A coluna CAFÉ COM VODKA é produzida pelo Centro de Integração e Cooperação entre Rússia e América Latina no Brasil (CICRAL Brasil) em parceria com a Diálogos do Sul Global.
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Durante um intercâmbio de seis meses na Universidade de São Paulo (USP), tive a oportunidade de vivenciar o cotidiano brasileiro e conhecer mais de perto a realidade social, cultural e política do país. Sou estudante da Universidade Econômica Plekhánov, na Rússia, e essa experiência em São Paulo me marcou profundamente. Nesse período, observei diversas diferenças — e também algumas semelhanças — entre o Brasil e a Rússia. A partir disso, compartilho aqui algumas reflexões pessoais sobre o que um país pode aprender com o outro. Não se trata de lições prontas, mas de impressões construídas a partir da convivência, do afeto e da escuta. São pensamentos de uma jovem que acredita na troca entre culturas como caminho para a cooperação e o entendimento mútuo.
O que a Rússia tem a ensinar ao Brasil?
1. Apoio estatal à ciência e à tecnologia
Na Rússia, historicamente, o Estado desempenha um papel central no avanço científico. Desde Pedro, o Grande – que fundou a Academia de Ciências no século XVIII – consolidou-se no país uma forte tradição na área. Ao longo dos séculos XIX e XX, cientistas russos se destacaram em campos como física, astronomia, matemática, química e engenharia, contribuindo de forma significativa para o conhecimento global. Inventores russos também deixaram sua marca em áreas como engenharia elétrica, construção naval, tecnologia aeroespacial, armamentos, comunicações, computação, energia nuclear e exploração espacial.
Os primeiros satélites artificiais e o envio do primeiro ser humano ao espaço – Yuri Gagarin – foram conquistas possíveis, em grande medida, graças ao investimento estatal maciço em ciência durante a União Soviética.
Atualmente, o Brasil também tem dado passos importantes na valorização da ciência. Em 2024, por exemplo, o governo brasileiro anunciou um pacote de investimentos de US$ 589 milhões para inovação e desenvolvimento de parques tecnológicos. No entanto, a Rússia mantém uma ampla e consolidada rede de institutos de pesquisa e universidades públicas, com políticas científicas estáveis e de longo prazo.
Acredito que o Brasil poderia se inspirar nesse modelo de investimento contínuo. A criação de centros nacionais de excelência, ampliação de bolsas para jovens cientistas e estímulo a projetos de grande porte são caminhos promissores. Na Rússia, cerca de 1% do PIB é destinado à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Embora esse percentual não seja dos mais altos globalmente, ele é parte de um sistema estruturado, que inclui a Academia de Ciências, prêmios estatais e incentivos diversos – mecanismos que ajudam a reter talentos e promover a inovação. Ao fortalecer ainda mais suas agências de fomento, o Brasil pode criar um ambiente mais fértil para que seus jovens cientistas permaneçam no país e realizem descobertas relevantes. O investimento em ciência e tecnologia retorna em forma de desenvolvimento econômico, soberania e prestígio internacional.
2. Planejamento e execução de grandes projetos de transporte público e infraestrutura
A Rússia possui uma longa tradição na concepção e implementação de grandes obras de infraestrutura – das históricas ferrovias transiberianas ao moderno sistema metroviário de suas principais cidades. Um exemplo notável é o metrô de Moscou, que me impressionou profundamente: são 16 linhas, 271 estações e trens que circulam com intervalos de aproximadamente 90 segundos nos horários de pico. Além da eficiência, chama atenção o valor estético do sistema – muitas estações são verdadeiras obras de arte, consideradas atrações turísticas por si só. Em média, o metrô moscovita transporta cerca de 7,5 milhões de passageiros por dia.
