O anúncio do presidente Donald Trump no final de junho sobre uma série de medidas contra o governo cubano, seguido em julho por mais sanções de vistos contra líderes de Havana e mecanismos adicionais para limitar ainda mais que estadunidenses façam negócios com o setor de turismo da ilha, foi apresentado como uma demonstração da nova política mais agressiva contra Cuba prometida pelo governo entrante.
Mas especialistas nos Estados Unidos debatem se essas novas medidas terão um impacto maior ou se são, na verdade, uma continuação das políticas elaboradas e aplicadas durante o primeiro mandato de Trump, muitas das quais foram mantidas durante a gestão do democrata Joe Biden.
Todos os especialistas entrevistados por La Jornada reconheceram que o bloqueio e as medidas para asfixiar o governo cubano nos últimos anos atingem terrivelmente a economia da ilha, provocando assim o deterioro das condições de vida para aquele povo.
No entanto, é menos conhecido que, apesar do bloqueio e das novas medidas, nos bastidores do cenário político ao longo dos últimos 20 anos, as exportações estadunidenses agropecuárias e de transporte a Cuba cresceram de maneira substancial. Por exemplo, as vendas agropecuárias em maio de 2025 chegaram ao nível recorde de 37 milhões de dólares. Uma das interrogações agora com o atual governo em Washington é o que acontecerá com esse comércio.
O consultor empresarial e especialista em negócios bilaterais com Cuba, John Kavulich, diretor do US-Cuba Trade and Economic Council, explicou em entrevista que os detalhes da nova política são menos significativos do que o sinal enviado com a publicação do documento oficial National Security Policy Memorandum-5 (NSPM-5), que detalha as medidas recentes.
“Se alguém revisa o primeiro governo de Trump, não foi até 2019 que procederam contra os cruzeiros (que chegavam a Havana) e depois foram atrás do contrato de administração dos hotéis da Marriott. Tomaram seu tempo. Desta vez estão procedendo de uma vez.”
“O simples fato de apresentar o documento teve um efeito. Responsáveis pelo cumprimento de normas dentro dos bancos o examinaram imediatamente, você tem executivos empresariais observando, todos o avaliam e assim isso se torna mais uma razão para evitar tudo o que tenha a ver com Cuba”, explicou Kavulich, que se dedica a assessorar empresas estadunidenses que têm negócios ou relações comerciais com a ilha. “Não há nada dramaticamente novo, mas há matizes que podem indicar mudanças dramáticas.”
Máxima pressão
Fulton Armstrong, ex-oficial de Inteligência Nacional para a América Latina, coincide em que a política para Cuba nos primeiros meses deste governo “tem sido essencialmente a mesma” do primeiro período de Trump e do governo de Biden, de aplicar aquilo de “máxima pressão”.
Comentou em entrevista à La Jornada que “Trump não fez nada drástico até agora, mas ele e seu secretário e subsecretário de Estado anticastristas não deram sinais de abandonar suas ambições de mudança de regime”, objetivo que tem sido promovido por diferentes táticas por governos de ambos os partidos. Advertiu que “com Cuba padecendo múltiplas crises, podem muito bem estar avaliando que a fruta está madura para a colheita”.
O agora analista e acadêmico assinala que essas medidas estão sendo aplicadas com maior força e que “essas medidas no conjunto infligiram dor profunda e sem precedentes na ilha”.
Na lista proibida
Entre essas medidas aplicadas pelo novo governo está a de manter Cuba na chamada lista de “patrocinadores estatais do terrorismo”, com consequências imediatas, inclusive para dissuadir autoridades e empresas estrangeiras de fazer negócios com Havana, uma nova ordem para frear as remessas pela Western Union e, mais recentemente, tem buscado impor mais restrições sobre o setor de turismo, ao aumentar o número de hotéis proibidos para viajantes estadunidenses. Além disso, o Departamento de Estado pretende sancionar as nações que convidam as brigadas médicas de Cuba, incluindo a expressão de desagrado com o México nesse quesito.
