cafe-com-vodka-|-soberania-energetica:-entenda-a-parceria-brasil-russia-para-usinas-nucleares-flutuantes

CAFÉ COM VODKA | Soberania energética: entenda a parceria Brasil-Rússia para usinas nucleares flutuantes

Com baixa emissão de carbono, resiliência climática e inclusão territorial, os reatores flutuantes permitiriam ao Brasil reduzir o alinhamento energético com fornecedores ocidentais, como França, Alemanha e EUA

A coluna CAFÉ COM VODKA é produzida pelo Centro de Integração e Cooperação entre Rússia e América Latina no Brasil (CICRAL Brasil) em parceria com a Diálogos do Sul Global.

* * *

A Federação Russa conduziu um estudo que aponta o potencial do Brasil para abrigar até 22 usinas nucleares flutuantes (Floating Nuclear Power Plants – FNPPs), com destaque para possíveis instalações nas regiões da Amazônia e do Nordeste. Trata-se de um projeto inédito na América Latina, cujas discussões vêm ocorrendo desde meados de 2023, com participação do Ministério de Minas e Energia (MME), da Marinha do Brasil e de autoridades locais. Cada barcaça desse tipo incorpora dois reatores KLT‑40S de propulsão naval, com capacidade combinada de cerca de 70 MWe (~35 MWe por unidade) e 300 MWt de calor — ideal para gerar energia elétrica e térmica localmente. Esses reatores são baseados na tecnologia utilizada em quebra-gelos nucleares russos e possuem décadas de operação comprovada. Se considerarmos que a atual usina Angra 2 produz aproximadamente 1.350 MWe, as 22 unidades somariam cerca de 1.540 MWe — ainda que, por fatores operacionais e limitações de carga em redes isoladas, correspondam a aproximadamente 50% da geração líquida dessa planta. Mas qual é a viabilidade dessas usinas? Existem equivalentes ao redor do mundo que nos permitam uma comparação mais precisa?

A tecnologia foi testada pela FNPP Akademik Lomonossov (em russo, Академик Ломоносов), inaugurada em 2020 em Pevek, região do Ártico russo. Esta usina, ancorada permanentemente, foi desenvolvida para fornecer eletricidade e calor a comunidades isoladas e instalações industriais em regiões remotas da Rússia. Dotada de dois reatores KLT‑40S, cada um com 32 MWe líquidos e 150 MWt de calor, a Akademik Lomonossov opera com alta segurança e modularidade. Segundo o banco de dados PRIS, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), seu fator de carga anual passou de cerca de 65% em 2024, e ela já forneceu mais de 1 bilhão de kWh ao sistema isolado de Chukotka. Além disso, cerca de 60% da eletricidade de Pevek provém diretamente dessa fonte, substituindo usinas a diesel de baixa eficiência e alto custo logístico.

Tecnicamente, as FNPPs russas adotam reatores pressurizados do tipo Pressurized Water Reactor (PWR), derivados da propulsão naval, com design compacto que permite sua instalação em barcaças de dimensões aproximadas de 144 m de comprimento por 30 m de largura, e deslocamento de cerca de 21.500 toneladas. Esses sistemas apresentam segurança intrínseca: desligamento automático em caso de falha, sistemas passivos de resfriamento sem necessidade de energia externa e múltiplas camadas de contenção de radiação. O combustível nuclear utilizado é enriquecido a até 20%, classificado como combustível de grau não armamentista, e o ciclo de recarga ocorre a cada três anos. Após cerca de 12 anos de operação, a unidade é retirada para reabastecimento completo e possíveis reparos, o que evita o acúmulo de resíduos nas localidades atendidas. A infraestrutura de apoio à operação prevê controle remoto, escolta naval e protocolos de emergência coordenados com as autoridades brasileiras — como a Marinha, o Exército, a Polícia Federal (PF) e, é claro, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.

Do ponto de vista geopolítico, a adoção dessas usinas representaria um passo estratégico para o Brasil, diversificando sua matriz além da dependência hidrelétrica (que representa mais de 60% da geração atual) e térmica fóssil. A conectividade energética em áreas isoladas, como a Amazônia, beneficiaria diretamente comunidades indígenas, hospitais, escolas e projetos de mineração e processamento local. No Nordeste, os reatores flutuantes poderiam garantir suprimento firme e contínuo à malha elétrica em períodos de seca e intermitência eólica. A parceria com a Federação Russa também abre espaço para transferência tecnológica em áreas como Reatores Modulares Pequenos (Small Modular Reactors – SMRs), ciclo do combustível, técnicas de dessalinização e gestão avançada de resíduos radioativos. Além disso, insere o Brasil em um novo eixo de soberania energética com países eurasiáticos, reduzindo o alinhamento exclusivo com fornecedores ocidentais — com foco especial em França, Alemanha e Estados Unidos — e ampliando sua margem diplomática e industrial.

CAFÉ COM VODKA | Lula na Rússia: o futuro da parceria estratégica que não aparece na mídia

Em geral, os reatores flutuantes são uma solução tecnicamente viável, comprovada e de impacto sistêmico, mas que precisa de uma análise financeira. Aos moldes já testados pela usina Akademik Lomonossov, eles oferecem energia confiável, despachável e descentralizada para regiões de difícil acesso e sem infraestrutura consolidada. Viabilizam, assim, um modelo de desenvolvimento com baixa emissão de carbono, resiliência climática e inclusão territorial. Em suma, representam uma oportunidade histórica para o Brasil consolidar sua autonomia energética, ampliar sua base tecnológica e atuar como o maior ator do desenvolvimentismo nuclear de toda a América Latina.

As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *