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Sem resquício de pudor, EUA debatem publicamente táticas para dar golpe e “deschavizar” Venezuela

Em 12 de novembro, oficiais militares de alto escalão dos EUA apresentaram a Trump opções para uma ação militar contra a Venezuela. A informação foi reportada pela CBS News, mas fontes dentro do governo asseguraram que ainda não foi tomada uma decisão final para proceder com o emprego de forças armadas contra o país sul-americano.

A divulgação ao público desta sessão informativa classificada, combinada com a chegada do maior porta-aviões do mundo, o Gerald Ford, perto das costas da Venezuela, é parte do que especialistas nos Estados Unidos consideram a escalada de uma campanha para forçar uma mudança de regime na nação bolivariana, inclusive por meio de um golpe militar.

Segundo a CBS, a sessão informativa com Trump em 12 de novembro incluiu o secretário de Guerra, Pete Hegseth, o chefe do Estado-Maior, Dan Caine, e outros altos oficiais, inclusive de inteligência, onde foram discutidas opções para uma ação militar “nos próximos dias”.

Persiste um debate interno dentro do governo de Trump sobre até que extremos os Estados Unidos irão em seu esforço para derrubar o governo de Nicolás Maduro e, em particular, sobre se devem atacar de maneira direta o território da Venezuela.

Em declaração no âmbito da reunião de chanceleres do Grupo dos 7 (G7), o secretário de Estado, Marco Rubio, reiterou que o governo venezuelano é “um regime ilegítimo que, basicamente, é uma organização de narcotráfico que se apoderou do poder, que enganou o Vaticano, os noruegueses e outros governos”. Insiste, ainda, que Washington tem o direito de perseguir Maduro, já que “o máximo dirigente desse regime ilegítimo também é acusado nos Estados Unidos, no Distrito Sul de Nova York, por cargos de narcotráfico”.

Rubio também declarou que não se pode questionar a presença militar dos Estados Unidos no hemisfério americano. “Não penso que cabe à União Europeia determinar o que é o direito internacional; o que certamente não podem fazer é determinar como os Estados Unidos defendem sua segurança nacional. O país está sob ataque de narcoterroristas criminosos organizados em nosso hemisfério, e o presidente responde em defesa de nosso país”, ressaltou.

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Em 13 de novembro, o secretário de Guerra decidiu que precisava reiterar esse mesmo ponto. “O hemisfério ocidental é nossa vizinhança e o protegeremos”, afirmou nas redes sociais, anunciando o início da Operação Lança do Sul.

No Atlantic Council, fomentam ataque contra a Venezuela

Elliot Abrams, ex-alto funcionário estadunidense que foi o enviado especial para a Venezuela no primeiro governo do republicano, recentemente declarou estar preocupado de que Trump esteja hesitando. “[Maduro] deve estar se perguntando agora: Trump realmente acredita nisso?”, comentou em referência à ação militar que o presidente ameaça contra a Venezuela. Abrams é mais conhecido por ter sido condenado por mentir ao Congresso sobre seu papel em organizar apoio encoberto proibido para os Contras da Nicarágua nos anos 1980. “Em nosso primeiro período, enfrentamos fortemente esse regime, mas ao final, ele [Maduro] sobreviveu. Nesse sentido, ele ganhou. Deve estar pensando: ‘bom, talvez isto acabe’”, declarou.

Em um painel de uma conferência organizada pelo Atlantic Council, em Washington, Abrams acrescentou que seu “grande temor” é que os Estados Unidos não cumpram seu objetivo de forçar uma mudança de governo na Venezuela. “Creio que a pergunta crítica neste ponto é se Washington fará algo militarmente que realmente toque a nação sul-americana em si, mesmo que seja uma pista de aterrissagem em alguma parte ocidental de seu território, algo dentro do país. Creio que esse é o ponto-chave”.

O ex-funcionário acrescentou: “Ou Trump vai ganhar ou Maduro vai triunfar. Esse é o confronto que está posto agora, e espero que o presidente entenda que pode ter uma vitória, mas terá que fazer mais”.

Na Washington atual, as articulações para fomentar “mudanças de regime”, incluindo golpes de Estado, são discutidas abertamente em fóruns públicos, por videoconferências e nas redes sociais. (Foto: Marinha dos EUA)

A ex-chefe do Comando Sul, a general Laura Richardson, por sua vez comentou que Washington tem a esperança de que a presença militar massiva estadunidense forçará uma mudança na Venezuela. “Seria bom ocorrer algo interno ou que Maduro simplesmente vá embora”, comentou também durante o fórum no Atlantic Council.