O metrô de São Paulo também apresenta altos padrões de limpeza e tecnologia. Em 2025, já ultrapassava os 5 milhões de usuários diários. No entanto, sua extensão ainda é limitada, com cerca de seis linhas principais. Percebi que, no Brasil, boa parte da população segue dependente de ônibus e exposta aos congestionamentos diários das grandes cidades.
Talvez valha, portanto, olhar para a experiência russa como inspiração. Em cidades como Moscou e São Petersburgo, mesmo sob condições climáticas desafiadoras – como os invernos rigorosos –, construiu-se um sistema de transporte público de massa altamente funcional, integrado e confiável.
Somando-se as redes de metrô de várias cidades russas, são mais de 800 km de linhas, sendo aproximadamente 300 km apenas em Moscou. Essa escala só foi possível por meio de planejamento estratégico, continuidade administrativa e visão de longo prazo. A experiência russa demonstra que, com investimento estruturado e metas bem definidas, projetos de infraestrutura urbana em grande escala não apenas são viáveis, como se tornam motores de desenvolvimento e inclusão social.
3. Excelência em matemática e ciências: o exemplo da educação russa
A educação básica na Rússia mantém, historicamente, uma forte tradição de excelência nas áreas de matemática e ciências. Desde o período soviético, essas disciplinas são amplamente valorizadas, com a presença de escolas especializadas, olimpíadas do conhecimento e programas de iniciação científica desde os primeiros anos da formação escolar. Durante minha vivência no Brasil, percebi que o estudante médio russo costuma ingressar na universidade com uma base bastante sólida em ciências exatas. Em contrapartida, muitos estudantes brasileiros, mesmo talentosos e esforçados, ainda precisam reforçar conteúdos fundamentais ao longo do ensino superior.
Avaliações internacionais ajudam a dimensionar essa diferença. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), jovens russos frequentemente apresentam desempenho superior ao dos brasileiros. Em 2018, por exemplo, a Rússia ficou entre os cerca de 30 melhores países, com média de aproximadamente 482 pontos. O Brasil, por sua vez, apareceu por volta da 66ª posição, com média em torno de 400 pontos. Menos da metade dos estudantes brasileiros alcançou o nível básico de proficiência em matemática e ciências.
Nesse cenário, o Brasil poderia se inspirar em alguns elementos do modelo russo: currículos mais rigorosos nas áreas de exatas, incentivo à iniciação científica precoce, maior oferta de competições acadêmicas e valorização institucional da ciência desde a educação básica.
É importante destacar, no entanto, que iniciativas promissoras já estão em curso no Brasil. A expansão das escolas técnicas, a realização de feiras de ciências e o crescente interesse dos jovens por tecnologia e inovação demonstram um potencial enorme. O aluno brasileiro é, em geral, criativo, resiliente e engajado. Com políticas consistentes e aproveitando boas práticas de sistemas educacionais como o russo, o país poderá fortalecer sua base científica e preparar melhor sua juventude para os desafios globais em matemática, física e tecnologia.
4. Orgulho da herança cultural e valorização da leitura
A Rússia valoriza profundamente sua herança cultural clássica – da literatura à música erudita, do balé à poesia. Ainda hoje, é comum ver jovens lendo Tolstói e Dostoiévski, frequentando concertos e assistindo a óperas no Teatro Bolshoi. Segundo pesquisas recentes, 59% da população russa lê livros com regularidade, ao menos uma vez por semana. Em média, um cidadão russo lê cerca de 11 livros por ano – quase o dobro da média brasileira, estimada em torno de 5 a 6 livros anuais.
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É claro que o Brasil possui uma cultura riquíssima e vibrante, com expressões populares de enorme valor. No entanto, percebi que, em comparação com a Rússia, o chamado “patrimônio cultural clássico” nem sempre recebe a mesma atenção ou incentivo institucional. Nas escolas russas, por exemplo, é comum o estudo aprofundado da poesia do século XIX, enquanto, no Brasil, percebi que muitos jovens não têm contato com autores como Machado de Assis, Cecília Meireles ou Euclides da Cunha durante sua formação básica.
