JUSTO, Juan Bautista (argentino; Buenos Aires, 1865 — Los Cardales/Argentina, 1928)
1 – Vida e práxis política
Juan Bautista Justo nasceu na capital argentina, filho de pais de classe média que se dedicavam a trabalhos agrícolas. Sua mãe, Aurora Castro, tinha ascendência mestiça, e seu pai, Juan Felipe Justo, era descendente de genoveses. Inicialmente, sua família desfrutava de certo conforto econômico, o que depois se deterioraria. Sua educação inicial se deu em sua cidade natal, primeiro em uma escola particular, e logo, entre 1877 e 1881, no Colegio Nacional.
Em 1882 começou seus estudos na Faculdade de Medicina da Universidad de Buenos Aires, e paralelamente trabalhou como jornalista no diário La Prensa, o que contribuiu para financiar a universidade. A partir do quarto ano do curso de medicina, fez residência no Hospital de Clínicas. Em 1888, formou-se em Medicina, obtendo seu título com honras – sendo seu trabalho de conclusão sobre aneurismas arteriais cirúrgicos.
Após graduar-se, viajou para a Europa, onde continuou sua formação clínica em Paris, Berna e Viena. Ao retornar, em 1889, trabalhou no Hospital de Crónicos de Buenos Aires, no qual foi nomeado chefe de cirurgia. Em 1890, como cirurgião, aplicou com sucesso o método da ressecção osteoplástica do crânio, sendo reconhecido e designado como presidente do Círculo Médico Argentino. No âmbito militante, junto com Germán Avé Lallemant (agrimensor e marxista alemão-argentino), convocou a celebração do Primeiro de Maio. Também neste ano, incorporou-se à Unión Cívica de la Juventud, na qual militou brevemente, e atendeu a feridos do Parque de Artillería, no contexto da Revolução de 1890.
Em 1892, paralelamente às suas funções como médico, Justo colaborou com o periódico El Obrero, de orientação marxista; e em 1893, meses após a refundação da Agrupación Socialista, Justo aderiu à organização, tendo desempenhado um papel relevante em seu desenvolvimento. Em agosto deste mesmo ano Justo compareceu a uma reunião em Buenos Aires convocada pelo jornal La Prensa para discutir a formação de uma federação política e a criação de um jornal que defendesse os interesses da classe trabalhadora. A partir desta reunião, comprometeu-se com a elaboração de um órgão de imprensa – um “jornal socialista científico defensor da classe trabalhadora”. Em abril de 1894, com a edição do primeiro número do periódico, foi oficialmente fundado La Vanguardia, no qual Justo publicou um extenso artigo de apresentação, tratando do tema da transformação social na Argentina.
Por estes anos, dedicou-se a ler diversos pensadores, tais como Spencer, Rousseau, Ricardo, Smith e Marx, a fim de conhecer mais dos problemas sociais de seu tempo. Em 1895 viajou para os Estados Unidos e logo Europa, visitando cidades como Paris, Berna e Madri. Entre seus objetivos estava contactar militantes socialistas e conhecer a realidade daqueles países. Como parte disso, escreveu diferentes notas ou breves artigos que foram publicados no periódico La Vanguardia. Durante a viagem pela Europa, começou a planejar a tradução do primeiro tomo de O capital de Marx, que seria publicado três anos mais tarde, em Madri.
No início de junho de 1896, sob o pseudônimo de “Cittadino”, Justo enviou ao jornal conservador La Nación, de Buenos Aires, o texto “La mejor confraternidad es la nacionalización”, no qual defendia a incorporação, enquanto cidadãos plenos, dos imigrantes italianos por meio de sua naturalização como argentinos. O artigo foi bem recebido, levando a que Justo fosse convidado a se apresentar na imprensa e a colaborar com o periódico. Assim, entre junho e agosto deste ano, escreveu uma série de textos publicados em forma de coluna em La Nación, nos quais tratava questões de política, economia, livre-comércio, salários, socialismo ou situação da classe operária.
Em 28 de junho de 1896, junto com Augusto Kühn, Isidoro Salomó e Esteban Jiménez, Juan Justo fundou o Partido Socialista Argentino (PSA); o periódico La Vanguardia tornou-se o órgão oficial do partido. Neste ano, Justo apresentou-se como candidato a deputado, obtendo apenas 138 votos que, embora insuficientes para conseguir uma cadeira, dariam início a sua relevante carreira parlamentar.