Richardson, no entanto, deixou claro que o tema não se limita à questão das “drogas”, mas à crescente presença de Pequim na América Latina. Ela buscou redefinir a famosa e ridicularizada frase do então presidente George W. Bush sobre um suposto “eixo do mal”: agora, haveria um “eixo de agressores”, que inclui a presença mais ampla de China, Rússia e Irã nas Américas. “Creio que nosso eixo de agressores está observando muito de perto o que vamos fazer e que capacidades vamos usar”, advertiu a general.

Durante anos, o La Jornada tem reportado sobre planos estadunidenses sempre encobertos, elaborados a portas fechadas, para promover o que se denomina como “mudança de regime”. Mas na Washington atual, as articulações para fomentar “mudanças de regime”, incluindo golpes de Estado, são discutidas abertamente em fóruns públicos, por videoconferências e nas redes sociais.

“O regime, tal como está constituído, representa uma ameaça direta aos interesses nacionais dos Estados Unidos, e é por isso que o presidente tem que tomar as ações que está realizando”, declarou Alexander Gray, que trabalhou com a Casa Branca durante o primeiro período de Trump. “O hemisfério constitui um interesse central estadunidense e é inseparável da defesa da pátria. Penso que isso leva à conclusão de que tem que haver uma mudança no regime de Maduro.”

Um dos desafios, explicou John Polga-Hecimovich, professor na Academia Naval dos Estados Unidos e outro expositor no fórum, é que Maduro tomou medidas para “prevenir tentativas de golpe… e, se ocorrerem, para diminuir suas probabilidades de êxito”.

Tanto Polga-Hecimovich como Abrams concordam que o desafio para os Estados Unidos na Venezuela é que o governo está entrelaçado com a sociedade. “Uma Venezuela pós-Maduro precisa confrontar e administrar instituições que estão completamente politizadas e que são a favor do presidente, com equipes que seguiram a linha partidária por muito tempo. Então, a pergunta é: como deschavizar essas instituições?”, refletiu Polga-Hecimovich. “O que se faz com os coletivos? O que se faz com os sindicatos? O que se faz com o ELN (a guerrilha colombiana Exército de Libertação Nacional)? O que se faz com os grupos que juraram lealdade ao regime?”, seguiu.

Abrams, que tem planejado golpes de Estado e outras mudanças de regime desde os anos 1980, foi na mesma direção de seus colegas. “É mais como a Europa Oriental depois da queda do comunismo, onde o partido permeava toda instituição política e civil, e teve que ser expurgado”, explicou ao público. E advertiu: “Não se pode deixar o Gerald Ford no Caribe até o próximo mês de julho, acredito. Algo tem que acontecer. E meu grande temor é que simplesmente vamos embora”.

Mentira e engano na mídia 

O governo Trump anunciou em setembro passado a detenção de 171 integrantes do cartel de Sinaloa que operavam no nordeste dos Estados Unidos. Poucas semanas depois, declarou que agentes federais nunca detêm cidadãos estadunidenses em suas rondas contra imigrantes indocumentados. Enquanto isso, a Casa Branca repetidamente difunde vídeos filmados na capital do país com confrontos violentos nos quais civis atacam agentes federais.

Cada uma dessas afirmações oficiais, entre tantas outras, ocupa as primeiras páginas da imprensa nos EUA, no México e ao redor do mundo, mas todas têm algo em comum: são falsas. Porém, quando se detecta que não são verdade, raramente os meios de comunicação dão o mesmo destaque comparando a quando foram proclamadas pelo governo. Esta é a brilhante estratégia midiática da Casa Branca — e funciona muito bem.

Os meios não oficiais, diante dessa estratégia de comunicação oficial, se tornam — muitos sem querer — facilitadores e até cúmplices dessa máquina de propaganda muito mais ousada que suas antecessoras. Com isso, ao repetir as declarações oficiais a tal volume para públicos massivos, acabam ajudando a promover e justificar as políticas colocadas em marcha pelo governo de Trump.

Assim, o governo do republicano está conseguindo usar os meios massivos dos Estados Unidos para difundir sua visão da realidade do país, apesar de ser contrária aos fatos.

Parte do problema é o volume de afirmações oficiais falsas, enganosas e até absurdas que sobrecarregam os jornalistas e dificultam as decisões sobre o que vale ou não reportar, e como.

