Sob acordo com Trump, Netanyahu protela negociações de cessar-fogo e troca de prisioneiros, evidenciando como a política israelense instrumentaliza questões humanitárias para obter ganhos internos
Em uma cena que parece familiar nas políticas de ocupação, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu conseguiu novamente ganhar tempo. Após crescentes pressões internas e rápidas divisões dentro da coalizão governamental, conseguiu convencer o presidente estadunidense, Donald Trump, a lhe conceder mais uma semana para negociar um acordo de cessar-fogo em Gaza, um prazo que Netanyahu parece apostar para concluir a “troca de prisioneiros” antes do recesso de verão do Knesset no final deste mês de julho.
O jogo do tempo: manobra política com roupagem humanitária
O que aparentemente se apresenta como um esforço final para salvar reféns em poder da resistência palestina, esconde em sua essência uma tática política pura. O recesso do Knesset, que começa em 27 de julho, representa para Netanyahu uma “janela de ouro” para evitar a aprovação de qualquer decisão que possa ameaçar sua coalizão ou abrir espaço para a oposição apresentar uma moção de desconfiança contra seu governo.
Na prática, Netanyahu trata o dossiê dos prisioneiros não como um dever moral ou uma responsabilidade nacional, mas como uma carta de negociação condicionada às alianças internas e pressões externas. A extensão do prazo concedido por Trump veio como um presente valioso no momento adequado, permitindo-lhe ampliar a margem de manobra nas negociações sem pagar um preço político imediato perante seu público mais radical.
Uma resistência que impõe as regras
Do lado palestino, não parece que o movimento Hamas esteja disposto a oferecer concessões sem contrapartidas políticas e humanitárias claras, que vão além da simples troca de prisioneiros. A discussão sobre um cessar-fogo abrangente, a retirada de Gaza e a garantia de entrada de ajuda humanitária tornaram-se elementos tão importantes quanto o destino dos prisioneiros.
Nesse contexto, qualquer acordo sem o fim da agressão e o levantamento do bloqueio será considerado uma vitória meramente formal para Israel, sem mudança essencial no equilíbrio da guerra. Por isso, a resistência sabe que Israel – apesar de seu barulho midiático – é a parte que mais precisa do acordo, não apenas para recuperar seus soldados e cidadãos, mas também para sair do atoleiro político e de segurança em que se afundou há mais de 20 meses.
Depois da semana adicional
Se Netanyahu conseguir concluir um acordo de troca de prisioneiros antes do final de julho, isso será apresentado como uma “realização nacional” perante seu público, sem que precise pagar preços políticos imediatos dentro do Knesset. E se fracassar, ao menos terá garantido a passagem do recesso parlamentar sem fissuras em sua coalizão, podendo até continuar sua guerra contra Gaza em meio a um vazio legislativo e com cobertura adicional dos Estados Unidos.
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Mas a verdade mais importante é que a continuidade da procrastinação na conclusão do acordo não decorre de complexidades negociais, mas sim de uma decisão política israelense de prolongar a guerra e explorar o sofrimento dos prisioneiros e dos civis para obter ganhos internos.
O cenário das negociações em torno da troca de prisioneiros, agora condicionado ao recesso do Knesset e à agenda eleitoral de Netanyahu, reflete com clareza como as questões humanitárias na política israelense se transformam em instrumentos de barganha e protelação. E se a resistência palestina resistiu até hoje, sua aposta não deve ser no timing israelense, mas sim na firmeza da posição política e no campo de batalha, ciente de que romper as condições da ocupação começa por romper suas equações, não por integrar-se a elas.
Edição de texto: Alexandre Rocha
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

