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Paradiplomacia: São Paulo e Moscou driblam Ocidente com parceria em transporte e bioenergia

O século 21 observa a reviravolta da ordem mundial pós-bipolaridade. Os Estados Unidos saem vitoriosos do fim da Guerra Fria, instauram a globalização neoliberal, mas não asseguram a hegemonia na disputa pela economia mundo. Com a ascensão de diversas potências emergentes em busca de novos modelos de desenvolvimento e parceria, distantes da hegemonia tradicional (EUA e ocidente), um dos objetivos do grupo Brics (Brasil, Rússia, Índica, China e África do Sul, no grupo inicial que dá nome para a sigla, depois ampliado) tem sido o rápido aumento do número de Estados-membros nos últimos anos.

Nesse sentido, entre essas transformações está o surgimento da cooperação entre Brasil e Rússia, por meio de uma série de iniciativas também na chamada paradiplomacia. Uma boa definição deste conceito é:

relações internacionais conduzidas por entidades subnacionais, como cidades, estados, províncias ou regiões, com o objetivo de promover seus próprios interesses no exterior sem ser necessária a intervenção direta do governo central ou da diplomacia tradicional conduzida por nações. O fenômeno ganhou destaque nas últimas décadas, à medida que a globalização e a interconectividade aumentaram a capacidade e a necessidade dessas entidades subnacionais de participar diretamente em assuntos internacionais. A paradiplomacia pode abranger uma ampla gama de áreas, incluindo comércio, investimento, cooperação ambiental, cultura, educação e turismo. Por exemplo, uma cidade pode estabelecer relações com parceiros internacionais para atrair investimentos estrangeiros ou promover o turismo local. Da mesma forma, estados ou regiões podem participar de redes globais para combater as mudanças climáticas, compartilhar melhores práticas em gestão de recursos ou promover intercâmbios educacionais e culturais.

No primeiro semestre de 2025, as cidades de São Paulo capital e Moscou assinaram um Memorando de Entendimento (MoU) voltado à cooperação técnica e institucional em mobilidade urbana. Em agosto deste corrente ano de 2025, a prefeitura paulistana enviou uma delegação técnica para a Cúpula Internacional do Transporte, realizada em Moscou entre os dias 21 e 25 de agosto. A Prefeitura de São Paulo foi representada pelas Secretarias Municipais de Relações Internacionais e Mobilidade Urbana e Transporte.

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Durante o encontro, os representantes da poder público municipal paulistano participaram da cerimônia de abertura, acompanharam a assinatura da declaração conjunta de adesão ao projeto UrbanTransportData e estiveram presentes em reuniões técnicas sobre temas estratégicos, como transporte sustentável, digitalização, inovação e segurança no tráfego. A programação incluiu também visitas técnicas a instituições de referência, como o Centro de Situação de Moscou, a Zona Econômica Especial Technopolis, o Museu de Transporte de Moscou e o Terminal Fluvial Norte.

O Secretário Adjunto de Mobilidade Urbana e Transporte de São Paulo, Rafael Toniato Mangerona – presente no evento – afirmou que vê Moscou como um importante parceiro no desenvolvimento de sistemas de transporte. Ele explicou que o foco na próxima fase será promover o desenvolvimento e o uso de ônibus elétricos e movidos a biogás como uma alternativa prática aos combustíveis derivados do petróleo, para melhorar o ambiente urbano e a saúde dos cidadãos em uma cidade que sofre com a poluição do tráfego pesado, como São Paulo. A ideia de desenvolver serviços e mecanismos de transporte sustentáveis, anunciada durante a Cúpula Internacional do Transporte em Moscou, parece ser mais do que apenas um projeto técnico ou ambiental, mas carrega dimensões políticas e econômicas mais amplas, ainda mais importantes considerando que os dois países são membros fundadores do grupo Brics.

