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Ana Maldonado, líder chavista: Se Venezuela resistir ao imperialismo, vai inspirar toda América

* Texto originalmente publicado no site Venezuela Analysis. 

Nos últimos meses, Washington intensificou sua presença militar no Caribe, enviando navios de guerra, aeronaves e até um submarino nuclear para águas próximas à Venezuela, em meio a ataques extrajudiciais a embarcações pesqueiras. Para muitos, essa nova fase de agressão é bastante familiar — parte de uma campanha de guerra híbrida de décadas, projetada para minar a soberania da Venezuela.

Nesse contexto, Cira Pascual Marquina conversou com Ana Maldonado, socióloga, coordenadora de relações internacionais da Frente Francisco de Miranda — um movimento chavista nacional — e membro do capítulo venezuelano da ALBA Movimentos. Nesta entrevista, Maldonado oferece sua perspectiva sobre como os venezuelanos estão vivenciando a mais recente escalada imperialista, reflete sobre a longa resistência do país à guerra híbrida e situa a ameaça atual dentro de uma luta mais ampla pela soberania na América Latina e no Caribe. Confira.

Cira Pascual Marquina – Como o povo venezuelano está vivenciando essa nova escalada imperialista?

Ana Maldonado – O presidente Nicolás Maduro afirmou que, neste cenário de máxima pressão, nossa resposta deve ser a máxima preparação. Ao mesmo tempo, ele nos conclamou a combinar vigilância com calma, a continuarmos com nossas vidas cotidianas e a defender a paz com justiça social que tanto nos custou construir e preservar.

Você pode ver isso claramente no fato de que, mesmo em meio à atual escalada militar, o novo ano letivo começou normalmente em todo o país. Mais de 20 mil instituições de ensino abriram suas portas sem interrupções, e mais de seis milhões de crianças e jovens retornaram às aulas, como fazem todos os anos nessa época.

Embora estejamos de fato enfrentando uma séria ameaça de guerra, as pessoas também continuam com suas vidas cotidianas e isso, por si só, é uma vitória, já que o inimigo busca precisamente perturbar nossa vida.

As pessoas no exterior costumam se surpreender ao saber que a rotina diária aqui continua inalterada e que os venezuelanos não vivem em estado de pânico. Como você explica isso?

Este não é, de longe, nosso primeiro encontro com a agressão imperialista. As táticas podem mudar, mas a estratégia permanece intacta: guerra híbrida. Durante anos, o imperialismo dos EUA e seus aliados têm travado uma campanha implacável contra a Venezuela, começando especialmente em abril de 2002 com o golpe de Estado e a heroica contraofensiva do povo que restaurou a democracia. Isso foi seguido pela sabotagem à indústria petrolífera, as incursões mercenárias e as campanhas midiáticas globais contra a nossa democracia.

Após o falecimento do Comandante Chávez, em 2013, iniciou-se um novo e constante período de agressão. Inicialmente, eles apostaram que não conseguiríamos realizar eleições pacíficas ou que o presidente Maduro jamais seria eleito. A narrativa dominante era: “Maduro não é Chávez”. Com esse argumento simplista, buscaram desmoralizar a base social chavista, insinuando que o projeto bolivariano não resistiria à perda do Comandante. No entanto, vencemos as eleições e, mesmo lamentando a morte de Chávez, o projeto continuou.

Mas os EUA e seus agentes locais estavam determinados a não nos deixar continuar com nossa revolução. Em 2014, a oposição lançou uma campanha violenta chamada “La Salida” [A Saída], liderada pelo partido Voluntad Popular e por María Corina Machado, as mesmas facções que agora clamam abertamente por intervenção estrangeira. No ano seguinte, os Estados Unidos deram outro passo bélico: a ordem executiva de Obama, em 2015, declarando a Venezuela uma “ameaça não usual e extraordinária”.

Essa ordem foi seguida pelo estrangulamento econômico de 2016, marcado por uma escassez deliberada destinada a tornar a vida cotidiana insuportável. Dez anos depois, continuamos sob um bloqueio que matou dezenas de milhares.

Em 2017, as facções mais extremistas da oposição voltaram às ruas com violência fascista, cometendo atrocidades como a queima de um jovem negro vivo, Orlando Figuera, alvejado simplesmente por aparentar ser chavista. Mais de 100 pessoas foram mortas durante esse período de terror fascista intensificado.

O presidente Maduro respondeu convocando uma Assembleia Nacional Constituinte, erguendo mais uma vez a bandeira da paz e da democracia diante da violência fascista. Pessoas de todos os setores, incluindo moradores de bairros de classe média cujos centros de votação tinham sido atacados, puderam votar em paz no Poliedro de Caracas [1].