Em 29 de agosto de 1897, foi inaugurada a nova sede da Agrupación Socialista em Buenos Aires, em que discursaram, além de Justo: Carlos Мalagarriga (advogado, jornalista e político espanhol) e Alejandro Mantecón (operário encadernador), além de alguns reconhecidos personagens do pensamento latino-americano, como José Ingenieros e Leopoldo Lugones. Nesta nova sede, ficavam os escritórios do jornal La Vanguardia, o Comité Ejecutivo del Partido, a Biblioteca Obrera, a Asociación Obrera de Socorros Mutuos, o Circolo Socialista Italiano e várias sociedades sindicais.
Em 1898, publicou em Madri sua tradução, diretamente do alemão para o espanhol, do primeiro tomo de O Capital de Marx (a primeira nesse idioma). A seguir, proferiu no Ateneo de Buenos Aires a conferência intitulada “La teoría científica de la historia y la política argentina”, publicada no mesmo ano pela livraria Lajouane. No ano seguinte, impulsionou a edição de El Diario del Pueblo, e se casou com Mariana Chertkoff (Odessa, 1876 – Buenos Aires, 1912), com quem teve seis filhos: Andrés, Daniel, Leticia, Aurora, Miguel e Sara.
Em 1900, mudou-se para Junín, província a noroeste de Buenos Aires, para trabalhar como médico e, ao mesmo tempo, estudar a situação da agricultura e pecuária na região. Em 1901, proferiu a conferência “El programa socialista en el campo”, em que expôs questões-chave de sua doutrina sobre a questão agrária, reivindicando a relevância do problema rural na Argentina. Nos anos seguintes, faria várias palestras sobre temas políticos, econômicos e sociais, que ganhariam destaque editorial e político.
Em 1904, Justo foi nomeado professor titular da cátedra de Cirurgia. E em 1905, fundou a cooperativa El Hogar Obrero, que cinco anos mais tarde seria admitida na Aliança Cooperativa Internacional. Ainda neste ano reassumiu a direção de La Vanguardia e o periódico começou a ser publicado diariamente, vindo a desempenhar um papel ainda mais relevante para o movimento operário e difusão das ideias socialistas.
Em 1908 envolveu-se em uma polêmica notável com Enrique Ferri, motivada por declarações que este dirigente socialista italiano fizera em visita à Argentina, ante as quais Justo defendeu a particularidade e importância do movimento operário argentino.
Em 1909, como consequência da repressão contra o movimento operário, foi detido. No mesmo ano, publicou Teoría y práctica de la historia, uma de suas obras mais volumosas e relevantes. Em 1910, as instalações do periódico La Vanguardia foram saqueadas como represália. Também naquele ano, Justo viajou como delegado ao Congresso Socialista Internacional de Copenhague, e a Hamburgo, para o Congresso Cooperativo Internacional.
Em 1912, sua esposa Mariana Chertkoff faleceu ao dar a luz ao sétimo filho. Também neste ano, Justo foi eleito deputado nacional, posição que exerceu durante três mandatos consecutivos, até 1924, desenvolvendo um intenso trabalho parlamentar de militância socialista. Em 1915, como parte deste e de outros trabalhos políticos, propôs um primeiro projeto da Ley General de Cooperativas. Em 1921 e também em 1923 apresentou novos projetos neste sentido, que tiveram incidência e contribuíram para a redação de um projeto geral sobre cooperativas no país, o qual seria sancionado e promulgado em 1926 como lei (relativa ao “Regime Legal das Sociedades Cooperativas”) – e que esteve vigente por mais de quatro décadas.
Em relação à I Guerra Mundial, Justo manteve uma posição crítica de denúncia, afirmando que com tal guerra o proletariado nada tinha a ganhar. Pouco depois de finalizado o conflito, em 1919, viajou a Berna como delegado do Congresso da Internacional Socialista. Ali foi eleito vice-presidente da organização, passando a fazer parte de sua Comissão Permanente.
Em janeiro de 1921, no Congresso Socialista extraordinário realizado em Bahía Blanca, seu grupo parlamentar socialista apresentou o Programa de Ação Socialista Internacional, um programa nacional que não excluía a possibilidade de insurreições, mas que se propunha também a analisar e acompanhar as políticas internacionais para a construção socialista.