Por enquanto, as exportações estadunidenses para Cuba crescem, embora todo esse negócio seja em dinheiro, já que as medidas impedem o uso de bancos e outras instituições financeiras. Exportações de produtos alimentícios e agropecuários – óleo de soja e de jojoba, extratos de café e pneus, entre outros – avaliados em 205 milhões de dólares foram realizadas nos primeiros cinco meses de 2025, um incremento de 16,6% comparado com o mesmo período do ano anterior. O comércio de veículos novos e usados, caminhões e motos também tem se incrementado.
“Desde as primeiras exportações de milho, trigo e arroz em dezembro de 2001 até hoje, os cubanos adquiriram aproximadamente 8 bilhões de dólares em produtos agropecuários e alimentícios pagos em dinheiro. Essas vendas estiveram de maneira consistente, durante os últimos 24 anos, entre os 50 países – de uns 200 – com maiores exportações estadunidenses”, explica Kavulich. A comercialização de equipamento de transporte, acrescenta, está a caminho de alcançar 100 milhões de dólares até o final de 2025.
“Cuba é o mercado de exportação mais seguro para as empresas estadunidenses porque não podem nos dar calote, é tudo em dinheiro.” Explica que outros países, e em particular Cuba, costumam não cumprir com pagamentos quando são feitos por meio de créditos ou financiamentos.
Mas Kavulich culpa os governos de Washington e de Havana por terem falhado em construir mais com a abertura comercial e “as grandes oportunidades” do passado recente. Lembra que as exportações agropecuárias começaram em 2002, sob o governo do então presidente George W. Bush, quando Fidel Castro deu as boas-vindas a uma grande feira de produtos estadunidenses e depois houve outro grande avanço com a normalização das relações com Barack Obama.
Kavulich critica Obama e seus interlocutores em Havana por não terem dado seguimento às oportunidades que se abriram. O governo do democrata evitou estabelecer mecanismos de financiamento, enquanto o regime cubano, dando boas-vindas a mais comércio, foi relutante em permitir o investimento direto na ilha por empresas estadunidenses.
Quando Trump chegou à Casa Branca pela primeira vez em 2017, as companhias estadunidenses que exportavam para Cuba e os governadores que se beneficiavam com o comércio agropecuário com a ilha decidiram manter um perfil discreto e não atrair atenção para essas relações econômicas.
As coisas podem se complicar mais, assinala Kavulich, se este governo desejar “causar mais dano ao impor maiores restrições sobre o uso de bancos em terceiros países”. Considera provável que Trump persiga uma empresa estrangeira com negócios em Cuba como “uma ação simbólica”, escolhendo uma que não provoque grande problema com o país anfitrião; no entanto, prevê que não procederão contra companhias no México, Canadá ou Índia.
Apesar das declarações do governo em Washington, a política para Cuba não mudou, e assim como seu antecessor democrata, justifica suas medidas em nome de apoiar o “povo cubano”, que padece cada vez mais as graves consequências da própria política de asfixia.
Plano anti-imigrantes de Trump apaga na Flórida desejos de invasão a Cuba
A eleição de Donald Trump como presidente pela segunda vez e a nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado geraram expectativas entre as correntes anticastristas de Miami de que os Estados Unidos poderiam invadir Cuba ou acelerar a “troca de regime” na ilha. Mas, nestes primeiros meses do novo governo em Washington, a impressão na cidade é de que se parece muito com o primeiro mandato do atual presidente e com o governo de seu sucessor democrata, Joe Biden.
“Ao final das contas, muito disso é mais do mesmo”, comenta o professor Guillermo Grenier, sociólogo da Florida International University e especialista em opinião pública cubano-americana.
Ele explicou que, embora as novas medidas anunciadas pelo governo Trump possam afetar o turismo e os negócios dos Estados Unidos, por ora não terão impacto sobre os cubano-americanos que viajam à ilha para visitar seus familiares.
“No início, quando Trump e Marco chegaram, havia a impressão de que o secretário de Estado iria querer invadir”, explicou Grenier em entrevista ao La Jornada. “Havia entre as pessoas daqui, que apoiam uma política beligerante em relação a Cuba, a ideia de que todos os jogadores já estavam posicionados. Existia uma esperança de ofensiva. Ouvi conversas enquanto circulava, por exemplo, no Versailles (o famoso restaurante cubano em Miami), onde as pessoas diziam: ‘bom, mano, chegou a hora’.”