Desde então, nós temos vivido múltiplas fases de guerra híbrida: a autoproclamação de Juan Guaidó como “presidente interino” em 2019 e a “Batalha das Pontes”, quando a oposição tentou encenar uma operação de bandeira falsa na fronteira com a Colômbia sob o disfarce de um esforço de ajuda humanitária. Isso foi seguido por apagões massivos que deixaram o país na escuridão por dias e a Operação Gideon de 2020, recentemente mais exposta em uma entrevista de Max Blumenthal com seu organizador nos EUA, Jordan Goudreau, um ex-Boina Verde.

Cira Pascual Marquina: “Para nós, ser anti-imperialista significa não apenas nos recusar a entregar nossos recursos, mas também defender nossa identidade, nossa dignidade e nossa própria existência”. (Captura de tela: @vocesenlucha / Instagram)

Nenhum desses incidentes foi isolado: são frentes coordenadas em uma guerra híbrida sustentada que combina agressão política, psicológica, econômica e militar.

No entanto, em cada um desses momentos, o governo e o povo organizado têm respondido de forma eficaz. Durante a sabotagem elétrica de 2019, por exemplo, as comunidades se mobilizaram para garantir o acesso à água e às necessidades básicas, enquanto a Operação Gideon foi derrotada pelos mesmos pescadores que agora estão sendo atacados no sul do Caribe.

Então, voltando à sua pergunta original: sim, as pessoas estão em alerta porque a ameaça é real, mas também somos experientes e organizados. Sabemos que somos capazes de defender a Revolução com unidade e disciplina. Estamos em uma fase de preparação máxima, com milhões de pessoas se alistando voluntariamente na milícia [2] e se preparando para a defesa da Pátria.

De fato, as pessoas não estão apenas se alistando na Milícia Bolivariana, mas também se preparando coletivamente. Você nos deu um relato histórico dos ataques enfrentados pela Revolução Bolivariana nos últimos 25 anos. Mas, como sabemos, a atual concentração militar no Caribe não é apenas contra a Venezuela: é um ataque ao continente. Como você entende suas implicações mais amplas?

A investida imperialista no Caribe não é novidade. O Haiti, até hoje, é punido por sua revolução de mais de dois séculos atrás e permanece sitiado. Agora, gangues armadas ligadas à República Dominicana também estão envolvidas. Porto Rico continua sofrendo com a despossessão capitalista, com cinco milhões de porto-riquenhos vivendo agora nos EUA, enquanto apenas três milhões permanecem na ilha. Enquanto isso, a Cuba revolucionária tem enfrentado um bloqueio brutal há muitas décadas.

Entretanto, a recente concentração militar imperialista deve preocupar profundamente os povos da América Latina e do Caribe, uma vez que sinaliza uma mudança na política militar de Washington. Cerca de 10 mil soldados estadunidenses estão atualmente estacionados no Caribe, principalmente em Porto Rico, sem falar nos destróieres, no submarino nuclear e nas operações da força aérea.

Eles não estão lá apenas para ameaçar a Venezuela; este é o renascimento da Doutrina Monroe. Como Trump disse uma vez: “Por que pagar pelo petróleo venezuelano, se podemos simplesmente tomá-lo?”. É assim que eles pensam sobre os recursos do continente.

Quanto se trata da Venezuela, além de se apoderar dos nossos recursos, os EUA também visam tirar nossa soberania e destruir o exemplo que representamos. Se nosso projeto tiver sucesso, inspirará todo o continente. Do Canadá à Patagônia, os povos lutam pela libertação, e a Revolução Bolivariana representa um exemplo vivo de como isso pode ser feito.

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Atacar a Venezuela serve a dois propósitos: saquear nossos recursos e extinguir o exemplo de democracia participativa. Desde 2021, a Venezuela tem experimentado um crescimento econômico renovado e o fortalecimento de suas comunas e do poder popular.

É precisamente isso que Washington quer impedir: eles temem que os povos da América Latina, e até mesmo dentro dos Estados Unidos, se inspirem em nossa experiência.

Por que a escalada militar neste momento específico?

O lema de Trump, “Make America Great Again” [MAGA – Tornar os EUA grandes de novo, em tradução livre], é em si uma admissão de declínio. Os EUA não são mais o que eram, e suas elites estão desesperadas para recuperar o terreno perdido. Não obstante, mesmo dentro dessas elites, abundam as fraturas entre os neoconservadores, os fanáticos sionistas e o bloco MAGA. Suas contradições internas, com frequência, produzem decisões erráticas de política externa.

