavam incluídas; isso foi modificado em 2001. E o limite ao latifúndio, que constava na primeira regulamentação, depois foi alterado e já não há limite. Coloca-se um teto para o tamanho da terra camponesa, mas não para os grandes proprietários. Ao mesmo tempo, fomos perdendo nossa interlocução com o governo — não nos deixam participar. Quando vamos falar com eles, dizem: “Isto é o que há, é pegar ou largar”. Assim, brutalmente. Temos advertido que há uma onda de juventudes no campo que não têm o que fazer nem para onde ir. Então, o que fazer? Ocupar a terra. Estamos em um processo de reorganização da juventude sem-terra e com vontade de permanecer no campo, porque na cidade tampouco há alternativa.

Como é a situação atual das organizações e movimentos camponeses e indígenas?
Estamos em um processo de rearticulação do movimento camponês e indígena. A partir da Conamuri, estamos trabalhando junto à Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy), que tem um grupo de trabalho sobre terra, território e meio ambiente. A partir daí, acompanhamos este processo de rearticulação popular de movimentos camponeses, indígenas e populares. No ano passado, constituiu-se um espaço chamado Unidade Indígena, Camponesa e Popular, com o objetivo de levantar uma voz coletiva e impulsionar processos de encontros territoriais para politizar a problemática da terra. Há uma nova avalanche de interesse sobre a terra porque o agronegócio precisa se expandir. Mas, além disso, entra um novo elemento, que é o narcotráfico.
Agronegócio, narcotráfico e monocultivos
Em relação ao narcotráfico, o que denunciam em seu último comunicado lembra, em certos momentos, a história recente da Colômbia…
Bem, nós vínhamos falando da “colombianização” do Paraguai. E agora, dito e feito. É um espelho. Os clãs disputam os territórios por onde transitar e onde produzir maconha. Para essa produção, a mão de obra é camponesa. Diante da ausência de políticas de promoção da agricultura familiar e camponesa, o narco é uma saída arriscada, mas economicamente mais vantajosa.

Dentro do agronegócio, quais são as atividades que mais se expandem?
A soja continua se expandindo, assim como o milho, o trigo e o arroz. A produção de eucalipto cresce de maneira exagerada — uma imensa quantidade de hectares destinada à indústria da madeira, da celulose e também da biomassa. Os sojeiros usam lenha para secar os grãos. E a pecuária também segue se expandindo. Quando “Marito” (o ex-presidente Mario Abdo Benítez) assumiu, havia 14 milhões de cabeças de gado, e no Paraguai somos menos de sete milhões de habitantes. Sua meta para 2023 era chegar a 20 milhões de cabeças: três vezes a população. Segundo o Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Animal, no final de 2024, a população bovina era de 13,5 milhões de cabeças. Enquanto essas atividades crescem, temos a criminalização e a falta de políticas de apoio às famílias camponesas.

Você mencionou que os despejos mais violentos ocorrem na Região Oriental. Como é a situação na Região Ocidental, no Chaco paraguaio?
O Chaco está praticamente alienado. As terras estão nas mãos de empresários brasileiros, uruguaios, argentinos e menonitas. A população indígena — que é a população autóctone — e a população camponesa estão submetidas a trabalhos semiescravos, um regime de escravidão moderna, sem garantias trabalhistas (em 2017, um informe da Relatoria Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão advertiu sobre o trabalho forçado e a servidão por dívidas na região). No Chaco, além disso, temos a construção da Rota Bioceânica sem nenhum tipo de cuidado, proteção ou consulta. O projeto está destruindo todo o patrimônio natural dos povos e gerando divisão nas comunidades, porque oferecem compensações a uma parte da comunidade, enquanto outra parte se nega a aceitar o projeto. Assim, corrompem o tecido social. Além disso, sabemos que essas obras de grande envergadura vêm acompanhadas de outros impactos, como a prostituição, o tráfico de pessoas e outros efeitos colaterais. O impacto sobre as comunidades é tremendo. Desenvolve-se infraestrutura para as empresas, para a pecuária, mas não para os povos.
Nesse contexto, quanto ainda resta de mata?
Resta pouquíssima mata. E o pouco que resta está, sobretudo, nos territórios indígenas. Por isso os indígenas “incomodam”. Capitais privados querem se apropriar das matas por causa do mercado de carbono e para cumprir a reserva florestal obrigatória (a Lei Nº 422/73 obriga as propriedades rurais com mais de 20 hectares em zonas florestais a manter 25% de área de mata ou a reflorestar). Em vez de preservar em suas próprias terras, usam as áreas indígenas para cumprir a legislação e seguem pressionando o território indígena. Ou então a mata é usada para o cultivo ilegal de maconha.
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Esta entrevista faz parte da cobertura colaborativa da Agência Tierra Viva e da Huerquen Comunicação sobre o Seminário “O futuro do nosso alimento”, realizado em Buenos Aires, nos dias 13 e 14 de junho de 2025, e organizado pelo Escritório Cone Sul da Fundação Rosa Luxemburgo (FRL), junto ao Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), o Movimento Nacional Camponês e Indígena – Somos Terra (MNCI-ST) e o Grupo ETC.

