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COP30, mais do mesmo: a luta compartilhada entre os povos da Amazônia e da Palestina

Um “keffiyeh” para o líder indígena Ninawá Huni Kuin
Por Amyra El Khalili, 18 de março de 2013 [1]

Fere a cabeça da víbora com o punho de seu inimigo.
Disso necessariamente te resultará um bem:
se o inimigo vencer, a víbora morrerá.
Se a víbora vencer, terás um inimigo a menos!Fátima Sad El Din

Deixei uma parte de mim no estado do Acre quando coloquei sobre o ombro do grande líder indígena Ninawá Huni Kuin um keffiyeh durante a conferência que proferi, a convite do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na Universidade Federal do Acre, em 2013.

Nossos mártires são velados e enterrados envoltos no keffiyeh. Símbolo da luta contra a ocupação dos territórios palestinos, o keffiyeh tornou-se indumentária emblemática de ativistas solidários à causa palestina em todo o mundo. Para o povo palestino, o keffiyeh representa o começo e o fim. O tudo e o nada. É o manifesto aberto dos que não aceitam a infame paz dos túmulos.

Nakba indígena

Expulsos de seus territórios e massacrados há 525 anos neste continente, os povos indígenas são exemplo de resistência e sabedoria nos cuidados com o ambiente e, mesmo espoliados de suas terras, ainda encontram forças para se solidarizar com o povo palestino, vítima da Nakba (tragédia da ocupação) há 77 anos.

Na conferência proferida há 12 anos, descrevi como funciona, na prática, a engrenagem da financeirização da natureza e da espoliação dos territórios indígenas e camponeses na Amazônia.

Falei sobre a origem do mercado de carbono e seu motivador militar — o chamado “Conselho da Bolha”, na década de 1960. Analisei a formação do comércio de emissões a partir dos anos 1970, posteriormente na Eco-92, no Protocolo de Kyoto (1997), e segui traçando paralelos sobre quanto custam as guerras aos povos do Oriente Médio e as semelhanças entre o que ocorre lá e o que vem ocorrendo aqui.

Abordei o sentido da territorialidade; a relação da água como ente vivo para os povos do deserto e sua importância para a sobrevivência de todos os seres do planeta — tanto sob o aspecto espiritual quanto econômico; e a relevância dessa compreensão para o embate entre o neoliberalismo e as forças populares emancipatórias, sobretudo na Amazônia, região em que “os gatos são pardos”.

Atravessamos o deserto cantando e dançando em caravana beduíno-indígena e chegamos às florestas tropicais contando causos, enquanto perdidos vagam na superfície sem chegar a lugar nenhum ao defenderem, como solução para a crise ambiental, as geringonças financeiras: REDD, REDD+, PSA, RCEs, PSE, MDL, créditos de compensação, créditos de carbono, créditos de efluentes, etc., etc., etc.

Há tempos venho alertando que tudo isso é uma coisa só. Porém, os que pretendem confundir querem nos fazer crer que cada sigla representa algo distinto e, assim, tentam justificar o injustificável: que o mercado financeiro resolve tudo pelas vias do próprio mercado. Que o mercado se autorregula e seria capaz de combater com eficiência os males que afetam o ambiente.

Se desejam provocar convulsões sociais com suas doutrinas neoliberais para implantar o neocolonialismo do carbono como experimento, usando os povos das florestas como cobaias, temos que parabenizá-los: nesse intento, estão alcançando seus objetivos. Estamos testemunhando violentos conflitos nas florestas e nos campos quando levantamos nossas vozes contra a usurpação de terras, a rapinagem dos bens comuns e o desrespeito aos direitos humanos, viabilizados por reformas legislativas — como vem denunciando o Coletivo Dossiê Acre.

O que acontece no Oriente Médio, para incautos, nunca acontecerá neste lado do Sul Global. E nós, palestinos, somos chamados de terroristas, radicais e fundamentalistas por alertarmos sobre mais um assalto cometido por atores que conhecemos muito bem — responsáveis, com nome e sobrenome, por crimes contra a humanidade. Essa estratégia dirigida às nações indígenas e aos povos das florestas é idêntica à que tem exterminado milhares de palestinos, iraquianos, afegãos, libaneses, sírios, africanos e outros parentes. Como diz o provérbio beduíno: “No deserto, a verdade é a melhor camuflagem — porque ninguém acredita nela.”

Foi nesse Abril Indígena de 2013, em ritual de pajelança e intifada indígena, que o guerreiro Ninawá Huni Kuin, sua família, seu povo, companheiros e parentes (os do lado de cá) receberam a proteção espiritual — o keffiyeh — do povo beduíno (os do lado de lá), sob a mira atenta do mundo. Assim como foi a trajetória — o começo e o fim — daquele que tombou em defesa da Amazônia: o mártir palestino Chico Mendes.

Não iremos embora

Por Tawfic Zayyad [2]

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo.

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis.

Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores.

Declamando poemas,
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo.

Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos

Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue.
Aqui
Temos um passado
E um presente.
Aqui
Está nosso futuro.

Notas

[1] Conferência realizada em 12 de abril, às 19h, no Anfiteatro Garibaldi Brasil, da Universidade Federal do Acre, na agenda “Abril Indígena 2013”, organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Federação do Povo Huni Kuin do Acre (FEPHAC), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR-Xapuri), Conselho de Missão entre Índios (COMIN) e pelo Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental da Universidade Federal do Acre (NUPESDAO/UFAC). Participaram como debatedores: Ninawá Huni Kuin (presidente da FEPHAC), Dercy Teles de Carvalho (presidente do STTR-Xapuri), Lindomar Padilha (CIMI) e Prof. Elder Andrade de Paula (CFCH/UFAC).

[2] Tawfic Zayyad, escritor e poeta palestino de Nazaré, é considerado pioneiro da poesia de resistência. Grande parte de sua obra foi escrita na prisão.

Texto publicado originalmente em 18 de junho de 2013 no Jornal Pravda-RU, em português, e em 2 de junho de 2017 no Soldepaz Pachakuti, em espanhol.

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