Acredito que o Brasil pode se inspirar na experiência russa para ampliar o acesso à leitura e fomentar uma educação cultural mais ampla. Durante meus deslocamentos no metrô de Moscou, era comum ver pessoas lendo livros em papel, mesmo nas horas de pico. Quem sabe, em um futuro próximo, possamos ver cenas semelhantes nos trens de São Paulo? Afinal, um povo que lê, que conhece e valoriza sua história, torna-se mais consciente de si e de seu papel no mundo. O Brasil já possui artefatos culturais de excelência – como a Biblioteca Mário de Andrade, a Sala São Paulo ou o Teatro Municipal –, mas nem todos conhecem ou frequentam esses espaços. Seria enriquecedor vê-los tão cheios quanto os estádios em dias de clássico.
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A experiência russa mostra que é possível conciliar modernidade e tradição. Moscou abriga tanto baladas eletrônicas quanto recitais lotados de Tchaikovsky. O Brasil também pode (e deve) buscar esse equilíbrio: valorizar Machado de Assis tanto quanto Neymar, e tornar a cultura um elemento vivo do cotidiano. Consumir livros, visitar museus, frequentar bibliotecas e concertos – tudo isso fortalece a identidade nacional e nos conecta com o que há de mais profundo em nossa história coletiva.
5. Resiliência climática e respeito à natureza
Por fim, gostaria de destacar um ponto mais leve, mas igualmente significativo: a capacidade dos russos de conviver com condições climáticas extremas – e até aproveitá-las. Enquanto muitos de nós, no Brasil, trememos com 15 °C, os russos seguem com a rotina normalmente sob -20 °C. Essa habilidade de adaptação, sem lamentações excessivas, revela uma resiliência que pode nos inspirar.
Nosso clima tropical, é verdade, é muito mais ameno e generoso. No entanto, bastam chuvas intensas ou uma frente fria atípica para que o cotidiano urbano brasileiro entre em colapso. Nesse sentido, a Rússia dá verdadeiras aulas de logística em tempos de inverno: o metrô funciona mesmo sob fortes nevascas, as ruas são limpas de neve rapidamente e os sistemas públicos seguem operando com eficiência.
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Talvez o Brasil possa aprender com essa capacidade de antecipação e preparo diante de eventos climáticos. Afinal, também enfrentamos desafios relevantes – enchentes, secas prolongadas, ondas de calor – que exigem planejamento, infraestrutura e, sobretudo, uma cultura de resiliência. Além disso, os russos cultivam uma relação especial com a natureza. Valorizam a imensidão de suas paisagens, exploram a taiga, pescam em lagos remotos, acampam mesmo na neve. Essa conexão com o ambiente natural é marcada pelo respeito à sua força e imprevisibilidade – mais do que tentar dominá-la, buscam integrá-la em suas vidas.
O Brasil, apesar de abrigar uma das biodiversidades mais ricas do planeta, nem sempre demonstra o mesmo cuidado com seus ecossistemas. Poluímos rios, desmatamos florestas e muitas vezes desconhecemos o Cerrado, a Caatinga ou mesmo a riqueza cultural da Amazônia. Inspirar-se no exemplo russo pode nos ajudar a fortalecer nossa consciência ecológica. Valorizar nossas Unidades de Conservação (UC’s), promover o ecoturismo responsável, respeitar os ciclos da natureza – essas são atitudes que nos aproximam de uma convivência mais equilibrada com o meio ambiente. Afinal, cuidar da floresta é também cuidar do futuro.
Aprender com a Rússia a ser resiliente diante das adversidades climáticas e a tratar a natureza com reverência pode tornar o Brasil não apenas mais sustentável, mas também mais consciente de sua verdadeira grandeza.
O que a Rússia pode aprender com o Brasil?