“Mas o que essas pessoas sempre esquecem é que Cuba simplesmente não é tão importante. Pode ser algo transcendente na Calle Ocho, relevante em Miami, mas não é tão significativa para quem está no poder em Washington. Com tudo o que está acontecendo no mundo, o que você vai fazer com o regime?”
A esta altura, seis meses após Trump ter assumido a Casa Branca, Grenier observa que já não ouve entre os cubano-estadunidenses conversas sobre uma possível invasão à ilha.
Ninguém se queixa
Esses setores em Miami, junto a muitos políticos de ambos os partidos a nível nacional, continuam apoiando uma mudança de regime em Havana, mas tampouco estão dispostos a criticar a política de Trump em relação a Cuba.
“Muita coisa já fazia parte da política, e agora soa como: ‘ele só vai apertar mais em relação às remessas’, embora nem isso tenha sido plenamente implementado. Os empresários, sim, estão pensando duas vezes sobre o fluxo de seus lucros e investimentos.”
Os cubanos que chegaram à Flórida há décadas se identificam mais com Trump e o Partido Republicano e, portanto, é improvável que critiquem o novo governo, mesmo que estejam decepcionados com as medidas iniciais.
Sobre os ataques inesperados de Trump contra os imigrantes cubanos, Grenier afirma: “Acredito que os residentes cubanos em Miami são republicanos primeiro, cubano-americanos em segundo lugar e imigrantes em terceiro. As pessoas perguntam: como votaram em alguém que age contra a migração? Bem, eles não se veem no mesmo barco (com outros estrangeiros). Chegaram em outra situação, como refugiados”, comenta Grenier.
Além disso, o especialista ressalta que, embora os novos imigrantes cubanos também cheguem como refugiados, seus encontros com as autoridades migratórias dos Estados Unidos não têm impacto na comunidade na Flórida — são “notícia de um dia”, que não provoca reação.
Iniciativa sem futuro
Há indícios de que isso possa mudar. A deputada federal republicana cubano-americana María Salazar apresentou um projeto de lei bipartidário que inclui maiores restrições a pedidos de asilo e à aplicação da lei migratória nos locais de trabalho, mas oferece uma via para a cidadania para imigrantes indocumentados nos Estados Unidos. Há mais de 500 mil cubanos no país com proteção temporária, mas que agora estão vulneráveis à deportação, e essa proposta poderia ajudar a ajustar seu status.
No entanto, sob o clima anti-imigrante gerado por Trump e seus aliados, é improvável que a proposta avance no Congresso.
Essa iniciativa, no entanto, expõe as tensões dentro do próprio Partido Republicano sobre esse tema, especialmente entre os setores que votaram a favor do presidente e os legisladores. Por exemplo, o milionário Mike Fernández, cubano-americano radicado em Miami e dono da MBF Healthcare Partners, publicou uma carta ao editor do Miami Herald na qual criticou o silêncio dos líderes políticos diante da “postura de crueldade contra os imigrantes” do governo Trump.
Fora de Miami, alguns dos apoiadores mais influentes de Trump começaram a questionar não apenas suas políticas anti-imigrantes quando afetam comunidades favoráveis aos republicanos, mas também sua política em relação a Cuba.
Tucker Carlson, ex-apresentador nacional da Fox News, que mantém um enorme público no ciberespaço, comentou no mês passado: “Temos um embargo contra Cuba — a revolução foi em 1959. Isso aconteceu há 66 anos? Você mesmo acabou de dizer: não funcionou… Acredito que precisamos reavaliar. As sanções são realmente a resposta?”
Quatro de cada cinco condenados por narcotráfico são cidadãos estadunidenses
A esmagadora maioria – mais de 80% – dos condenados pelo delito federal de tráfico de drogas nos Estados Unidos são cidadãos estadunidenses. Quatro de cada cinco pessoas presas por tráfico de fentanil no país também são cidadãos estadunidenses, segundo dados oficiais.
No contexto do crescente coro de acusações contra o México por seu suposto papel no consumo de drogas ilícitas nos Estados Unidos, o jornal La Jornada examinou os dados disponíveis sobre quem são os detidos e encarcerados por tráfico de drogas dentro dos EUA e quem transporta essas substâncias para o país a partir do exterior.
