amyra-el-khalili-|-mulheres-palestinas-pela-descolonizacao-de-coracoes-e-mentes

Amyra El Khalili | Mulheres Palestinas pela descolonização de Corações e Mentes

As mulheres têm sido a espinha dorsal política da luta pela liberdade e libertação da Palestina ao longo de gerações. Foram sua força, resiliência e coragem que mantiveram viva a resistência.

Israel as tem como alvo, ciente de que são o pilar que sustenta a vida palestina.

Muitas mulheres corajosas perderam a vida tentando documentar os ataques israelenses. Como Alaa Taher Al-Hassanat, apresentadora da AlMajedat Media Network, cuja casa foi bombardeada em 20 de novembro. Ou Salma Mkhaimer, morta juntamente com seu filho num ataque aéreo em Rafah, Gaza.

A jornalista independente Ayat Khadoura também foi assassinada em sua casa por um ataque aéreo. Em sua “última mensagem ao mundo”, publicada no Instagram, escreveu: “Costumávamos ter grandes sonhos, mas agora nosso sonho é ser morta por inteiro, para que saibam quem somos”.

Há uma longa história de ataques sistemáticos contra jornalistas palestinos e palestinas desde a fundação de Israel, em 1948.

Israel assassinou a jornalista Shireen Abu Akleh, cidadã americana e vencedora do Prêmio Mulheres e Mídia. Em 2021, o exército israelense explodiu o prédio da Associated Press, em Gaza. No entanto, Israel continua a ter passe livre nos meios de comunicação corporativos.

Seria de esperar que jornalistas corporativos denunciassem os ataques a colegas em Gaza, mas o silêncio predomina.

A Carleton University, uma das principais escolas de jornalismo do Canadá, instituiu um prêmio em homenagem a Shireen Abu Akleh, cujo assassinato, em 2023, por forças israelenses provocou ondas de choque em todo o mundo e renovados apelos por justiça e liberdade de imprensa.

As jornalistas palestinas transformam seus prêmios e reconhecimentos em denúncia uníssona contra o silêncio cúmplice da mídia corporativa, cúmplice, com parcela de responsabilidade por esta tragédia transformada numa guerra aberta contra mulheres e crianças.

Em 2024, a jornalista Mnar Adley recebeu o Prêmio Mulheres e Mídia do Instituto da Mulher para a Liberdade de Imprensa. Palestino-americana, viveu sob a opressão da ocupação israelense e testemunhou em primeira mão a brutalidade implacável do regime do apartheid, tomando para si a responsabilidade de denunciar a opressão e violência implacáveis sobre o povo palestino. Dedicou seu prêmio aos jornalistas em Gaza que arriscam as vidas para mostrar ao mundo a dura realidade da sobrevivência palestina sob as bombas.

A jornalista Maha Hussaini recebeu o Prêmio Coragem no Jornalismo 2024, da International Women’s Media Foundation (IWMF), que reconhece sua notável bravura na busca da verdade. Maha Hussaini cobre a guerra em Gaza enquanto enfrenta as mesmas ameaças diárias a sua vida decorrentes de ataques terrestres e aéreos, restrições à sua liberdade de movimento, desafios das forças e autoridades israelenses e as condições de vida desesperadoras que ela está relatando. Enfrenta também enormes desafios logísticos e pessoais para continuar a reportar para o Middle East Eye.

Para Hussaini:

A maioria dos meios de comunicação apenas fala sobre os números de mortos ou feridos. Quero que as pessoas falem diretamente por si mesmas… contar a sua história fala mais do que qualquer notícia.

No entanto, lamentavelmente, após receber o Prêmio Coragem no Jornalismo 2024, concedido pela Fundação Internacional de Mídia Feminina (IWMF), Maha Hussaini tornou-se alvo de uma campanha de difamação digital promovida por grupos sionistas. Em 20 de junho, a organização de mídia sediada em Washington divulgou um comunicado anunciando sua decisão de revogar o prêmio.

Em entrevista ao Democracy Now, Hussaini afirmou que o prêmio foi revogado exatamente pelo motivo que justificara sua concessão: relatar os crimes da ocupação israelense:

É por isso que nós, como palestinos, vemos os meios de comunicação globais, os meios de comunicação ocidentais… como cúmplices no silenciamento de jornalistas palestinos — porque eles sempre sucumbem a essas pressões da ocupação israelense ou [dos] perpetradores em geral.

Segundo ela, a revogação do prêmio foi descoberta por meio das redes sociais. Hussaini não recebeu qualquer notificação oficial a respeito.

Esta não foi a primeira vez em que Hussaini foi alvo de campanhas de difamação semelhantes. Em 2020, ao ganhar o Prêmio Martin Adler, do Rory Peck Trust, ela também foi atacada. Contudo, segundo suas palavras, o Rory Peck Trust, ao contrário da IWMF, “não sucumbiu às pressões”.