Em 1922, Justo casou-se com a médica e socialista argentina Alicia Moreau, sua segunda esposa, com quem teve três filhos: Juan Roberto, Luis Nicolás e Alicia Marta.
Ao longo da década de 1920, o marxista continuou com sua intensa atividade política parlamentar, além de ter produzido e editado vários escritos. Em 1924, foi eleito senador pela Capital Federal. Em 1927, conseguiu a inauguração da Casa del Pueblo, pensada como um centro para a instrução, desenvolvimento, preparação cultural e política de operários – que incluía espaços para ensino em horário noturno, biblioteca e sala de conferências.
Juan Bautista Justo morreu em 8 de janeiro de 1928 em Los Cardales, na província de Buenos Aires, aos 62 anos, ao lado de sua família. Foi velado na Casa del Pueblo, e seu funeral acompanhado por uma multidão. Deixou como legado uma obra consistente – e recebeu diversas homenagens, como a da revista Acción Socialista (no mesmo ano).
2 – Contribuições ao marxismo
Juan Bautista Justo desenvolveu uma intensa prática militante cuja contribuição ao movimento operário inclui a fundação e edição de importantes meios de imprensa, a representação das causas operária e socialista em nível parlamentar e internacional, e a autoria e divulgação de numerosos textos – editoriais, conferências, folhetos, artigos e livros nos quais expressou ideias sobre variadas questões relativas ao socialismo (como movimento operário, história argentina, agricultura, fundos públicos e questão monetária).
O trabalho jornalístico desenvolvido por Juan B. Justo marcou um ponto de referência na imprensa operária argentina. Em uma série de breves artigos publicados no periódico La Vanguardia, entre julho e novembro de 1895, Justo deu um testemunho de sua viagem pelos Estados Unidos e Europa. Com objetividade, estabelecendo contrastes entre a situação dos movimentos socialistas destes povos visitados e a realidade latino-americana (especialmente quanto ao socialismo e classe operária argentina), suas crônicas permitiram aos leitores um contato com a situação do socialismo mundial. Destacam-se também seus textos jornalísticos de 1896 publicados em La Nación, reunidos depois sob o título Labor periodística.

Um dos aportes iniciais de Juan B. Justo ao marxismo da América Latina foi o de ter feito a primeira tradução de O capital (tomo I), de Karl Marx, em língua espanhola, diretamente do alemão: El Capital: crítica de la economía política (1898). Esta tradução, a princípio, circulou em cadernos quinzenais (entre 1897 e 1898) e posteriormente foi publicada como um volume único (de 688 páginas). Sobre essa obra pioneira, o socialista espanhol Pablo Iglesias, a quem Justo havia conhecido em visita à Europa, afirmou que se tratava de uma “tradução verdadeiramente fiel”. No entanto, sua difusão e circulação pela América Latina foi escassa.
A tradução de Justo foi reeditada em outras ocasiões. Em Buenos Aires, a Biblioteca de Propaganda Ideal Socialista fez uma segunda edição corrigida e ampliada em 1918. Também em Buenos Aires, a editora Biblioteca Nueva publicou em 1946 Carlos Marx – El capital: crítica de la economía política, cujo primeiro volume trazia a tradução de Justo.
Sendo a primeira realizada diretamente do original, a tradução de Justo teve o mérito de se tornar uma referência para muitas outras. Pedro Scaron, em sua própria tradução dessa obra clássica, reconhece a importância da tradução de Justo, especialmente por sua fidelidade ao original.