1. Calor humano e receptividade
Uma das primeiras coisas que me encantou no Brasil foi a simpatia e a abertura do povo. Os brasileiros são, de fato, extraordinariamente acolhedores: cumprimentam com abraços, puxam conversa com naturalidade na fila do pão e convidam os recém-chegados para um churrasco sem qualquer cerimônia. Durante meu intercâmbio na universidade, fui rapidamente integrada aos grupos de estudo e aos encontros entre colegas, mesmo ainda falando português de forma hesitante nos primeiros meses. Essa cordialidade genuína é algo que nós, russos, certamente poderíamos aprender e valorizar mais.
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Por natureza, tendemos a ser mais reservados com desconhecidos. Não sorrimos com frequência no primeiro contato, e muitas vezes podemos parecer excessivamente sérios. No entanto, acredito que incorporar um pouco da leveza brasileira à convivência cotidiana tornaria nossas relações mais suaves e agradáveis. Aliás, dados internacionais reforçam essa percepção. Em 2023, o Brasil ocupou o segundo lugar no índice global de “facilidade para fazer amizades”, segundo pesquisas com expatriados. Aproximadamente 73% dos estrangeiros que vivem no Brasil afirmam que é fácil fazer amigos locais – um número expressivamente superior à média global, que gira em torno de 43%.
Esses dados refletem com precisão a minha própria vivência: no Brasil, as pessoas fazem você se sentir em casa. Imagino o quanto a vida nas grandes cidades russas – como Moscou, por exemplo – poderia se tornar mais leve se houvesse mais abertura para esse tipo de convívio espontâneo: um “bom dia” sorridente ao vizinho, mais gentileza no atendimento ao público, convites informais para um café ou um happy hour entre colegas. Importante dizer: essa leveza relacional não exclui a profundidade dos vínculos. Pelo contrário, amplia o espaço para que elas floresçam. Ao se inspirar na hospitalidade brasileira, a sociedade russa tem muito a ganhar – e talvez esse seja um dos aprendizados mais bonitos que uma cultura pode oferecer à outra.
2. Diversidade cultural e inclusão
O Brasil é um país fascinante por muitas razões, mas uma das que mais me marcou foi a diversidade. Europeus, africanos, indígenas, asiáticos – aqui, todas essas origens se cruzam e convivem. Apesar dos desafios sociais, o brasileiro tende a se reconhecer nessa mistura e até se orgulha dela. É comum ouvir que “todo brasileiro tem um pé em várias culturas”. A identidade nacional é construída justamente em cima dessas diferenças – e isso é bonito de ver.
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Mais que diversidade, o Brasil tem também um espírito de inclusão. Os movimentos por igualdade racial, de gênero e LGBTQIA+ têm conquistado visibilidade e mudanças concretas. Não é um paraíso, claro – o racismo e o preconceito ainda existem. Mas existe uma luta, há um avanço e cresce um desejo coletivo de se tornar mais justo. Na Rússia, também somos um país multiétnico. Temos uma variedade enorme de povos e culturas em nosso território. Mas ainda nos falta essa convivência mais harmoniosa. A xenofobia, principalmente contra imigrantes da Ásia Central, infelizmente ainda é comum. Falta visibilidade para as diferenças e não há celebração da pluralidade.
Talvez o que falte à Rússia seja algo como o Carnaval brasileiro – uma festa que mistura tradição católica com samba afro-brasileiro, em que pessoas de todas as origens dançam juntas na rua. Uma expressão cultural que simboliza essa convivência leve e alegre. Acredito que temos muito a aprender com isso. Celebrar a diversidade não é abrir mão da identidade nacional. Pelo contrário: é reforçá-la com mais cores, sons, histórias e ideias. Se a Rússia abraçasse mais a pluralidade – respeitando imigrantes, valorizando as culturas regionais, dando espaço a vozes diferentes –, seríamos uma sociedade mais rica, mais criativa e mais coesa. O Brasil nos mostra que isso é possível.
