O escândalo de corrupção envolvendo supostos pedidos de propina na Agência Nacional de Deficiência (ANDIS) estourou com os áudios do ex-diretor Diego Spagnuolo, que revelaram o esquema de arrecadação de propinas e retornos entre a Drogaria Suizo Argentina — propriedade da família Kovalivker, ligada aos Menem — e a “presidência” do governo, liderada por Karina Milei e Lule Menem, que receberiam 3% do total de 8% das propinas.
A dinâmica da corrupção voltou com força à pauta do poder. As redes sociais, criativas, começaram a falar da nova “corrupção K”, mas desta vez não por Cristina Kirchner — e sim por Karina, a irmã de Milei. O próprio chefe de gabinete, Guillermo Francos, disse que não colocava a mão no fogo por nenhum colega, e surpreendeu a rapidez com que alguns comunicadores oficialistas abandonaram quem por meses os alimentou com informações.
O atual “audiogate”, a criptofraude $Libra, a venda de candidaturas, o uso das estruturas do PAMI (Programa de Atenção Médica Integral) e da Anses (Previdência Social) para estruturar o partido ultradireitista La Libertad Avanza, a distribuição de bilhões em publicidade oficial para mídias e jornalistas aliados, e até a comercialização de encontros com o presidente Milei são partes de um mesmo enredo.
Diante da suspeita de Karina e “Lule” Menem de que o vazamento dos áudios de Spagnuolo foi obra de seu inimigo interno Santiago Caputo, este teria tentado convencê-los do contrário pressionando veículos de mídia que recebem publicidade oficial para minimizar o escândalo. Alguns canais e portais só noticiaram o caso quando o governo demitiu Spagnuolo, com medo de perder verbas publicitárias.
Spagnuolo considerava um “desrespeito” com Karina receber tão pouco — o que equivaleria entre 500 mil e 800 mil dólares mensais, apenas por esse “acordo”. A operação envolve inúmeros particulares e funcionários, que dividem o “botim” estipulado há mais de um ano e meio, desde que o mileísmo chegou ao poder.
Segundo o próprio Spagnuolo, a tabela ilegal de porcentagens começou em 5%, mas há um ano subiu para 8%. Na conversa, ele diz que cada intermediário envolvido na propina — a “segunda e terceira linha” — embolsa “20 ou 30 mil dólares por mês”. Já uma camada superior de funcionários levaria “meio milhão por mês”.
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Questionado sobre quem integra essa cúpula, ele responde sem hesitar: “Lule Menem e Karina Milei”. E ainda ressalta que isso é apenas “um pedacinho da confusão que fazem”. Afirma que alguns funcionários têm “voracidade genética”. Segundo ele, seria o pessoal da Drogaria Suizo Argentina quem entregaria o dinheiro ilegal diretamente à “Presidência”. Em um áudio posterior, ele detalha qual seria a porcentagem destinada à Secretaria-Geral da Presidência.
A imprensa internacional acompanha de perto a crise que atinge o governo de Javier Milei, relacionando-a a um possível escândalo de corrupção que se soma às derrotas no Congresso e à fragilidade econômica. A Bloomberg destacou: “Milei soma um escândalo de corrupção à sua crescente lista de problemas”. Já a ABC News, dos EUA, incluiu o entorno do presidente na manchete: “Argentina investiga suposto esquema de propinas envolvendo o círculo íntimo do presidente Milei”.
Irmãos Milei em silêncio
Áudios. Spagnuolo. Propinas. Três palavras que mantêm o governo libertário de Javier Milei em suspense. Já se passaram dias sem que Milei ou sua irmã Karina tenham falado publicamente sobre o caso revelado nos áudios do ex-funcionário. A oposição tenta transformar o escândalo em tema de campanha.
E não se trata de qualquer funcionário: Spagnuolo é amigo pessoal e até advogado de Milei, frequentador da residência de Olivos. É o chamado “fogo amigo” — impossível de atribuir aos “malditos kukas” (kirchneristas).
“Hay que avanzar con los jefes, los Milei y los Menem, algo que hasta ahora no se hizo. Es evidente que ahí esta la trama principal de la corrupción en la Secretaría de Discapacidad y en distintos organismos del Estado. Queremos ser parte querellante en esta causa porque no se… https://t.co/ZXfKaW6H0L pic.twitter.com/WgLLVWCeLb
— Prensa Obrera (@prensaobrera) August 27, 2025
Por isso, cresce a expectativa para que Milei ou sua irmã digam algo simples como “é mentira” ou “está sendo investigado”. Por enquanto, silêncio total. Enquanto os irmãos permanecem calados, o porta-voz presidencial Manuel Adorni recorreu a uma frase filosófica: “O tempo é o único juiz que sempre revela a verdade” — que poderia se referir ao caso Spagnuolo, embora sua vaguidade sirva para qualquer situação.
A “batalha cultural” que Milei deflagrou nas redes sociais como pilar de seu governo enfrenta reações severas e irônicas com os áudios de Spagnuolo sobre a suposta corrupção na compra de medicamentos. Até agora, nenhuma resposta oficial — apenas os tradicionais esforços para “apagar incêndios” de Guillermo Francos ou Lilia Lemoine.
O nome de Karina Milei, irmã do presidente e Secretária-Geral da Presidência, segue como o assunto mais comentado na rede X (antigo Twitter), no meio de uma acirrada disputa de narrativas entre apoiadores tentando defendê-la e opositores atacando com rótulos curtos e devastadores: “corruptos” e “propineiros”.
Tudo começou com uma gravação em que Spagnuolo denuncia: “O Lule (Menem) está roubando de um jeito… Ele (Milei) não está envolvido, mas é tudo gente dele. Eu falei com o presidente. Disse: ‘Javi, está acontecendo isso, isso e isso. Você sabe que sua irmã está roubando. Não pode se fazer de bobo comigo’”.
Depois, ele explica como funcionaria a fraude: “Tem medicamentos com desconto, então a drogaria consegue mais barato e tem mais lucro. E tem remédios sem desconto, com menos rentabilidade”.
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“E o que faz a Suizo? Fica com todos os que têm desconto. A Karina deve receber 3%. Se é 5%, e 1% vai para a operação, 1% é meu, e você Karina fica com 3%. Devem fazer assim. Se der algum problema e não me protegerem, eu já avisei o presidente… A primeira a ser presa vai ser a Karina”, dizia Spagnuolo.
Diante disso, ganha novo sentido a resposta da ex-chanceler Diana Mondino, há duas semanas, ao ser perguntada sobre a ligação de Milei com a criptofraude $Libra: “Existem duas possibilidades. Ou ele é estúpido ou é corrupto.”
Gabriel Solano, deputado do Partido Operário e figura do Frente de Izquierda, apresentou denúncia criminal contra Javier Milei, Karina Milei, Eduardo “Lule” Menem, Diego Spagnuolo e Jonathan Kovalivker por suspeita de corrupção em um esquema de propinas em troca de contratos públicos. “São um governo de estelionatários e corruptos. Está claríssimo onde foi parar o dinheiro da deficiência”, denunciou Solano em sua conta no X.