Os dados do governo estadunidense confirmam que mexicanos e outros estrangeiros participam do tráfico de drogas, mas a esmagadora maioria dos condenados por esse crime são cidadãos estadunidenses.
Os Estados Unidos têm uma das maiores populações carcerárias per capita do mundo. Após uma década de queda, o número de pessoas encarceradas voltou a subir a partir de 2022, segundo os dados mais recentes do Sentencing Project, um centro de pesquisas independente dedicado à justiça penal.
Quase 2 milhões de pessoas estão presas, de acordo com a Prison Policy Initiative, outro projeto apartidário voltado ao estudo do encarceramento em mais de 5 mil prisões e centros de detenção federais, estaduais e locais.
Quase um milhão de pessoas são presas todos os anos nos EUA por delitos relacionados às drogas, a maioria por simples posse. Nem todos são efetivamente encarcerados. “Dos quase 2 milhões atualmente presos nos Estados Unidos, um em cada cinco está na cadeia por algum crime relacionado a substâncias ilícitas”, informa a Drug Policy Alliance, outra organização independente que defende a descriminalização das drogas e a adoção de um modelo de saúde pública para tratar a dependência química.
Já os acusados por tráfico de drogas nos Estados Unidos são julgados em tribunais federais e encarcerados em prisões federais.
Dos 154.155 indivíduos presos em instituições federais até março de 2025, 62.260 – aproximadamente 40% – cumprem pena pelo crime de “tráfico de drogas”, segundo a United States Sentencing Commission, uma agência oficial autônoma vinculada ao Poder Judiciário dos EUA.
Sem resposta governamental
La Jornada solicitou dados sobre a nacionalidade dos indivíduos que cumprem pena em prisões federais por exercerem “papel de liderança ou supervisão” no narcotráfico, mas um porta-voz da United States Sentencing Commission respondeu que a agência não fornece ao público informações sobre o percentual de cidadãos estadunidenses nesse perfil.
Tendência de alta
Essas tendências seguem em alta. Oitenta% dos condenados pelo crime federal de tráfico de drogas no ano fiscal de 2024 – dados mais recentes – também eram cidadãos estadunidenses. De acordo com uma análise da Sentencing Commission entre 1991 e 2024, a droga ilícita mais traficada nos EUA é a metanfetamina, responsável por 54% das condenações. A segunda é a cocaína em pó (17,3%) e a terceira nesse período foi o fentanil (11,9%).
Entre 84 e 85% dos traficantes de fentanil e metanfetamina condenados eram cidadãos dos EUA, enquanto 38% dos condenados por cocaína em pó eram estrangeiros.
Dado que o governo Trump tem se concentrado em responsabilizar os cartéis mexicanos pelo tráfico de fentanil aos EUA, La Jornada buscou dados sobre quem de fato transporta essa droga para o país.
Diversos relatórios do governo dos EUA confirmam que mais de 80% do fentanil que entra no país é transportado por cidadãos estadunidenses por meio de pontos de entrada legais.
Dados oficiais obtidos pelo American Immigration Council confirmam que a grande maioria das pessoas presas por transportar fentanil do México para os EUA são cidadãos estadunidenses.
“Ao todo, 81,2% de todo o fentanil apreendido nos portos de entrada ao longo da fronteira sudoeste (especificamente sob as jurisdições regionais de San Diego, Tucson, El Paso e Laredo), entre os anos fiscais de 2019 e junho de 2024, foi transportado por cidadãos estadunidenses”, informou a organização em março deste ano.
Resultados da DEA
Os dados oficiais sobre apreensões de drogas ilícitas nos EUA são um tanto difíceis de comparar entre os anos e conforme o tipo de substância. Segundo o Departamento de Justiça, desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, em 20 de janeiro, até 15 de julho, a DEA (Agência de Repressão às Drogas) apreendeu 44 milhões de comprimidos de fentanil, o equivalente a 4.500 libras (2.041 quilos); quase 65 mil libras de metanfetamina (mais de 29 mil quilos); mais de 201.500 libras de cocaína (91.399 quilos) e realizou mais de 2.105 prisões relacionadas ao fentanil.
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