Recentemente, Trump difundiu em suas redes sociais que seu governo havia colocado um fim às “regalias” de 2,5 milhões de dólares anuais pagas ao ex-presidente Barack Obama. Enquanto funcionários da Casa Branca recusam responder às perguntas de jornalistas sobre a mensagem de seu chefe, a afirmação é uma ficção. “Não é real, não tem nenhuma verdade. É uma loucura”, comentou o repórter Jake Tapper, da CNN. Mas, em muitos casos, as afirmações absurdas servem como distração.

Por exemplo, uma narrativa que se usa para justificar tanto ameaças a outros países quanto operações anti-imigrantes dentro dos EUA é que chefes mexicanos, empregando imigrantes indocumentados e até o presidente venezuelano Nicolás Maduro, ameaçam a segurança nacional dos Estados Unidos e são todos o inimigo que é preciso confrontar.

A CNN, entre outros meios, reportou como fato a declaração da DEA em 2 de setembro sobre a detenção de 171 integrantes de um cartel mexicano que opera nos Estados Unidos.

“Estas são detenções de alto nível, não de distribuidores ao varejo de baixo nível. Trata-se de membros do cartel de Sinaloa”, declarou Jarod Forget, agente especial da DEA responsável pela divisão da Nova Inglaterra. Houve notas de acompanhamento sobre a operação interna dessa rede do cartel.

Mas, para variar, havia um problema. “Isso simplesmente não é verdade”, afirmou o repórter Joey Flechas, do Boston Globe. “Depois de revisar mais de 1.600 páginas de documentos judiciais, entrevistar mais de 75 agências de segurança pública estaduais, locais e federais… o Globe concluiu que a DEA caracterizou mal as pessoas que deteve”. Acrescentou que “os chamados membros do cartel eram, em sua maioria, vendedores ou usuários de drogas de baixo nível ou ladrões de lojas”. A DEA não conseguiu oferecer evidências ao jornal para comprovar suas afirmações.

Em outro de incontáveis exemplos, a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, declarou em outubro que “nenhum cidadão estadunidense foi detido” durante as rondas contra migrantes. Um dia depois, a organização de jornalismo investigativo ProPublica divulgou uma lista de 170 moradores com residência oficial que haviam sido detidos durante esses operativos, incluindo 20 menores de idade.

Como parte de seu esforço midiático, o governo de Trump difunde seus próprios vídeos a simpatizantes para mostrar sua guerra contra imigrantes “criminosos”, contra os que os defendem e contra os que se opõem às políticas oficiais.

Em Washington, o Departamento de Segurança Interna difundiu um vídeo atrás do outro em agosto sobre seus esforços para impor “ordem” na capital nacional — parecido ao que fez e continua fazendo em Los Angeles, Portland e Chicago. Esta é “uma batalha pela alma de nossa nação”, afirmou a Casa Branca. Mas algumas das imagens nos vídeos oficiais sobre as operações na capital, segundo uma análise do Washington Post, provinham de outros lugares como West Palm, na Flórida, ou da costa de Massachusetts.

“Funcionários do governo de Trump utilizaram imagens enganosas em pelo menos seis vídeos promovendo sua agenda de imigração compartilhados nos últimos três meses”, distorcendo a realidade dos eventos “em clipes virais que são vistos milhões de vezes”, reportou o periódico.

Falsidades documentadas

Este padrão de mentiras e afirmações enganosas é cada vez mais documentado. A BBC comprovou que agentes de migração mentiram sobre um ataque violento contra cidadãos nos arredores de Chicago. A ProPublica também comprovou declarações oficiais não verídicas sobre uma operação paramilitar de agentes de migração em Chicago — o governo proclamou o assalto dramático contra um edifício como um êxito espetacular contra imigrantes “criminosos”, mas quase nenhum dos detidos tinha antecedentes penais, e a maioria era afroestadunidense, incluindo crianças que foram algemadas e violentamente retiradas de seus apartamentos apenas para serem liberadas pouco depois.

A administração de Trump jamais corrige suas versões, mesmo quando se demonstra que são falsas, e recusa admitir erros diante dessas revelações. Ao mesmo tempo, continua de maneira incessante a difundir novas declarações do mandatário e de sua equipe, não só pela Fox News e pelo exército fiel de youtubers, mas também conseguindo se impor nos meios tradicionais estabelecidos no país. A construção da narrativa oficial sem importar a verdade chegou a novas alturas neste governo. Ao mesmo tempo, os meios não alinhados não podem responder simplesmente decidindo não difundir ou ignorar o que diz um presidente.