Dentre as polêmicas mais notáveis de Justo, encontra-se a que manteve com o socialista Enrico Ferri, em 1908, diante das críticas do italiano ao socialismo argentino. Ferri, ao chegar a Buenos Aires em 18 de julho, declarou que a Argentina se encontrava na etapa da agricultura e da pecuária, e que portanto suas manifestações seriam correspondentes a esta fase; logo, em conferência no Teatro Victoria (26 de outubro), ele continuou sua desqualificação da experiência socialista argentina, afirmando, entre outras coisas, que este movimento era o resultado da importação de ideias da Europa, meramente imitadas ao se traduzir livros e escritos europeus, e que, na Argentina, o PSA, diferentemente da Europa, não era senão um partido reformista operário não radical. Justo, que estava presente, tomou a palavra e fez um discurso que foi aclamado pela audiência, além de ter ganhado significativa repercussão na imprensa. Em sua fala, criticou Ferri por se aliar ao poder político e econômico dominante na Argentina, e por evitar contato com o povo, apresentando ainda ao europeu uma análise sociológica da evolução do capitalismo na Argentina – na qual assinalou que nas colônias latino-americanas a classe trabalhadora, formada em grande parte por mestiços e indígenas, foi desde o princípio excluída da propriedade do solo (concedido aos senhores por meio de doações reais). Em seu discurso, Justo analisou circunstâncias agravantes e particularidades do caso argentino, denunciando a intensificação da exploração dos trabalhadores e os procedimentos de exploração “medievais” aplicados aos trabalhadores, assim como a formação de uma classe operária relativamente numerosa no país – criada no desenvolvimento das ferrovias, portos, oficinas, fábricas, frigoríficos etc. Reivindicou ainda que o movimento socialista argentino deveria buscar um modelo próprio, e para tanto seria fundamental a construção de uma consciência de classe, a qual seria propiciada pelo desenvolvimento de uma “cultura geral” – na qual a razão teria peso fundamental.
Em relação à dialética hegeliana, Justo teve uma posição crítica, não reconhecendo sua efetiva relevância na obra de Marx e de Engels, e considerando que os pensadores, pelo contrário, desenvolveram sua concepção “apesar” da dialética de Hegel.
Opôs-se também ao anarquismo e à violência política, criticando diretamente a gestão política de Lênin na Rússia, assim como a perspectiva de Rosa Luxemburgo. Quanto à Internacional Comunista, adotou uma posição crítica diante de seus mecanismos.
Três pontos fundamentais de discordância expressos por Justo quanto ao comunismo de seu tempo foram: a importância que ele concedeu à liberdade do comércio; sua defesa da propriedade privada como necessidade para o desenvolvimento nacional; e sua ideia quanto às vias por meio das quais se poderia chegar a uma sociedade socialista – o que acreditava ser somente pela evolução da cultura política, sem necessidade da luta armada revolucionária.
Juan Justo considerava que o socialismo fazia parte de um desenvolvimento inevitável, e encontrou no parlamentarismo um caminho para impulsionar o processo de reivindicação social do movimento operário e socialista argentino. Para José Aricó, Justo desenvolveu uma versão original do socialismo, considerando-o como um “irrefreável movimento emergente da modernidade”, que, no caso da sociedade argentina – tal como Justo teria demonstrado –, teria “fortes raízes que o unem a todas as tradições de luta das classes exploradas do país e do mundo”. Essa perspectiva de Justo, segundo Aricó, “permitiu ao Partido Socialista enraizar-se na vida política e social argentina como uma parte dela mesma e não como um fenômeno ‘externo’, alheio à própria realidade”.
Segundo afirmou o próprio Justo (em 1920), quando ele se tornou socialista ainda não havia lido Marx, tendo como referência Herbert Spencer e sua teoria da evolução social do tipo primitivo militar para um tipo industrial definitivo. No entanto – conforme Justo também reconhece –, sua leitura de Marx o teria feito ver além, ao compreender que Spencer tinha sido superficial ao cair no duplo erro de supor que o trabalhador escravizado trabalha sempre para seu amo, e os assalariados modernos sempre para si mesmos.
Justo em sua trajetória manteve a fé no parlamentarismo e no poder da razão para propiciar a mudança revolucionária a favor das massas populares, tendo incorporado em sua luta parlamentar, entre outras fontes, a crítica de Marx e do marxismo. Sua aposta para o desenvolvimento do socialismo moderno se fundou, em grande medida, na importância da tomada de consciência por parte das classes populares. Considerava que, com isto, os trabalhadores poderiam perceber sua condição de explorados e a necessidade de – por via democrática – enfrentarem tal situação.
3 – Comentário sobre a obra
Muitas das primeiras obras de Juan Justo, nas quais contribuiu tanto para o desenvolvimento do socialismo quanto para a incorporação do marxismo na análise das problemáticas sociais na Argentina e América Latina, foram originadas de conferências.
