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“Clandestina”: as memórias da brasileira que renunciou à identidade para desafiar a ditadura

Obra de Ana Corbisier narra um período tenso, mas de profundo aprendizado em sua vida, oferecendo um passeio pela história recente do Brasil e uma lição de resistência agora disponível a todas as gerações

Em um relato corajoso e necessário, a ex-militante política Ana Corbisier lança luz sobre os anos de chumbo da ditadura militar brasileira em seu livro “Clandestina”. A obra, muito mais que uma autobiografia, é um testemunho potente da resistência e uma janela para a história de uma geração que lutou pela redemocratização do país. Em entrevista ao programa Dialogando Com Paulo Cannabrava, Ana revelou os bastidores da criação do livro e detalhou sua extraordinária trajetória.

A ideia de escrever as memórias, conta ela, surgiu de uma cobrança afetuosa da família e de amigos. No entanto, a tarefa de reviver um passado tão intenso não era simples. “Para falar a verdade, eu não tinha muita vontade, porque é difícil você reviver tudo”, confessa. O impulso decisivo veio do amigo e escritor Celso Horta, autor de “O Tempo dos Cardos” – livro onde Ana é personagem central. “Ele pegou todos os depoimentos que eu tinha dado… botou em ordem cronológica e botou na minha mão. Quer dizer, eu tinha um compromisso moral com ele”, relata. Por esse trabalho fundamental, Ana o considera coautor da obra.

O título forte e sugestivo, “Clandestina”, tem uma origem reveladora. Surgiu durante uma sessão de terapia, quando ao narrar sua juventude em uma família tradicional e de direita, a terapeuta percebeu que seu dissenso começou cedo. “Desde os 13 anos de idade, eu já ia para a rua, ‘nós queremos Getúlio, o petróleo é nosso’… e a minha família era da UDN (União Democrática Nacional), imagina”. A profissional então observou: “essa terapeuta me disse que eu já era clandestina antes de ser clandestina. Daí o nome do livro”.

A narrativa se aprofunda em um dos períodos mais tensos de sua vida: a clandestinidade forçada pela repressão do regime. Com lucidez estratégica, Ana escolheu Salvador como refúgio. “Eu escolhi Salvador porque era uma cidade média… Porque eu sendo mulher, eu chamava mais atenção, não podia ir para uma cidade pequenininha, ainda mais que eu sou manca”. Lá, se tornou “caixeiro viajante”, percorrendo o sertão baiano. “Era um trabalho que não me expunha… eu sumia, voltava, sumia, voltava. E foi uma experiência incrível”.

Sua eficiência no trabalho era tanta que despertou desconfiança na empresa, que a transferiu para a capital. Em Salvador, passou a trabalhar no arquivo do Jornal da Bahia, onde teve acesso a informações sensíveis. “Foi muito emocionante, porque tinha envelope com material sobre o meu pai… Tinha envelope sobre o Lamarca. Foi uma experiência bem forte”.

Longe de se esconder, Ana usou a relativa invisibilidade para continuar a luta. “Já que não se tratava nem pensar em luta armada… era organizar”. Ela se tornou uma força motriz em mobilizações populares, organizando lutas “por moradia, contra rato, contra a falta d’água”. Sua eficácia era tamanha que chegou a ser vista com desconfiança por outros grupos de esquerda. “Eles começaram a achar que eu era infiltrada, porque dava tudo certo. ‘De onde saiu esse ovni que sabe falar e sabe trabalhar politicamente?’”.

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Poliglota e formada em Ciências Sociais pela USP, Ana Corbisier é um dos nomes que ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980 e sempre esteve à frente de seu tempo, questionando padrões e estimulando outras mulheres a estudarem e se organizarem politicamente.

O livro “Clandestina” é, portanto, mais que um registro histórico; é um legado. Um passeio pela história recente do Brasil narrado por uma mulher que, mesmo sob outra identidade, nunca deixou de lutar pela pátria. Como ela mesma define, viver na clandestinidade “foi uma experiência muito rica. Eu aprendi muito, como sempre. Em todas as etapas, eu estava o tempo todo aprendendo”. Uma lição de resistência e esperança que agora está à disposição de todas as gerações.

Para adquirir seu exemplar de “Clandestina”, acesse o site da editora Expressão Popular.

E para saber mais sobre a obra e a trajetória de Ana Corbisier, assista à sua entrevista completa ao Dialogando com Paulo Cannabrava:

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