Contudo, em um ponto todas concordam: a guerra é lucrativa. O complexo militar-industrial continua sendo central para a sustentação da economia dos EUA. Portanto, mesmo em meio a tensões internas, há um consenso bipartidário em torno da guerra como negócio.

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Antes dos recentes ataques a navios venezuelanos, o presidente Maduro alertou que eles poderiam tentar recriar um incidente do Golfo de Tonquim, pois a fome de guerra deles é insaciável. Ele estava certo: essa agressão é, em última análise, impulsionada pelo imperativo econômico de alimentar a máquina de guerra. Em um mundo pós-Guerra Fria, ela sobrevive por meio de “guerras quentes” perpétuas — e que alvo seria melhor que a Venezuela, rica em recursos e desafiadora da dominação imperial?

Vamos encerrar com Chávez. Ele declarou a Revolução Bolivariana anti-imperialista em 2004, mas, na verdade, ela sempre teve um caráter soberano e anti-imperialista. Você poderia refletir sobre o anti-imperialismo de Chávez?

De fato. A declaração formal ocorreu durante um comício histórico no Jardim Botânico em 2004, mas a Revolução foi bolivariana desde o início, e o próprio Bolívar era profundamente anti-imperialista. Ele alertou que os Estados Unidos pareciam “destinados pela Providência a infestar as Américas com miséria em nome da liberdade”. Esse mesmo espírito vive em nossa revolução desde o primeiro dia.

Chávez reviveu o legado anti-imperialista de Bolívar já em 1977, quando criou o Exército de Libertação do Povo Venezuelano, cujo documento fundador consagrou o bolivarianismo e o anti-imperialismo como princípios orientadores. Posteriormente, em O Livro Azul [1991], delineou a visão de soberania e dignidade que ainda nos guia. O presidente Maduro chama esse texto de “bússola histórica” ​​que nos aponta firmemente, não importa quanto tenhamos que manobrar, em direção ao nosso objetivo estratégico: a defesa da soberania e a rejeição da dominação imperial.

Cira Pascual Marquina: A narrativa dominante era: “Maduro não é Chávez”. Com esse argumento simplista, buscaram desmoralizar a base social chavista, insinuando que o projeto bolivariano não resistiria à perda do Comandante. No entanto, vencemos as eleições e, mesmo lamentando a morte de Chávez, o projeto continuou. (Foto: Reprodução / Facebook)

Para nós, ser anti-imperialista significa não apenas nos recusar a entregar nossos recursos, mas também defender nossa identidade, nossa dignidade e nossa própria existência. As elites do império não pertencem a lugar nenhum; elas querem que o mundo lhes pertença. Nós, por outro lado, nos definimos por pertencer a uma terra, a um povo e a uma história.

É por isso que até agressões simbólicas — como a tentativa de eliminar a palavra “Bolivariana” do nome da República durante o golpe de 2002, ou zombar de nós, nos chamando de “venecos” [3], na tentativa de apagar nossa identidade — fazem parte da guerra.

O bolivarianismo e o anti-imperialismo também estão profundamente enraizados em sua organização, a Frente Francisco de Miranda. Pode nos contar um pouco sobre ela?

De fato. Em 2003, Fidel e Chávez fundaram a Frente Francisco de Miranda como um movimento de assistentes sociais bolivarianos e anti-imperialistas. Porém, o anti-imperialismo não se limita à minha organização; está na corrente sanguínea de milhões de venezuelanos que resistiram às imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI) desde 1989, e continuam defendendo o projeto bolivariano até hoje.

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Ser chavista é ser anti-imperialista. Chávez foi o primeiro presidente latino-americano a reconhecer a Palestina, apoiar a República Árabe Saarauí Democrática e falar da nossa dívida histórica com o Haiti. Seu apoio a essas e outras lutas de libertação não era apenas uma questão de palavras, mas também de apoio material. Ele também vinculou a defesa do Haiti a uma história que, para ele, não começou com Pétion e Dessalines, mas com Hatuey, o primeiro herói conhecido de uma rebelião anticolonial caribenha.

Esse é o nosso Chávez — o Chávez anti-imperialista — cujo legado continua a nos guiar!

Notas

[1] N. do T.: Espaço projetado e construído para sediar eventos e shows, localizado ao sul da cidade de Caracas.
[2] N. do T.: A Milícia Bolivariana é um componente da Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela. É o mais recente da referida força, o maior em termos de efetivos, e sua sede fica em Caracas.
[3] N. do T.: Termo usado de forma pejorativa em países latino-americanos que reflete estigmatização, xenofobia e preconceitos contra migrantes venezuelanos.

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