A escritora, cineasta e ativista canadense Naomi Klein denunciou a matança de jornalistas por Israel em Gaza durante o seu discurso na cerimônia do Prêmio PEN Pinter, em Londres. Destacou uma mensagem ameaçadora enviada por WhatsApp ao jornalista palestino Hassan Hamad, de 19 anos, morto mais tarde por um ataque aéreo. Seu discurso também fez referência a como expressar solidariedade à Palestina está custando empregos e reputações.

Essa história de massacres e privações não começou em 7 de outubro.

O bloqueio israelense de 16 anos e as cinco guerras anteriores na Faixa de Gaza devastaram vidas palestinas e levaram a estrutura e os serviços de saúde de Gaza à beira do colapso. Israel controla há quase duas décadas a entrada e saída de pessoas e bens, incluindo suprimentos, equipamentos e serviços médicos.

Fluxograma de Marillac: como Economia de Francisco ecoa filosofia de religiosa brasileira

Israel continua a usar a fome como arma de guerra. Privar civis de objetos indispensáveis à sobrevivência, incluindo impedir deliberadamente o fornecimento de ajuda humanitária, é crime de guerra, conforme o direito internacional humanitário e a Resolução 2417 (2018) do Conselho de Segurança da ONU.

A água, que também tem sido usada como arma de guerra, é essencial para a saúde física e espiritual.

O protocolo e os rituais em torno dos quais gira a vida de um muçulmano foram violentamente interrompidos. A privação de água tornou impossível o ritual obrigatório de ablução (lavagem cerimonial) antes da oração.

A escassez de água — reduzida em 94% — e de saneamento básico tem sido especialmente difícil para mais de 690 mil mulheres e meninas em idade reprodutiva. Mulheres grávidas e lactantes, assim como seus recém-nascidos, são especialmente vulneráveis.

Os períodos menstruais se tornaram uma provação para as mulheres e meninas de Gaza, onde privacidade e produtos essenciais de higiene feminina são desejados. Forçadas a usar fraldas ou pedaços de pano durante a menstruação, muitas desenvolveram infecções de pele e do trato urinário. Elas usam as mesmas roupas e roupas íntimas manchadas há meses. Algumas mulheres recorreram à raspagem da cabeça devido à escassez de produtos de limpeza.

Maryse Guimond, Representante Especial das Nações Unidas para as Mulheres nos Territórios Palestinos Ocupados, relata: “Eu mal reconhecia as mulheres que conhecia antes da guerra. Os últimos nove meses [julho de 2024] estão gravados em seus rostos, em seus corpos. Diante da morte, da destruição e do deslocamento, as mulheres em Gaza demonstram força e humanidade notáveis ​​em sua luta pela sobrevivência, com esperança e solidariedade em meio à devastação”.

Israel tem as mulheres como alvo, ciente de que são o pilar que sustenta a vida palestina (Foto: Saeed Jaras)

Wisam Zoghbour, liderança do Sindicato dos Jornalistas Palestinos desde Gaza, em seu artigo “O Legado de Nihaya Mohammed” escreve sobre o sentido de libertação e dignidade das mulheres. 

Nihaya Mohammed, vice-presidenta da União Geral das Mulheres Palestinas e membro do Bureau Político da Frente Democrática para a Libertação da Palestina, faleceu em 2015, aos 67 anos, de morte natural.

Zoghour escreve em suas memórias:

Sua visão feminista não era isolada da realidade. Ela acreditava que a sociedade palestina não poderia avançar sem se tornar uma sociedade democrática e moderna, baseada na igualdade, na pluralidade de opiniões e no respeito à dignidade humana, sem distinção de gênero, classe ou ideologia. Foi uma das poucas que compreenderam que o projeto colonial não busca apenas saquear a terra, mas reconfigurar a identidade palestina por meio da reprodução das relações de poder e dominação dentro do próprio lar palestino.

Nihaya Mohammed ousou fazer perguntas incômodas num tempo em que as respostas já vinham prontas: “Como pode uma sociedade que oprime a mulher alegar que busca a libertação? E como pode um intelectual rejeitar a ocupação, mas calar diante da ocupação das mentes?”

Assine nossa newsletter e receba este e outros conteúdos direto no seu e-mail.

Nihaya acreditava que a libertação não se alcança por uma força única, mas por uma união de lutas que liberte simultaneamente a terra e o ser humano, e não que liberte uma para escravizar o outro. Ela costumava dizer: “Não basta lutarmos pela terra se não lutarmos também por quem a pisa: mulheres e homens livres em pensamento e dignidade.”

Nihaya sempre nos perguntava: o que faremos quando a Palestina estiver liberta, mas continuarmos prisioneiras da mentalidade da ocupação dentro de nossas casas? Ela abria a ferida para que a víssemos – não para deixá-la sangrar, mas para que a curássemos com consciência.