O lendário jornalista independente estadunidense I. F. Stone disse que “todo governo mente, mas o desastre está à espera de países cujos funcionários fumam o mesmo haxixe que distribuem”. Isso também é um alerta para os jornalistas na era Trump.

 “Ameaças” aos EUA

Entre 2 e 8 de novembro, a Casa Branca proclamou a “Semana Anticomunista”, parte de uma resposta aos triunfos eleitorais de socialistas democráticos no início do mês. Assim, o regime de Trump acrescentou um novo “inimigo” a uma lista que já inclui imigrantes e narcotraficantes, todos classificados como “ameaças” à segurança nacional do país.

Ao que parece, os Estados Unidos estão cercados de ameaças internas e externas, segundo a Casa Branca e seus aliados na legislatura e nos governos estaduais.

“Esta semana, nossa nação observa a Semana Anticomunista, uma recordação solene da devastação causada por uma das ideologias mais destrutivas da história”, afirmou a proclamação presidencial. O texto disse ainda: “O comunismo gerou destruição sobre nações e almas” e causou mais de 100 milhões de mortes por “regimes que buscaram apagar a fé, suprimir a liberdade e destruir a prosperidade… Ao honrar sua memória, renovamos nossa promessa nacional de nos manter firmes contra o comunismo”.

O governo advertiu: “Novas vozes repetem agora velhas mentiras, vestindo-as na linguagem da ‘justiça social’ e do ‘socialismo democrático’, mas sua mensagem é a mesma: entregue sua liberdade, ponha sua confiança no poder do governo e troque a promessa da prosperidade pelo conforto vazio do controle. A América rejeita essa doutrina do mal”.

Mas o comunismo já não vem de fora, e sim de dentro do país. Trump tem insistido em chamar de “comunista” o socialista democrático Zohran Mamdani, o prefeito eleito de Nova York. Não se sabe se o mandatário e seus aliados entendem a diferença entre as definições, mas ao elevar tudo isso a uma proclamação oficial e declarar uma semana dedicada a combater essa velha ameaça, certamente surpreende muitos — incluindo comunistas — de que o país está retornando à Guerra Fria três décadas após seu fim.

E várias outras ameaças, incluindo aquelas que justificam as batidas e o envio de agentes federais mascarados e armados e até tropas a várias cidades, já que os imigrantes indocumentados — a população mais vulnerável e menos protegida do país — são declarados pela Casa Branca como um perigo à segurança nacional. Com isso, além das dramáticas ações nas ruas, escolas, creches, hospitais e diante de tribunais de famílias, menores de idade e trabalhadores, todas sob a justificativa de que se persegue “criminosos perigosos” e “o pior do pior”, está se encarcerando um número sem precedentes de imigrantes.

Segundo o Migration Policy Institute (MPI), o número de imigrantes detidos chegou aos níveis mais altos da história do país nos primeiros 10 meses do governo Trump e o orçamento federal anual para essas ações foi triplicado, alcançando assim “o maior sistema de detenção de imigrantes do mundo”.

Dos 39 mil detidos sob custódia do Serviço de Imigração e Alfândegas (ICE) quando Trump retornou à Casa Branca, esse número aumentou para um recorde de 61 mil no final de agosto, e calcula-se que chegará a 107 mil em janeiro de 2026. A permanência média de um migrante encarcerado é de 44 dias, informa o MPI.

Mas os inimigos não estão apenas dentro do país. Washington está mobilizando a maior força naval no Caribe em décadas com a justificativa de combater a ameaça do narcotráfico, sob a qual já foram lançados 22 ataques nessa região e no Pacífico, matando pelo menos 80 pessoas acusadas — sem evidências — de serem traficantes de cartéis sul-americanos.

Em sua luta doméstica, o governo Trump declarou que os democratas estão sob o controle de uma “esquerda radical” dedicada à destruição do país. Para Trump e seus aliados, a estratégia para “resgatar” o país inclui reduzir impostos para os mais ricos e reduzir assistência alimentar e de saúde para os mais pobres.

A luta contra estas ameaças externas e internas foi resumida da seguinte forma pelo senador republicano e aliado leal de Trump, Lindsey Graham, em um discurso recente: “Estamos matando as pessoas certas e cortando seus impostos”.

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