O discurso do representante brasileiro não foi isento de evidentes implicações políticas; ele criticou duramente as sanções ocidentais à Rússia, argumentando que elas dificultam a transferência de tecnologia e impedem oportunidades de cooperação internacional. Essa posição revela uma aproximação estratégica entre Brasil e Rússia, baseada na ideia de que o desenvolvimento não deve ser refém de tensões geopolíticas. A abordagem de São Paulo também reflete a abertura do Brasil a múltiplos parceiros fora do contexto ocidental, fortalecendo sua posição como uma potência emergente que busca diversificar suas opções. Este passo reflete as sérias intenções brasileiras de seguir a tendência global rumo a cidades inteligentes e desenvolvimento sustentável, onde a dimensão ambiental é integrada a tecnologias modernas para construir sistemas de transporte mais eficientes.

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O projeto não se limita à dimensão de investimento; inclui também o intercâmbio de tecnologia e expertise. Com um país como a Rússia, que possui expertise em sistemas de transporte urbano e ferrovias, o Brasil, por sua vez, busca desenvolver ainda mais suas capacidades na área de energia limpa e alternativas de base biológica, por meio de cooperação bilateral que visa:

  • Desenvolver uma infraestrutura integrada para ônibus elétricos.
  • Integrar eletricidade e biogás como parte do sistema energético urbano.
  • Utilizar sistemas digitais inteligentes para gerenciar o transporte e reduzir congestionamentos.
  • Aproveitar a tecnologia como ferramenta para desenvolver o ambiente de negócios, aumentar a capacidade de parcerias práticas e até mesmo superar restrições políticas.

A cooperação técnica Brasil-Rússia possui expertise em áreas de transporte, que vão desde sistemas de metrô e trens de alta velocidade até soluções digitais de gestão de tráfego. O Brasil também possui experiência significativa na área de bioenergia, sendo pioneiro no uso de etanol e biogás como alternativas aos combustíveis derivados do petróleo. Portanto, quando as duas partes se unem em um projeto conjunto, abre-se a porta para a troca de expertise e a criação de novos modelos de transporte que podem ser posteriormente exportados para outras cidades do Sul Global.

Isto não se limita aos benefícios econômicos diretos, mas também carrega um importante valor simbólico: nomeadamente, a cooperação entre países em desenvolvimento e emergentes é capaz de produzir conhecimento e soluções que não são menos valiosos do que aqueles vindos do Ocidente.

Vale ressaltar que o compromisso de São Paulo capital com os Brics – através da cooperação com Moscou, capital da Rússia – ultrapassa os limites das alianças políticas domésticas, limitada pelo discurso e subalternização aos Estados Unidos e sua projeção de poder sobre o Brasil. Em caso de projetos estruturantes avançarem, tomando por exemplo o eixo fluvial urbano e metropolitano moscovita, o impacto para a realidade de milhões de pessoas é imediato. São Paulo ainda é dotada de rios aptos para projetos de transporte, como o Tietê e Pinheiros – caso sejam despoluídos e habilitados para a navegação – além da interconexão com as represas Billings e Guarapiranga.

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plano hidroviário de São Paulo prevê 148 kms de extensão em 40 ecoportos, integrando rios, córregos e represas, e o valor de investimento previsto é de R$ 8,5 bilhões de reais. Evidente que um projeto desta envergadura não vai sair do regime de acumulação financeira do ocidente e sim dos investimentos conjuntos do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics e seus mais de USD 137 bilhões já investidos em obras estruturantes visando a emergência climática e a sustentabilidade.

Se esta obra chegar a se desenvolver com intercâmbio entre São Paulo e Moscou, o impacto é incomensurável, em escala de dezenas de milhões. São obras desta envergadura que modificam a vida cotidiana e a percepção da política internacional aplicada no mundo concreto.

* Imagens na capa:
– Moscou: Artem Beliaikin / Unsplash
– São Paulo: ikedaleo / Pixabay

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