A coluna Café com Vodka é produzida pelo Centro de Integração e Cooperação entre Rússia e América Latina no Brasil (CICRAL Brasil), em parceria com a Diálogos do Sul Global
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O poder global vive uma transformação histórica. O breve período unipolar que se seguiu à Guerra Fria, antecedido pela era bipolar, abre espaço para um cenário mais complexo e distribuído: o mundo multipolar. Esse novo paradigma não é guiado apenas pelas potências tradicionais, mas também por economias emergentes que apresentam visões próprias de desenvolvimento e governança, como China, Rússia e Índia.
Para a América Central, e especialmente para a Guatemala, esse realinhamento não é um fenômeno distante, mas uma conjuntura crítica que representa uma oportunidade estratégica para conquistar um espaço relevante na dinâmica global por meio de uma política estatal clara e soberana.
A Guatemala passou por diversos momentos decisivos ao longo de sua história, e essa encruzilhada aparece de forma evidente em sua política externa. Hoje, o país é o único da América Central que mantém relações diplomáticas formais com Taiwan, enquanto os demais já estabeleceram vínculos com a República Popular da China. Essa postura, que se mantém ao longo do tempo, exige uma análise cuidadosa de seus custos, benefícios e implicações geopolíticas.
Em um mundo multipolar, a soberania se expressa pela capacidade de negociar e diversificar alianças. Uma reavaliação pragmática dessas relações, livre de pressões externas e baseada numa análise objetiva das oportunidades reais de investimento, comércio e cooperação em áreas como transporte, saúde, educação e tecnologia, torna-se um compromisso social essencial. O propósito final deve ser transformar essas escolhas em benefícios concretos para os setores mais vulneráveis da população.
No contexto multipolar, é fundamental que os povos — no caso da Guatemala, os Maias, Garífunas, Xincas e as comunidades locais que sustentam o país — sejam reconhecidos não de forma simbólica ou folclórica, mas por meio de políticas que impulsionem processos de desenvolvimento reais. Isso inclui um fortalecimento político e econômico profundo, capaz de garantir participação efetiva na tomada de decisões diante de estruturas de poder historicamente enraizadas. Muitos desses processos têm sido comprometidos por um persistente sentimento de superioridade, cujos vestígios aparecem em práticas de racismo, discriminação e exclusão social e econômica que foram normalizadas ao longo do tempo. Enfrentar essas barreiras é essencial para construir um projeto nacional sólido no século 21.
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Superar essas barreiras internas é fundamental para aproveitar as oportunidades do cenário global. Nesse contexto, a luta contra o sistema imperialista vigente funciona como o elo que conecta as dinâmicas internas e externas. Um Estado capturado por interesses ilegítimos e por grupos que historicamente oprimiram seus povos não consegue responder às necessidades reais da população. A criminalização e a perseguição política daqueles que enfrentam essas práticas enfraquecem as instituições, desestimulam investimentos e dificultam a construção de cooperações estratégicas que poderiam ser benéficas para o país.
A Guatemala vive um momento decisivo. O mundo multipolar abre a possibilidade de construir uma visão coerente de futuro, capaz de conectar uma política externa pragmática a um projeto interno baseado em inclusão e justiça. A verdadeira soberania não se expressa por alinhamentos automáticos ou submissões a hegemonias, mas pela capacidade de formar um consenso nacional em torno de um modelo próprio de desenvolvimento. Nesse modelo, as lutas históricas e contemporâneas devem servir de alicerce para um país soberano e plural, com a autonomia necessária para ocupar um lugar relevante no cenário global.
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