Ao seguir o legado de Nihaya, apelamos à confiança e ação dos(as) Formadores e Formadoras de Opinião signatários(as) do Dossiê SOS Palestina Livre, entregue ao Sr. Luiz Inácio Lula da Silva em 29 de maio de 2025, em Itajaí, Santa Catarina.

Dossiê “SOS Palestina Livre” pede a Lula ação concreta do Brasil por cessar-fogo em Gaza

Agradecemos imensamente aos signatários desta cyber ação internacional, cujas preciosas assinaturas registram este apoio humanitário emergencial no Apelo Urgente por uma Ação para Acabar com a Fome em Gaza e Garantir o Acesso Humanitário.

Trata-se de uma cyber ação internacional em parceria com a campanha “Lance o Comboio Humanitário Diplomático AGORA”, assinada por mais de 1.000 organizações e movimentos, coordenada pela Law for Palestine, sediada no Reino Unido.

Agora será o nosso “poder da caneta”, com a força da trajetória de seus nomes e sobrenomes, que ajudará a determinar os destinos do digno e resiliente povo palestino, cujo gesto generoso nos dará a energia e a coragem de que precisamos para seguir nesta missão.

Que tal acompanhar nossos conteúdos direto no WhatsApp? Participe do nosso canal.

Agradecemos também ao Coletivo de Jornalistas Shireen Abu Akleh, pela iniciativa deste encontro providencial de pessoas certas, nos momentos certos e nos espaços certos, com a esperança de que a mensagem de Nihaya Mohammed alcance também a descolonização de corações e mentes.

InshAllah, venceremos.

Nota

* Contribuição de Amyra El Khalili na roda de conversa organizada pelo Coletivo Shireen Abu Akleh, de jornalistas pró-Palestina, com a participação também de Dani Avelar, Francirosy Campos Barbosa, Gizele Martins, Letycia Bond, Rawa Alsagheer e Soraya Misleh. O evento foi realizado na Livraria Ponta de Lança, região central de São Paulo, em 11 de julho de 2025. 

Assista à cobertura pela Tutaméia TV:

Referências bibliográficas

ADLEY, Mnar. Uma homenagem aos jornalistas que Israel está aniquilando em Gaza. MintPress News, 14 dez. 2023. Disponível em: https://www.mintpressnews.com/israel-is-wiping-out-gazas-journalists-a-tribute/286469/. Acesso em: 10 jul. 2025.

Depoimento. [S.l.]: YouTube, [s.d.]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tejRW7oRniQ. Acesso em: 10 jul. 2025.

AL-QUDS NEWS NETWORK. A jornalista palestina Maha Hussaini ganhou o prêmio @IWMF 2024 Coragem no Jornalismo, que homenageia a notável bravura na busca pela reportagem e pela verdade. 12 jun. 2024. Disponível em: https://www.iwmf.org/. Acesso em: 10 jul. 2025.

BEHNAM, M. Reza. On the Frontline of Resistance – The Women of Palestine. The Palestine Chronicle, 3 set. 2024. Disponível em: https://www.palestinechronicle.com/on-the-frontline-of-resistance-the-women-of-palestine/. Acesso em: 10 jul. 2025.

GOLDMAN, Amy. Conheça Maha Hussaini, jornalista de Gaza cujo prêmio de coragem foi revogado após campanha de difamação pró-Israel. Democracy Now!, 24 jun. 2024. Disponível em: https://www.democracynow.org/2024/6/24/maha_hussaini. Acesso em: 10 jul. 2025.

GOLDMAN, Amy. Amy Goldman entrevista Maha Hussaini sobre a revogação do Prêmio “Coragem no Jornalismo”. [S.l.]: X, 24 jun. 2024. Disponível em: https://x.com/democracynow/status/1805224724718322007. Acesso em: 10 jul. 2025.

KLEIN, Naomi. Discurso na cerimônia do Prêmio PEN Pinter em Londres. Middle East Eyes, 3 nov. 2024. Disponível em: https://www.facebook.com/amyra.elkhalili/videos/818361360263350. Acesso em: 10 jul. 2025.

RAJAGOPAL, Anna. IWMF retira prêmio de “Coragem no Jornalismo” da jornalista palestina Maha Hussaini. Institute for Palestine Studies, 27 jun. 2024. Disponível em: https://www.palestine-studies.org/en/node/1655774. Acesso em: 10 jul. 2025.

ZOGHBOUR, Wisam. Libertar o ser para libertar a terra: o legado da palestina Nihaya Mohammed. Diálogos do Sul Global, 10 jul. 2025. Disponível em: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/libertar-o-ser-para-libertar-a-terra-o-legado-da-palestina-nihaya-mohammed/. Acesso em: 10 jul. 2025.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *