Instalação de uma base militar no Equador seria fundamental para Trump, tanto para contrapor a presença da China e da Rússia na região quanto para, segundo analistas, atacar a Venezuela
O eleitorado do Equador rejeitou de forma esmagadora, neste domingo (16), em um referendo e consulta popular, as quatro propostas impulsionadas pelo presidente Daniel Noboa, entre elas a de estabelecer bases militares estrangeiras e mudar a Constituição atual.
Quase 14 milhões de equatorianos estavam habilitados para votar, em uma jornada de alta participação, superior a 80%, e sem incidentes graves, segundo o Conselho Nacional Eleitoral e a missão de observação da Organização dos Estados Americanos (OEA). Após conhecer os resultados, o mandatário andino aceitou a derrota: “respeitamos a vontade do povo equatoriano. Continuaremos lutando sem descanso pelo país que vocês merecem, com as ferramentas que temos”, afirmou em sua conta no X.
Noboa, que foi reeleito em abril e tem mandato até 2029, havia apostado fortemente nesta consulta depois que a Justiça bloqueou algumas de suas iniciativas mais polêmicas, como a castração química para estupradores ou a vigilância sem necessidade de ordem judicial, por considerá-las contrárias a direitos fundamentais. Os resultados mostraram uma tendência evidente ao rechazo das mudanças propostas por Noboa. O apoio ao “Sim” se concentrou unicamente na região central, integrada por Cotopaxi, Chimborazo, Pastaza e Tungurahua, enquanto no restante do país prevaleceu o “Não”.
Após a derrota, Noboa limitou-se a afirmar, via X: “Estes são os resultados. Consultamos os equatorianos e eles falaram […] respeitamos a vontade do povo equatoriano”. Na breve mensagem, garantiu ainda: “Nosso compromisso não muda; se fortalece […] lutando sem descanso pelo país que vocês merecem, com as ferramentas que temos”.
A resposta do progressismo
No percurso para o referendo, Noboa enfrentou a progressista Revolução Cidadã (RC), que denunciou o gasto “milionário” do Executivo em uma consulta que qualificou como uma “distração” para avançar na privatização da educação e da saúde, ressaltando que a atual Constituição é “garantista” e sustenta um Estado de direito que protege as minorias. O ex-presidente exilado Rafael Correa destacou o sufrágio como um “marco histórico” e celebrou que “a Constituição de Montecristi foi ratificada após 17 anos de vigência”.
Por sua vez, a duas vezes candidata presidencial do progressismo, Luisa González, comemorou o resultado nas redes sociais e afirmou: “Este triunfo não é dos partidos políticos; este retumbante “Não” a Noboa pertence aos equatorianos, que venceram o ódio que confronta um povo irmão e nos deixa dor e destruição”. “Ganhou a pátria! Hoje venceu a fé e a esperança de dias melhores. Hoje começamos a reescrever nossa história com paz e unidade”, acrescentou.
Racismo, ameaça fabricada, repressão: no Equador de Noboa, nasce um Pinochet
A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), junto a outras organizações sociais e sindicatos, também se manifestou contra a consulta. No final de outubro, a Conaie havia anunciado que levava seu confronto com o Executivo para a campanha pelo “Não”, após a greve contra a eliminação do subsídio ao diesel.
Os números
A votação ocorreu em meio a uma escalada de violência sem precedentes no Equador, atribuída ao avanço do narcotráfico. A declaração de conflito armado interno — e o consequente estado de exceção em grande parte do território —, a designação de grupos criminosos como organizações terroristas e as operações conjuntas entre o Exército e a Polícia, pilar da estratégia repressiva, não foram suficientes para reduzir a taxa de homicídios.
Além da instalação de bases militares estrangeiras e da reforma constitucional, também não prosperou a eliminação do financiamento estatal às organizações políticas: com quase 100% das urnas apuradas, os resultados foram os seguintes:
- Na primeira proposta do presidente Noboa, que fazia referência à eliminação da proibição constitucional de instalar bases militares estrangeiras, a rejeição foi de 60,55%. Em contrapartida, recebeu um apoio de 39,45;
- Na segunda pergunta, para eliminar a obrigação do Estado de destinar recursos do orçamento às organizações políticas, com uma reforma parcial da Constituição, o “Não” obteve 58,07%; por outro lado, o “Sim” chegou a 41,93;
- Na terceira pergunta, para reduzir o número de assembleístas, dos atuais 151 para um esquema que combinaria representantes nacionais e provinciais até totalizar 73, também foi rejeitada, com 53,47% dos votos pelo “Não” frente aos 46,53% pelo “Sim”.
- E para a quarta questão, a fim de instalar uma Assembleia Constituinte que permita redigir uma nova Carta Magna que substitua a atual, impulsionada por Rafael Correa (2007-2017) em 2008, 61,65% votaram pelo “Não”, e 38,35% pelo “Sim”.
Uma derrota para Trump?
A rejeição da maioria do eleitorado a todas as propostas da consulta marcou um duro revés para o ultradireitista Noboa. Porém, vários analistas geopolíticos concordam que, além da derrota para o governo equatoriano, o resultado envia uma mensagem ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tinha um interesse particular em instalar uma base militar no Equador. Isso lhe facilitaria uma forte influência no Pacífico oriental para contrabalançar a presença da China ou da Rússia. Inclusive, alguns apontaram que também facilitaria a tomada da Venezuela.
Nas últimas semanas, Noboa se reuniu com funcionários dos Estados Unidos para reforçar acordos migratórios, tarifários e de segurança, e acompanhou a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, em uma visita a uma base costeira que poderia abrigar pessoal militar estadunidense caso o resultado afirmativo tivesse ocorrido nesse referendo.