3. Otimismo e Alegria de viver como forma de resistência
Se eu tivesse que resumir o espírito brasileiro em uma palavra, escolheria alegria. O brasileiro, de modo geral, enfrenta a vida com um sorriso no rosto, faz piada das dificuldades e mantém um otimismo contagiante. Vi exemplos disso todos os dias: na música alta e animada do vendedor de coco na praia, no “tudo bem” mesmo quando as coisas não estão tão bem assim, na capacidade de celebrar pequenas conquistas com intensidade. Nós, russos, por outro lado, somos conhecidos por um certo pessimismo, por uma postura mais séria diante da vida. Talvez a nossa história – marcada por guerras, escassez e invernos longos – tenha nos ensinado a esperar pelo pior. Crescemos com um senso de cautela e desconfiança. Reclamamos bastante, é verdade, mas essa seriedade tem raízes profundas.
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Ainda assim, acredito que os russos poderiam se beneficiar muito ao adotar um pouco do olhar brasileiro sobre a vida. Não se trata de negar os problemas ou ser irresponsável, mas de aprender a enfrentá-los com leveza. No Brasil, percebi que mesmo os assuntos mais sérios são discutidos com humor e esperança. Durante a pandemia, por exemplo, vi amigos brasileiros fazendo lives musicais para animar uns aos outros e levantar a moral coletiva. Meus amigos russos, em contraste, mergulhavam nas notícias mais sombrias e acabavam dominados pela ansiedade. Essa diferença é visível até nas estatísticas: o Brasil lidera os índices de otimismo no mundo, com 76% da população se dizendo esperançosa quanto ao futuro. Na Rússia, esse número é de 65% (tvbrics.comtvbrics.com) – ainda expressivo, mas com um tom mais contido.
Cada povo tem seu jeito de lidar com a vida, claro. Mas talvez possamos aprender, como russos, a ver o copo meio cheio, como os brasileiros fazem. Em vez de nos prendermos à melancolia, que tal celebrar mais as vitórias – por menores que sejam? A vida é difícil em qualquer lugar, mas o brasileiro me ensinou que bom humor, acolhimento e alegria a tornam muito mais suportável. E isso, confesso, é uma lição valiosa que levarei comigo para sempre.
4. Festividades e espírito comunitário
O Carnaval é um bom exemplo, mas o gosto brasileiro por comemorar vai muito além disso – festas juninas, blocos de rua, rodas de samba espontâneas. Aqui, parece sempre haver um motivo para uma reunião alegre entre amigos, família e vizinhos. Essa celebração coletiva é algo que admiro profundamente e que, em certa medida, faz falta na Rússia.
Temos nossas festividades como o Ano Novo é imenso, casamentos são marcados por muitos brindes –, mas eventos públicos com participação massiva da população não são tão frequentes. Ao ver o Carnaval carioca, com 6 milhões de pessoas nas ruas em 2018, fiquei boquiaberta: é quase como se a população inteira de São Petersburgo estivesse pulando junta! E o país inteiro para por quase uma semana, unindo-se na folia, gerando laços sociais fortíssimos.
Penso que a Rússia poderia aprender a liberar mais a espontaneidade festiva do seu povo. Imagino um Carnaval russo – mesmo no inverno, com neve! – em diferentes regiões apresentando suas danças e trajes, todos confraternizando. Seria lindo. Mas mesmo no cotidiano, os russos poderiam se inspirar no estilo brasileiro de confraternizar: seja em um churrasco de prédio entre vizinhos, seja fechando uma rua no domingo para música e diversão, como acontece em tantos bairros daqui.
Eventos assim fazem as pessoas se sentirem parte de uma comunidade maior, além de aliviar o estresse do dia a dia. Aprender com o Brasil a valorizar o lazer coletivo e a rua como espaço de encontro tornaria a vida na Rússia mais colorida. Afinal, viver não é só trabalhar e cumprir deveres – os brasileiros nos lembram, com seu exemplo vibrante, que celebrar é também uma forma de resistência e de cuidado com a alma.
