Operação militar anunciada por Donald Trump para combate às drogas fortalece o complexo industrial-militar dos EUA, desloca responsabilidades internas e ameaça a América Latina
O anúncio de Donald Trump de guerra contra cartéis, combate às drogas convocando generais e almirantes e declarando uma espécie de estado de guerra, não é apenas retórica eleitoral: é uma estratégia belicista que reforça o complexo industrial-militar dos Estados Unidos e ameaça a estabilidade da América Latina.
Sob esse pretexto, unidades navais no Caribe protagonizaram confrontos com embarcações venezuelanas. Em 2020, um navio venezuelano afundou após colisão com um cruzeiro português, sem registro de mortos.
O combate às drogas, transformada em guerra contra países inteiros, abre caminho para justificar intervenções militares e agressões contra vizinhos incômodos como Venezuela e até o Brasil.
EUA são o maior mercado consumidor de drogas
Na realidade, o problema da droga não está na Venezuela, que oficialmente combate o tráfico, mas sim nos Estados Unidos, onde se concentra o maior mercado consumidor. O verdadeiro alvo de Trump é a Revolução Bolivariana, que busca manter sob soberania nacional os recursos do país. Derrubar esse processo é o objetivo oculto da retórica belicista.
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Trump explora o medo da sociedade estadunidense diante da epidemia de drogas, especialmente das metanfetaminas que devastam comunidades. Aponta o dedo para fora: o inimigo estaria no México, na Venezuela, na Colômbia, no Brasil. Mas omite que a maior parte do consumo está dentro de suas próprias fronteiras, sustentado por uma demanda que movimenta bilhões e por um sistema financeiro que lava esse dinheiro em escala global.
Cartéis mexicanos e PCC dominam rede internacional
Os cartéis mexicanos, como o de Sinaloa e o de Jalisco Nueva Generación, são peças centrais dessa engrenagem. Controlam produção e distribuição, operam como verdadeiras multinacionais do crime e têm ramificações internacionais. O Cartel del Noreste, sucessor dos Zetas, acrescenta ainda mais brutalidade ao cenário.
E o Brasil, com o Primeiro Comando da Capital (PCC), tornou-se elo fundamental na logística e nas finanças desse circuito criminoso. O PCC, longe de ser apenas uma facção prisional, age como sócio dos cartéis, movimentando drogas e capitais com sofisticação empresarial.
Retórica de guerra amplia orçamento militar de Trump
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A retórica belicista de Trump tenta vender a ideia de que navios de guerra e bombardeios resolveriam um problema que é, em essência, social, econômico e político. Ao mesmo tempo, essa postura permite ampliar orçamentos militares, fortalecer sua base política e deslocar responsabilidades. É uma cortina de fumaça que encobre o fracasso interno no enfrentamento às drogas, jogando a culpa nos vizinhos.
Riscos do “combate às drogas” para a América Latina
O desafio para o Brasil e toda a região é não cair nessa armadilha. A militarização do combate ao crime, sob comando estadunidense, não resolve: apenas aumenta a violência, cria pretextos para intervenções externas e fragiliza as democracias latino-americanas.
O enfrentamento do narcotráfico exige inteligência, cooperação e soberania, não frotas militares patrulhando mares e rios. Trump, com sua retórica de guerra, alimenta o medo e o ódio, mas não oferece soluções reais.
Paulo Cannabrava Filho é autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
- A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
- Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
- Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
- No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

