Em 7 de outubro, o Congresso Nacional do Chile deu aprovação final ao projeto de lei que cria o Registro de Pessoas Ausentes por Desaparecimento Forçado, uma medida de reparação simbólica esperada há décadas pelas famílias das vítimas da ditadura. O projeto, que será promulgado pelo presidente Gabriel Boric, busca reconhecer, com uma categoria jurídica própria, os detidos desaparecidos durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973–1990) e, pela primeira vez, criará um registro de pessoas ausentes por desaparecimento forçado.
“Ausente por desaparecimento forçado”
Após a votação, o ministro da Justiça chileno, Jaime Gajardo, declarou à imprensa: “A 52 anos do golpe de Estado, só agora teremos um registro oficial das 1.469 pessoas que foram vítimas de desaparecimento forçado”. O projeto, aprovado por 89 votos a favor, 28 contra e 4 abstenções, cria a classificação jurídica de ‘ausente por desaparecimento forçado’ e implica, segundo a iniciativa, “o reconhecimento, por parte do Estado do Chile, de que a pessoa foi vítima de alguma forma de privação de liberdade por ação de agentes do Estado” entre 11 de setembro de 1973 e 10 de março de 1990.
Assim, o registro conterá nome, nacionalidade, data de nascimento e idade exata ou aproximada da pessoa no momento do desaparecimento, bem como a data em que foi presa, detida, sequestrada ou privada de liberdade de qualquer outra forma. Na prática, esse reconhecimento “simbólico”, como foi qualificado pelos parlamentares da coalizão governista que votaram a favor, implica que as famílias das pessoas detidas e desaparecidas não precisem declarar a morte presumida de seus entes queridos.
O cadastro será administrado pelo Registro Civil e incluirá as pessoas listadas nos informes das três comissões da verdade sobre violações de direitos humanos criadas após o retorno da democracia, além de sentenças judiciais de processos penais regulados pela lei de declaração de ausência por desaparecimento forçado.
Golpe ao “negacionismo”
A deputada do Partido Comunista, Lorena Pizarro, afirmou que “não se trata apenas de receber um certificado; trata-se de reconhecer que o Estado do Chile tem pessoas vivas, mortas e ausentes por desaparecimento forçado”. Pizarro destacou que a “grandeza” dos legisladores “se impõe à grosseria e à indecência” vivida “há semanas neste Congresso diante do negacionismo da direita — e não apenas da extrema direita”. E acrescentou: “Suas palavras, de que ‘fazemos negócio’, de que ‘somos ressentidos’, apenas refletem a sujeira que são.”
A ditadura no Chile durou 17 anos e deixou mais de 40 mil vítimas, entre executados, detidos desaparecidos, presos políticos e torturados, segundo dados da comissão oficial que reuniu depoimentos de vítimas e familiares. Dentre elas, 1.469 foram vítimas de desaparecimento forçado, e 1.092 ainda permanecem desaparecidas. Mais de 3.200 chilenos morreram nas mãos de agentes do Estado.

Políticas firmes 52 anos após o golpe
A futura lei está em consonância com o inédito Plano Nacional de Busca de Detidos Desaparecidos, implementado pelo governo do progressista Gabriel Boric em novembro de 2023, no qual, pela primeira vez, o Estado assume a responsabilidade pela busca dessas pessoas e estabelece medidas de reparação e garantias de não repetição desse tipo de crime.
A cinco meses do término do atual governo, familiares e autoridades destacam a necessidade de tornar essa tarefa “histórica e inadiável” uma política permanente, que não dependa do viés político de quem ocupe o Palácio de La Moneda. “Estamos às portas de uma mudança de governo e não sabemos o que vai acontecer com este plano. Vamos insistir para que seja criado um organismo especial de busca, independente e autônomo, aprovado por lei, com marco institucional e orçamento que garantam sua continuidade”, disse à agência EFE a presidenta da Corporação Cerro Chena, Mónica Monsalves.
Em cemitérios de pelo menos oito regiões do país, foram realizadas diligências de busca — entre eles, os cemitérios Geral de Santiago, de Copiapó, de Pisagua, de Iquique, N°3 de Playa Ancha, de Valdivia e de Punta Arenas — além de outros locais de interesse, como a Escola de Suboficiais do Exército, a Colônia Dignidad e o Cerro Chena, entre outros. O próprio presidente informou à nação sobre os trabalhos concretos realizados no âmbito do Plano: mais de 100 diligências em campo, incluindo escavações, entrevistas, acompanhamento de familiares e revisão de arquivos e perícias forenses, tanto judiciais quanto extrajudiciais.
Chile se move à esquerda? Comunista Jeannette Jara desafia direita e lidera pesquisas
Para o coordenador da Cátedra de Direitos Humanos da Universidade do Chile, Claudio Nash, o contexto eleitoral enfrentado pelo país — em que um dos candidatos favoritos defende o modelo da ditadura e foi rosto da campanha do plebiscito de 1988 a favor de Pinochet — “exige ajustes urgentes e estruturais ao plano”. “Considerando esses possíveis giros ideológicos, devemos assegurar a continuidade, independência e efetividade do plano”, destacou Nash.
Página/12, especial para Diálogos do Sul Global – Direitos reservados.

