Na Argentina, conforme descreve a oposição, o presidente Javier Milei segue como um “valentão” em razão do apoio aberto e declarado do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — o mesmo que ameaçou suspender a ajuda de 40 bilhões de dólares para salvar o governo, em meio à grave crise financeira no país, caso seu aliado argentino não vencesse as eleições legislativas.
Agora, o libertário dá passos apressados e faz mudanças no gabinete, o que está provocando problemas internos por ter deixado de fora o único funcionário respeitado por muitos governadores: o chefe de gabinete, Guillermo Francos.
Embora Francos tenha apresentado sua renúncia em 31 de outubro, enquanto Milei se reunia com o ex-presidente Mauricio Macri, a imediata aceitação foi criticada por um setor do oficialismo que considera Francos o único politicamente capacitado no gabinete, com experiência em cargos importantes em governos anteriores e um bom intermediário com os governadores, tendo salvado Milei em muitos momentos decisivos.
A decisão também provocou um desacordo com Macri, que, ao sair de uma longa reunião na residência presidencial de Olivos, declarou sobre a nova etapa do governo que começa em 10 de dezembro: “Não conseguimos chegar a um acordo para selar uma aliança entre ambas as forças políticas”. Além disso, lamentou e criticou duramente a saída de Francos: “Representava sensatez; ser substituído por outro sem experiência não parece uma boa notícia”. No lugar do funcionário, foi colocado o até então porta-voz presidencial e legislador portenho Manuel Adorni — alguém sem trajetória política e que não parece preparado para o cargo, mas que tem a total confiança da secretária da Presidência, Karina Milei.
Os governadores provinciais também manifestaram desconfiança e advertiram Milei de que a questão da coparticipação, que o governo nacional reteve ilegalmente das províncias, ainda não foi definitivamente esclarecida, sendo até agora apenas promessas não cumpridas.
As mudanças no gabinete são várias, e o conjunto delas parece dirigido apenas a “cumprir o que foi solicitado pelos Estados Unidos a Milei”, em um momento em que é visível que o embaixador estadunidense na Argentina, Peter Lamelas, dirige e participa do processo de mudanças.
Pânico, antiperonismo e uma “ajudinha” de Trump: a vitória de Milei nas legislativas argentinas
Kicillof: “Dialogue com o povo”
Em carta pública dirigida ao presidente Milei, o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, afirmou: “Sua política econômica está destruindo o tecido social e produtivo da Argentina. Por isso lhe peço que escute, que corrija, que dialogue. Não com os mercados, mas com o povo”.
“O salvamento do Tesouro dos Estados Unidos foi necessário depois que o próprio plano econômico colocou a economia e a sociedade argentinas à beira do abismo”, acrescentou Kicillof.
As declarações de Kicillof descreveram de forma precisa tudo o que foi destruído no país desde que Milei chegou ao governo, em dezembro de 2023, até agora, e o que isso significa para a população, a soberania e a independência do país.
Kicillof também criticou o acordo do presidente com os Estados Unidos e advertiu que, embora o oficialismo tenha se imposto nas legislativas na província (por 0,53 pontos), “as calamidades que seu modelo econômico provoca em nossa sociedade seguem seu curso: recessão, redução do consumo e das vendas, queda no emprego e deterioração da qualidade de vida”.
“Clandestina”: as memórias da brasileira que renunciou à identidade para desafiar a ditadura
O governador da Província de Buenos Aires foi explícito e contundente, recebendo o apoio de prefeitos e cartas de personalidades que o reconhecem como uma referência clara e definida, e que desde o primeiro discurso se referiu à ex-presidenta e líder do Partido Justicialista (PJ), Cristina Fernández de Kirchner, com respeito, recordando que estava ilegalmente detida em prisão domiciliar.
Divergências no PJ
No entanto, há atritos no PJ, que, em um texto analisando os resultados das eleições, criticou severamente Milei, mas responsabilizou Kicillof pela derrota, considerando que ela se deveu ao desdobramento das eleições legislativas decidido pela Província de Buenos Aires, o que afetaria as presidenciais de 2027. O posicionamento surpreendeu a militância que acreditava na unidade alcançada.
Cristina Kirchner advertiu: “Vem aí uma forte ofensiva para tentar romper o peronismo e o campo nacional e popular como um todo”. Além disso, destacou o objetivo do governo Milei de “transformar a Argentina em uma espécie de colônia e quebrar sua organização social e política, o que requer algo mais do que vencer uma eleição”.
Ela também advertiu que ao anti-peronismo existente no país somou-se o medo gerado pela possibilidade de que uma derrota do oficialismo desatasse uma crise política que “terminasse agravando a já terrível situação do povo comum. Alguns acreditaram que, se o governo perdesse a eleição de meio termo, cairia (…) A esse quadro já quase folclórico da Argentina somou-se, nada mais nada menos, que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dizendo que, se Milei não ganhasse as eleições, a ajuda do Tesouro norte-americano seria encerrada”.
Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.
Kirchner reforçou ainda “o valor da unidade como instrumento político de construção nacional, popular e democrática” e pediu que a essa unidade se some “militância com coesão e clareza estratégica e programática”.
Nesse contexto, foi realizada em 31 de outubro a multitudinária manifestação do “orgulho LGBT+”, na qual também se pediu memória, verdade e justiça, e onde se uniram todas as demandas contra o governo, com a presença de personalidades e organismos de direitos humanos. O povo, afirmaram, não sairá das ruas.

