Não desperdiçaram um único dia. Nesta segunda-feira (17), em uma corrida contra o tempo prevista para ser áspera, a centro-esquerdista Jeannette Jara e o ultradireitista José Antonio Kast retomaram a campanha após as eleições presidenciais do domingo (16), de olho no segundo turno de 14 de dezembro, quando se definirá qual deles governará o Chile.
Jara tem um duríssimo desafio, dada a somatória de votos das três candidaturas direitistas, que acumularam 50,3% dos sufrágios emitidos no domingo passado. Há também os 19,7 pontos obtidos pelo populista Franco Parisi, do Partido de la Gente (PDG), que, contra todos os prognósticos, terminou em terceiro lugar e cujos eleitores são uma mistura variada e complexa. Parisi venceu nas quatro primeiras regiões do norte, onde a atividade principal é a mineração e por onde ingressam os migrantes irregulares, setor que está no centro da contenda.
Jara retomou os discursos no modesto município de La Pintana, no sul da capital, onde obteve quase 31% das preferências, seguida por Parisi com 26,7%. Acompanhada da prefeita democrata-cristã Claudia Pizarro, a centro-esquerdista fez uma promessa aos moradores:
“Em meu governo, a segurança pública vai ser uma prioridade, não a partir do eslogan da mão dura, mas a partir da realidade. Vamos ter mais carabineros nas ruas, nas zonas populares onde há muito poucos”, assegurou. A insegurança está no cerne das urgências, ainda mais para os moradores de comunas pobres. Na noite de domingo (16), a oficialista fez um aceno aos eleitores de Parisi, afirmando que acolhia a proposta de eliminar o imposto de consumo de 19% sobre os medicamentos.
Segundo o analista Cristián Fuentes, “é um eleitorado volátil, sem fronteiras definidas. Tem os votantes do norte que são anti-imigrantes, mas há também gente de setores médios aspiracionais, individualistas. São antipolítica e antisistema, é difícil fazer aí um discurso geral.”
Fuentes acrescenta que “entre os votantes de Evelyn Matthei (da direita histórica e que no início da contenda era a clara favorita), Jara pode captar votos de mulheres porque Kast é amplamente conhecido como misógino”.
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Quanto ao segundo turno, “essa é outra eleição, mas a direita tem vantagem. Por melhor que seja a campanha de Jara, vai ser muito difícil”, adianta.
Kast viajou a La Araucanía, onde obteve 32,5 pontos e a primeira maioria, uma região marcada pelo conflito entre o povo Mapuche e o Estado — o que ele promete encerrar mediante o uso da força. Os Mapuche lutam para proteger o território ante a exploração de corporações extrativistas.
Congresso dominado pela direita
Na eleição parlamentar, o bloco de Kast — Cambio por Chile, com os partidos Republicano, Nacional Libertário e Social Cristão — alcançou 42 deputados, 27 a mais que na atual legislatura, o que os converte na principal força individual.
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Enquanto isso, Chile Vamos — a aliança histórica dos partidos União Democrata Independente (UDI), Renovação Nacional (RN) e Evolução Política (Evópoli) — passou de 53 deputados para apenas 34.
No Senado, que renovou metade das 50 cadeiras, Cambio por Chile elegeu seis e totalizou sete; enquanto Chile Vamos perdeu sete e ficou com 18. Esse avanço da direita sobre ambas as câmaras talvez seja o pior resultado para a esquerda frente aos próximos quatro anos.
“Chile Vamos tem que se repensar, está no chão e tem que mudar de nome, entre outras coisas, o piñerismo foi derrotado”, ressaltou o analista Fuentes, para quem “a direita está para voltar às suas bases, o que não é mais do que um neopinochetismo”.
“O Congresso será complexo, sobretudo a Câmara de Deputados, que estará muito fragmentada, com 14 parlamentares do PDG [Partido de la Gente], que podem ir para qualquer lado. Se o vencedor for Kast, afirmou que tudo o que puder será por decreto”, lembrou Fuentes.
O primeiro turno no Chile
Jara ganhou o primeiro turno da eleição presidencial no Chile, celebrada neste domingo (16), com 26,8% dos votos, impondo-se a Kast, que obteve 23,9% das preferências.
Foi um resultado muito mais estreito do que o previsto por analistas e pesquisas, o que augura um desfecho muito competitivo, talvez mais favorável à direita histórica, cujos aspirantes obtiveram altas votações e sobre os quais não se sabe com certeza como se comportarão no segundo turno.
“As primeiras graças quero dar a Deus, este é um primeiro passo, mas o mais importante é o que vem adiante: derrotar um governo fracassado. E dizemos ao crime organizado que as fronteiras serão fechadas, porque vamos além”, declarou Kast logo no início de seu discurso na noite do domingo (16).
A revelação da disputa dominical foi Franco Parisi, um economista populista que adotou como lema de campanha “nem fachos nem comunachos” e que, com zero presença na contingência política do país, chegou em terceiro. Há quatro anos, foi aspirante presidencial, competindo do exterior, por estar foragido dos tribunais de família. Seus eleitores serão decisivos no segundo turno.
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Johannes Kaiser, um ultradireitista cujo crescimento chamou a atenção nas últimas semanas, chegou em quarto, com 13,9% das preferências. A grande perdedora foi Evelyn Matthei, da direita histórica, pós-pinochetista, que terminou em quinto lugar, com 12,5%, um fracasso de grandes dimensões considerando que ela era favorita há seis meses, quando começou uma debacle às mãos de seus rivais ultradireitistas. Na noite do domingo (16), ela expressou seu respaldo a Kast, tal como exigiam os poderes fáticos empresariais que o reivindicaram por meses, diante da evidência de seu colapso eleitoral.
Enquanto isso, Jeannette Jara, no discurso de sua vitória provisória, se esmerou em convocar eleitores da direita e independentes que eventualmente poderiam apoiá-la no segundo turno. Ela se impôs em grandes municípios populares do país.
“Quero saudar especialmente aqueles que tiveram que enfrentar grandes problemas. Em primeiro lugar, Evelyn Matthei, que foi vítima de uma campanha horrível que se baseou em instalar mentiras, em desacreditá-la. Esses fatos na política não podem ser permitidos”, expressou, ao apelar aos eleitores da direitista.
“Quero saudar a surpresa da noite, Franco Parisi, quero felicitá-lo porque soube interpretar, com medidas radicais e inovadoras, um grande sentir cidadão, e é obrigação nossa escutar o povo”, enfatizou, invocando a inevitável busca de apoios.
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