Entre as fundamentais, encontram-se Teoría científica de la historia (Buenos Aires: Librería Lajouane, 1898), resultado da conferência realizada pelo marxista no mesmo ano, no Ateneo de Buenos Aires, que além de ser publicada como folheto, foi reeditada em 2016 por La Vanguardia. Mais tarde, em 1947, foi publicada com o título “A teoria científica da história e a política argentina”, incluída como capítulo no livro La realización del socialismo (Buenos Aires: La Vanguardia, 1947), com notas de Dardo Cúneo, escritor e militante socialista, e prólogo de Américo Ghioldi, legislador e líder do “socialismo democrático” argentino. A relevância desta conferência está em que nela Justo expressou precocemente sua concepção sobre o papel do fator econômico na história, sobretudo em relação à Revolução de Maio e à Guerra Civil Argentina. Na obra, Justo cita Marx e Engels e assume que “o modo de produção da vida material domina em geral o processo da vida social, política e intelectual”, reconhece “o papel fundamental do modo de produção e de troca na história”, e argumenta que o desenvolvimento colonial nos países do Rio Prata “evidencia o predomínio geral da economia na formação e no crescimento da sociedade argentina”.
Várias de suas conferências iniciais tiveram boa repercussão editorial, sendo publicadas em forma de folheto, como: a citada “El programa socialista en el campo” (24 abr. 1901); “El socialismo”, proferida na Sala Unione e Benevolenza em 17 de agosto de 1902, e editada no mesmo ano (Ed. La Vanguardia); e “La moneda”, apresentada na Casa Suiza de Buenos Aires, em 31 de maio de 1903, publicada como livreto pelo Centro Socialista de Estudios e como artigo na Revista Jurídica y de Ciencias Sociales (1902). Vale também menção aos folhetos: El Partido Socialista en la República Argentina, publicado em 1909 – uma resposta crítica que Justo dá ao citado dirigente socialista Enrique Ferri –, e “El impuesto sobre el privilegio”, conferência de 1902 publicada por La Vanguardia.
Teoría y práctica de la historia (Buenos Aires: Lotito y Barberis, 1909) é provavelmente a mais importante e consistente das obras de Justo, publicada em uma segunda edição ampliada em 1915. Segundo afirma o próprio Justo na apresentação da primeira edição, seu objetivo com esta obra era “apontar ao povo as forças históricas e instruí-lo em sua condução”. No texto, Justo trata de questões tanto teóricas quanto práticas, incluindo a relação entre teoria e prática na história, além de temas como economia, técnica, política e guerra. É relevante seu reconhecimento da luta de classes como um fator determinante do desenvolvimento histórico, o qual considera “politicamente falando, a dinâmica da história” – ideia esta que ele já havia apontado em textos anteriores. Também analisa as formas do privilégio e sua relação com a “ditadura do capital”. Afirma que Marx e Engels compreenderam “em toda a sua extensão o papel histórico do modo de produção” e, junto a outras fontes, os emprega como referências em sua análise. Dentre outros temas, estuda as diferentes formas de organização do movimento operário, em especial o sindicalismo; a “cooperação livre” (apostando na “democracia operária”); e também elementos relacionados à religião, ciência e arte – destacando ao longo do livro o valor da razão como elemento que contribui para a justiça social.
Outra obra fundamental de Justo é a coletânea de textos de diferentes épocas intitulada La cooperación libre (Buenos Aires: La Vanguardia, 1938). Esta obra póstuma concentra alguns dos trabalhos mais importantes do marxista sobre cooperativismo, temática recorrente em sua vida – e na qual é considerado um importante teórico. Na antologia merecem destaque: o texto da conferência de 1897, “Cooperación obrera”; seu projeto de lei sobre cooperativas, de 1921; e “La ley sobre cooperación y las sociedades populares de crédito”, de 1928. Nestes textos, Justo defende a necessidade da cooperação para o desenvolvimento social, aponta diferenças entre empresa capitalista e empresa cooperativa, e defende a autonomia do movimento cooperativo em relação a credos religiosos ou políticos ou partidários. Para Justo, a cooperação deve ser livre e sem coações, sendo uma via de luta da classe operária em sua reivindicação contra os privilégios.
