De laboratórios clandestinos a leis mais duras, como o país está reagindo à epidemia de destilados falsos?
Em 2024, o Brasil viveu uma explosão alarmante na falsificação de bebidas alcoólicas. Segundo dados da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), uma em cada cinco garrafas de uísque ou vodca vendidas no país é adulterada. Já de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o volume anual de bebidas falsificadas saltou de 128 milhões de litros em 2016 para 256 milhões em 2022.
A Polícia Civil tem desbaratado, com frequência cada vez maior, verdadeiras fábricas do crime: laboratórios clandestinos operando em fundos de quintal, onde etanol de posto é misturado com aromatizantes e corantes para simular uísque, vodca ou gim. As garrafas, lacres e rótulos são muitas vezes idênticos aos originais, o que torna o golpe difícil de detectar, até mesmo por consumidores experientes.
Nos primeiros oito meses de 2024, 185 mil garrafas de bebidas adulteradas foram apreendidas no país, segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Só em São Paulo, as operações contra falsificação de bebidas alcançaram a marca de 57 prisões até esta terça-feira (14). Em uma das maiores apreensões de 2024, em Sorocaba (SP), a polícia encontrou mais de 30 mil garrafas prontas para distribuição. Já nesta semana, na Zona Leste de São Paulo, seis pessoas foram presas em flagrante em um galpão onde operavam um esquema de falsificação que abastecia bares e distribuidoras da capital e do interior.
Em resposta a essa epidemia silenciosa, a Câmara dos Deputados aprovou, no início do mês, a urgência de um projeto de lei que torna crime hediondo a falsificação de bebidas. Se aprovada, a pena máxima para a prática passaria de 8 para 12 anos de prisão. A iniciativa foi comemorada por entidades do setor e por promotores públicos que vinham denunciando a impunidade e a fragilidade da legislação anterior.
A pressão por mudanças veio também de donos de bares especializados em coquetelaria, sobretudo nas capitais do Sudeste e Sul, que relatam prejuízos e riscos à reputação de seus estabelecimentos. Muitos relatam casos de clientes intoxicados, devolução de produtos e até processos por danos à saúde. Alguns bares têm investido em rastreabilidade e até em parcerias diretas com destilarias para garantir a procedência das bebidas. A desconfiança crescente levou o setor a organizar campanhas educativas e a pressionar as autoridades por mais fiscalização nos polos de distribuição e atacado.
O impacto financeiro da falsificação é bilionário: estimativas apontam para uma perda anual de mais de R$ 10 bilhões em arrecadação de impostos.

Por trás dessa rede de falsificações, há o envolvimento direto do crime organizado. As mesmas quadrilhas que operam o tráfico de armas e drogas viram na adulteração de bebidas uma fonte lucrativa e de baixo risco, devido à fragilidade da fiscalização e das penas brandas até então.
O Brasil, um dos maiores mercados consumidores de destilados da América Latina, enfrenta agora o desafio de retomar o controle sobre um setor que movimenta bilhões e que, quando desregulado, se transforma em arma letal. A nova legislação é um passo importante, mas especialistas apontam que será preciso mais: ampliar a fiscalização, investir em inteligência e conscientizar o consumidor para que saiba identificar sinais de adulteração e evite comprar de fontes duvidosas.
O combate à máfia das bebidas não é apenas uma questão de saúde pública ou de defesa do consumidor. É também uma luta por soberania, por justiça e contra o poder crescente das organizações criminosas que tentam se infiltrar em todos os setores da economia brasileira.
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