5. Consciência ambiental e uso de energia limpa
O Brasil tem se destacado no cenário global quando o assunto é sustentabilidade. É um país abençoado por recursos naturais e, mesmo enfrentando desafios — como o desmatamento na Amazônia —, também carrega histórias de sucesso que podem inspirar o mundo. Uma dessas histórias é a energia renovável: cerca de 73% da eletricidade brasileira vem de hidrelétricas, e o país desenvolveu uma das indústrias de biocombustíveis mais avançadas do planeta. Fiquei fascinada ao conhecer o papel do etanol de cana: praticamente não existem carros movidos apenas a gasolina por aqui. A maioria dos veículos “flex” roda com uma mistura de 20 a 25% de álcool, e muitos funcionam 100% com etanol — o que reduz emissões e diminui a dependência do petróleo.
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Enquanto isso, na Rússia, grande produtora de petróleo e gás, a matriz energética ainda depende pesadamente de combustíveis fósseis. As fontes renováveis (fora as hidrelétricas) representam apenas 0,2% da geração elétrica. Acredito que a Rússia tem muito a aprender com o Brasil nesse sentido. Não se trata de abandonar imediatamente o petróleo — afinal, ele ainda move boa parte da economia russa —, mas de investir mais em energia solar, eólica e biomassa, tendo em vista os vastos territórios e potenciais de sobra.
Outro ponto que me chamou a atenção foi a proteção ambiental. No Brasil, vi muita gente engajada em ONGs ecológicas e políticas públicas, como as áreas indígenas protegidas (ainda que sob constantes ameaças) — o que revela uma certa postura de respeito à natureza. Na Rússia, essa consciência ambiental começa a ganhar espaço, mas ainda está longe de ser ampla. Vale lembrar: o Brasil sediou a Eco-92, assinou o Acordo de Paris e tem se posicionado como liderança na diplomacia climática. A Rússia, por outro lado, costuma ser mais reticente nesses debates — talvez por priorizar um crescimento econômico mais imediato. No entanto, aprendendo com o Brasil, poderia perceber que o desenvolvimento sustentável é não só possível, mas desejável.
O Brasil pode ensinar à Rússia muitos caminhos para um futuro mais verde — desde hábitos cotidianos (menos plástico, mais reciclagem) até políticas energéticas de longo prazo. Seria um ganho para os russos — e para o planeta.
Em vez de competir para saber qual país é “melhor”, o Brasil e a Rússia têm muito a ganhar por meio da troca de experiências e aprendizados. Como uma amiga brasileira me disse: somos dois gigantes localizados em extremos opostos do mundo, e é justamente essa diferença que nos permite complementar saberes e práticas. O Brasil pode, sim, observar determinadas políticas e hábitos russos e adaptá-los à sua realidade, assim como a Rússia tem muito a admirar — e a incorporar — do modo de vida brasileiro. Essa troca mútua, permite que ambos os povos se enriqueçam cultural, social e economicamente. Tive o privilégio de conviver com brasileiros e sou a prova viva de que aprender com o outro é uma experiência transformadora. Agradeço ao Brasil pelas valiosas lições de vida, pelo calor humano e pela alegria compartilhada. Espero que estas reflexões revelem, com humildade, o quanto também temos a aprender com vocês.
Confesso que me tornei fã do refrigerante H₂OH! de limão — bem que a Rússia poderia adotar essa delícia, que só encontrei por aqui! Em troca, deixo uma sugestão aos amigos brasileiros: experimentem nossos syrniki (panquequinhas de queijo branco) no café da manhã — duvido que não gostem. São nessas pequenas trocas, simples e afetivas, que também fortalecemos os laços entre nossos povos. Um brinde — ou melhor, saúde, em bom português — à amizade Brasil–Rússia. Que possamos seguir aprendendo juntos por muitos anos!