Entre outros textos de relevância, relativos a sua perspectiva sobre o movimento operário e o desenvolvimento do capitalismo, encontram-se a série de notas que saíram em La Vanguardia no ano de 1895, durante sua viagem pelos Estados Unidos e Europa, as quais foram reunidas e publicadas três anos depois como um folheto intitulado En los Estados Unidos: apuntes escritos en 1895 para un periódico obrero (Buenos Aires: Jacobo Peuser, 1898). Depois, no ano em que Juan B. Justo faleceu, uma nova edição do folheto foi editada por La Vanguardia (1928). Nestes escritos, Justo expressou sua perspectiva sobre a composição classista da sociedade, comparando o desenvolvimento econômico e a situação do movimento operário nos Estados Unidos e na Europa em contraste com a América Latina; advertiu suas diferenças e assinalou que os EUA constituem “a sociedade que mais se aproxima do tipo industrial”, e que detém “condições mais favoráveis para sua prosperidade”, considerando que, dado o desenvolvimento “maior e mais livre” do capitalismo nos EUA, é ali que ele deveria ser estudado. Assinalou também que, nos países sul-americanos, a classe dirigente havia demonstrado sua incapacidade econômica completa, tendo lutado “dividida em facções pelo privilégio de oprimir” uma classe “fraca”. Ao mesmo tempo, valorizou a importância das classes populares para a mudança das condições de exploração e dependência nas quais viviam – como parte do próprio desenvolvimento do capitalismo.
La moneda é outro texto que merece ser mencionado. Fruto de uma conferência proferida em 1903, foi reeditada em conjunto com outros estudos em 1912 (La Vanguardia); reeditada pela Librería Argentina com o título Estudios sobre la moneda, em 1921; e com este mesmo nome, publicada como caderno pela Editorial Claridad (n. 44, 30/01/1923). Vale também destacar sua edição como capítulo do tomo I das Obras completas de Juan B. Justo (La Vanguardia), em 1928 e em 1937. Nesta conferência, Justo trata da problemática monetária, e refere-se em várias ocasiões à crítica econômica de Marx, tratando do conceito de “acumulação primitiva”, e considerando casos concretos das Américas (como México, Cuba e Porto Rico). Analisa os sinais do valor e seus limites, os salários, a escassez, os instrumentos de troca em espécie, as emissões do papel-moeda, a voracidade patronal e a baixa do ouro, percebendo diferenças entre casos que o próprio Marx analisou (Europa e Índia), além de investigar a realidade monetária de seu tempo na América Latina.
Outras obras que merecem destaque são: Internacionalismo y patria (Buenos Aires: La Vanguardia, 1925); e El socialismo argentino (B. Aires: La Vanguardia, 1910), no qual aplica o conceito de luta de classes no contexto gaúcho argentino, afirmando que “a classe assalariada eleva a cada dia suas reclamações mais alto, empenhada em emancipar-se da sujeição ao capital”; e que “vemos de novo a história argentina animada pela luta de classes” – texto que seria reeditado como parte de um conjunto de escritos sobre a temática socialista intitulado Socialismo (B. Aires: Ed. Claridad, 1928).
Das obras que concentram ou resumem textos de Justo, merece menção Ideas sobre Historia (B. Aires: Edic. Selectas América, 1920), um breve resumo educativo de ideias e conceitos-chaves que Justo desenvolveu sobre História. Também vale mencionar que, no ano de sua morte, foi lançado o folheto En los Estados Unidos (B. Aires: La Vanguardia, 1928), reunindo suas notas publicadas em 1895 no periódico La Vanguardia.
As obras de Justo foram reeditadas com frequência, incluindo seus trabalhos como tradutor – caso da tradução El capital: crítica de la economía política (La Vanguardia, 1946).
As Obras completas de Juan B. Justo foram publicadas em Buenos Aires, pela editorial La Vanguardia, em cinco tomos: I – La moneda, 1928; II – Cooperación libre: trabajos y estudios, 1938; III – Educación pública: escritos y discursos parlamentarios, 1930; IV – Teoría y práctica de la Historia, 1909; V – Internacionalismo y patria, 1925. Ademais, Dardo Cúneo organizou as notas de La realización del socialismo, publicado em 1947 como tomo VI das Obras Completas, no qual estão reunidos textos inéditos em livros anteriores.
