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Cannabrava | Cúpula da Celac na Colômbia: o Sul Global busca autonomia em meio às pressões das potências

Santa Marta, a cidade litorânea que se autodenomina “o coração do mundo”, tornou-se palco de uma disputa política global. Nos dias 9 e 10 de novembro, a Colômbia recebe a 4ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), sob a presidência pro tempore de Gustavo Petro, com a União Europeia (UE). O encontro pretende renovar a cooperação bi-regional, mas revela, acima de tudo, o esforço da América Latina em afirmar sua autonomia política em um cenário internacional cada vez mais polarizado.

O encontro marca o retorno do bloco a um protagonismo diplomático que vinha sendo corroído por crises internas e pela pressão geopolítica das grandes potências. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa o Brasil, reafirmando sua política externa de integração regional e cooperação Sul–Sul.

Lula e o protagonismo do Brasil

A participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cúpula reflete o compromisso histórico do Brasil com a integração latino-americana e com a construção de uma ordem mundial multipolar. Lula tem insistido que o desenvolvimento da região depende de autonomia tecnológica, soberania energética e fortalecimento das instituições regionais.

No discurso de abertura, o presidente destacou que “novas cadeias produtivas resilientes podem reverter o papel da América Latina e o Caribe de fornecer matéria-prima e mão de obra barata para o mundo desenvolvido”. Defendeu também que a América Latina precisa negociar em bloco com a Europa e com as potências asiáticas, valorizando seus recursos e ampliando a cooperação entre países do Sul Global.

Mas o tom mais forte de sua intervenção foi o alerta sobre o retorno da ameaça militar à Nossa América. Lula denunciou que o “uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe”, mas com objetivos estratégicos para “justificar intervenções ilegais”. “Somos uma região de paz e queremos permanecer em paz”, acrescentou o presidente brasileiro, lembrando que “democracias não combatem o crime violando o direito internacional”.

O Itamaraty aposta que, com o protagonismo do Brasil, a Declaração de Santa Marta — a ser consolidada na reunião — poderá se tornar um marco político de reafirmação da soberania latino-americana e do compromisso europeu com investimentos sustentáveis, sem condicionalidades políticas.

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Agenda verde, digital e social

A agenda verde, digital e social emerge como fio condutor das discussões, conectando os interesses latino-americanos e caribenhos à busca por justiça social e soberania sobre recursos naturais. Enquanto a União Europeia procura fortalecer laços como parceira tecnológica e ambiental, os países do Sul reforçam que avanços em transição energética e digitalização só serão legítimos se acompanhados da inclusão produtiva, da proteção ambiental e do respeito à autonomia regional. O diálogo avança, portanto, para além de acordos comerciais, visando construir bases sólidas para inovação, bem-estar coletivo e uma cooperação internacional pautada na equidade e no reconhecimento das diversidades locais, consolidando o evento como espaço de convergência dos novos consensos globais.

Entre os principais eixos do encontro estão a transição energética e ambiental, a digitalização e a cooperação em saúde. A União Europeia tenta apresentar-se como parceira tecnológica e ambiental, enquanto os países latino-americanos insistem que qualquer transição deve incluir justiça social e soberania sobre os recursos naturais.

Outro ponto de destaque é a discussão sobre uma agenda fiscal comum na América Latina e no Caribe, com foco em justiça tributária e  financiamento do desenvolvimento social. A proposta tem o apoio de centros de pesquisa como o Dejusticia, que defendem o fortalecimento das receitas públicas como condição para soberania econômica.

Presenças, ausências e pressões externas

Apesar do peso simbólico do encontro, apenas uma dúzia de chefes de Estado confirmou presença. Importantes líderes europeus — entre eles Ursula von der Leyen, que cancelou participação de última hora — decidiram não comparecer, o que reflete o desconforto da Europa em meio à nova ofensiva diplomática estadunidense na região.

De acordo com a imprensa europeia, a ausência de líderes de alto escalão da UE visa evitar atritos com o governo Trump, que busca retomar o controle geopolítico sobre o continente americano. Ainda assim, diplomatas reconhecem que a pressão estadunidense é um dos principais fatores limitantes para que a América Latina exerça plenamente sua autonomia.

Petro aposta na liderança regional

Para o anfitrião Gustavo Petro, a cúpula é uma aposta diplomática de alto risco. O colombiano tenta projetar-se como articulador de uma nova ordem regional — ecológica, pacifista e independente — em contraste com a política de alinhamento automático das antigas elites latino-americanas.

Nos últimos tempos, Petro tem afirmado a necessidade de a América Latina falar com voz própria. Sua posição ecoa os ventos do Sul Global, onde o Brics+, a Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sugla em inglês) e outros fóruns começam a disputar o espaço de influência deixado pelo desgaste das potências tradicionais.

Celac expressa apoio à Venezuela

A 4ª Cúpula da Celac é mais do que um evento diplomático. É um teste de maturidade política para a América Latina e o Caribe.

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Um dos pontos políticos mais significativos da cúpula é o apoio explícito da Celac à Venezuela, alvo de sanções e de uma campanha de desestabilização conduzida por Washington.

Mesmo sem citar a Venezuela, Lula criticou o uso da força militar contra a nação venezuelana e o Caribe, classificando as ações como violações do direito internacional. Essa posição recoloca o bloco como voz coletiva de resistência às tentativas de tutela externa e reforça a importância de uma América Latina unida diante da pressão estadunidense.

Entre promessas e resultados

Críticos lembram que muitas cúpulas do tipo terminam em declarações genéricas, sem compromissos concretos. O desafio, agora, é transformar o discurso de integração em resultados palpáveis — seja em infraestrutura, saúde ou governança fiscal.

A Celac volta a ser chamada a provar que pode agir como bloco político coeso, capaz de negociar com a Europa em condições de igualdade, e não como mero conjunto de economias dependentes.

O que está em jogo

A 4ª Cúpula da Celac é mais do que um evento diplomático. É um teste de maturidade política para a América Latina e o Caribe.
Se conseguir avançar numa agenda própria — de justiça social, autonomia econômica e transição verde — o bloco pode emergir como voz relevante na nova ordem mundial multipolar.

Mas se ceder às pressões externas, o risco é de que a cúpula se resuma a mais uma fotografia de boas intenções, sem consequência prática.

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