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O tempo como arma: em Gaza, esperar por ajuda ou negociações é uma ameaça à vida

Os palestinos em Gaza não medem o tempo em horas, mas pelo sangue derramado, pelos bairros destruídos, pelas gerações que crescem entre os campos de deslocados e as cinzas

Em tempos de genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos, cada instante deixa de ser apenas minutos e segundos que passam — ele se transforma numa verdadeira batalha pela existência. Não estamos vivendo um período qualquer da história; estamos atravessando-a como corpos que cruzam o fogo em brasa, enquanto Israel, do outro lado, corre para impor seus fatos consumados, remodelar a geografia e redesenhar a demografia de acordo com os interesses de seus projetos coloniais e de deslocamento forçado.

Em contrapartida, parece que o negociador palestino — ou quem acredita sê-lo — aposta no tempo como se fosse um aliado garantido, prolongando indefinidamente as negociações, iludido de que esse tempo mudará o equilíbrio de forças a seu favor, ou que as mudanças na conjuntura internacional amadurecerão um dia numa bandeja palestina. É aí que reside a grande tragédia: nesta terra, o tempo não perdoa, e o instante que não aproveitamos é imediatamente capturado por um inimigo que sabe muito bem transformar o tempo em arma política e estratégica.

Disse Naguib Mahfouz certa vez: “O tempo é o bem mais precioso do ser humano, e mesmo assim ele o desperdiça como se nada fosse.” Essas palavras são um tapa no rosto da consciência palestina hoje. Enquanto o povo é exterminado pela fome e pela sede, expulso de suas casas e soterrado sob os escombros, ainda há quem aposte no “estoicismo estratégico”, ignorando que o tempo não favorece quem espera, mas quem age e transforma.

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Albert Einstein via o tempo sob uma ótica relativa, quando afirmou: “As pessoas que acreditam que o tempo pode ser medido por relógios não compreendem sua relatividade.” E nós, palestinos, não medimos o tempo por horas, mas pelo sangue derramado, pelos bairros destruídos, pelas gerações que crescem entre os campos de deslocados e as cinzas.

O pensador argelino Malek Bennabi expressou seu pavor diante do desperdício de tempo dizendo: “O que mais me assusta na vida do muçulmano de hoje é que ele desperdiça o tempo acreditando que está fazendo algo de valor.” É exatamente isso o que ocorre quando nos acomodamos à espera, entoando cânticos de resistência imóvel e empilhando slogans em vez de ações.

Parece até que os provérbios populares compreendem o tempo à sua maneira sombria: “O tempo é um grande médico, mas mata todos os seus pacientes.” Sim, a longa espera vivida pelos palestinos não curou suas feridas, apenas as aprofundou. E aqueles que aguardam “o momento certo” podem acabar surpresos ao descobrir que ele já passou, e que nada fizeram além de esperar.

O instante é tudo o que temos. E ele, como se diz, é insubstituível. O tempo não passa por nós; somos nós que passamos por ele, sendo consumidos, drenados em nossas forças. Cada minuto sem ação é uma oportunidade concedida ao inimigo para reforçar sua ocupação e consolidar sua presença.

Leia mais notícias sobre Gaza na seção Genocídio Palestino.

Precisamos de uma consciência coletiva que entenda que o tempo deixou de ser um aliado silencioso: ele é agora um campo de batalha aberto, no qual somos derrotados a cada dia que adiamos agir. Somente os que percebem que o tempo não é apenas uma data no calendário, mas uma atitude, uma iniciativa, uma forma de resistência, apenas esses escaparão da maldição do extravio e da dispersão.

Em tempos de extermínio e cerco, não temos o luxo de esperar mais. Se não soubermos usar o instante presente, pagaremos seu preço por gerações.

Edição de texto: Alexandre Rocha

As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

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