Mais recentemente, em 1998, o Círculo de Legisladores da Nação Argentina (Buenos Aires) publicou La lucha social en el Parlamento, com uma seleção de discursos parlamentares de Justo (organizado por Cúneo).
Com relação às obras publicadas acerca de Juan Justo, cabe mencionar o trabalho desenvolvido pela editora La Vanguardia, que em 1932 publicou Juan B. Justo: ensayo preliminar sobre su vida, su pensamiento y su obra, de Enrique Mouchet, livro que, além de trazer uma biografia do marxista, sintetiza suas ideias políticas e sociais. Em 1939, a mesma editora publicou Ideário de Juan B. Justo, organizado por Celso Tíndaro, o qual contém uma coletânea de textos de Justo ordenados por diferentes temáticas. Destaca-se ainda a coletânea Ideario de Juan B. Justo (B. Aires: Comisión Nacional de Homenaje en el Centenario de su Nacimiento, 1965).
Quanto traduções de Justo para a língua portuguesa, cabe destacar a edição Socialismo e organização política (Brasília: Inst. Teotônio Vilela, 1998). Há também obras publicadas no Brasil que fazem referência direta a Juan Justo, tal como a de Torcuato S. Di Tella, História social da Argentina contemporânea (Brasília: Fund. Alexandre de Gusmão, 2017), na qual se inclui “As correntes ideológicas no movimento operário” e são comentados elementos de sua biografia e papel histórico.
4 – Bibliografia de referência
ARICÓ, José. La hipótesis de Justo. Buenos Aires: Sudamericana, 1999.
BRAUN RODRÍGUEZ, Carlos. “Early liberal socialism in Latin America: Juan B. Justo and the Argentine Socialist Party”. The American Journal of Economics and Sociology, v. 67, n. 4, out. 2008. Disponível em: http://www.jstor.org.
DARDO, Cúneo. Juan B. Justo y las luchas sociales en Argentina. Buenos Aires: ALPE, 1956.
LÓPEZ DABAT, Mario. “Juan B. Justo cooperativista: a 50 años de su muerte”. Em Revista Idelcoop, 1978, v. 5, n. 18/19.
MARTÍNEZ MAZZOLA, Ricardo. “Un socialismo para la pampa argentina: programa agrario y alianzas políticas en el pensamiento de Juan B. Justo”. Signos Históricos. México. v. 20, n. 39, jun. 2018.
MOREAU DE JUSTO, Alicia. Juan B. Justo y el socialismo. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1984.
ODDONE, Jacinto. Historia del socialismo argentino. Buenos Aires: La Vanguardia, 1934.
PAN, Luis, et al. Justo y Marx: el socialismo en la Argentina. Buenos Aires: Monserrat, 1963.
PORTANTIERO, Juan Carlos. Juan B. Justo: un fundador de la Argentina moderna. Buenos Aires: Fundo de Cultura Económica, 1999.
POY, Lucas. “Juan B. Justo y el socialismo argentino ante la Primera Guerra Mundial (1909-1915)”. Política y Cultura, 2014, n. 42. Disp.: www.scielo.org.mx.
ROMERO, Juan Manuel. “La Norteamérica de Juan B. Justo: imágenes de Estados Unidos en la prensa socialista argentina de fines del siglo XIX”. Em Historia y Comunicación Social. v. 24, n. 1.
SCARON, Pedro. “Advertencia del traductor”. Em MARX. El capital (v. I). Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 1975.
SPILIMBERGO, Jorge Enea. Juan B Justo y el socialismo cipayo: el socialismo en la Argentina. Buenos Aires: Ediciones Octubre, 1974.
WEINSTEIN, D. F. Juan B. Justo y su época. Buenos Aires: Fund. Juan B. Justo, 1978.
Notas
* Com colaboração e edição de texto de Ândrea Francine Batista, Felipe Santos Deveza e Yuri Martins-Fontes, e ilustração de Felipe S. Deveza, este artigo foi originalmente publicado no portal do Núcleo Práxis da USP, sendo um dos verbetes do Dicionário marxismo na América. Permite-se sua reprodução, sem fins comerciais, desde que citada a fonte e que seu conteúdo não seja alterado. Sugestões e críticas são bem-vindas: editoria@nucleopraxisusp.org.

