Militante histórica, presidenta da Associação Mulheres pela Paz e indicada ao Nobel, Clara deixa um legado de dignidade, resistência e afeto que inspira gerações
Nota do editor: No dia 3 de novembro de 2025, nos despedimos de Clara Charf, exatamente um dia antes da data em que seu companheiro Carlos Marighella foi executado em uma emboscada, em 4 de novembro de 1969. O ciclo da luta e da memória se entrelaçam, unindo os dois em sua despedida — ela, com 100 anos de dignidade e resistência; ele, tombado aos 58, em plena juventude combativa.
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Hoje nos despedimos, com profunda tristeza, da companheira Clara Charf, que se foi aos 100 anos de idade. Clara, mulher de Carlos Marighella, viveu um século de luta incansável pela justiça social, pela democracia e por um mundo mais igualitário. Nos últimos anos, ela já estava mais fragilizada, em cadeira de rodas e um pouco distante, mas a sua trajetória foi de uma força e de uma amizade inestimável.
Clara foi mais do que uma militante histórica; ela foi uma amiga muito querida. Fica aqui a nossa homenagem, a nossa saudade e o nosso compromisso de manter acesa a memória da sua luta e do seu exemplo.
Clara e a luta contra a ditadura e pelos direitos das mulheres
Clara Charf teve um papel fundamental na resistência à ditadura militar e na construção da democracia brasileira. Lutou contra a repressão ao lado de Carlos Marighella e enfrentou o exílio, sem nunca abandonar seus ideais.
Mas Clara também foi protagonista nas lutas feministas e pacifistas. Presidiu a Associação Mulheres pela Paz, um movimento que articulava mulheres em defesa da justiça social, dos direitos humanos e da não violência. Esse trabalho lhe rendeu reconhecimento internacional: Clara foi uma das mil mulheres de todo o mundo indicadas coletivamente ao Prêmio Nobel da Paz em 2005, como símbolo da luta silenciosa e perseverante das mulheres pela paz. Foi uma honra merecida e um testemunho do alcance de sua atuação.

Um legado de dignidade e coerência
Seu legado é o de uma vida inteira dedicada à justiça, à igualdade e à liberdade. Clara Charf simboliza a coragem de quem resiste sem perder a ternura. Deixa como herança o compromisso com a memória, com a verdade histórica e com o protagonismo das mulheres na transformação do mundo.
O fato de ter sido indicada ao Nobel da Paz junto a outras mulheres é uma prova de que sua ação ultrapassou fronteiras. Ela acreditava que a paz verdadeira só se constrói com justiça social, e é essa visão que inspira gerações até hoje.
Uma vida de luta e afeto
Clara era uma mãezona. Do tipo que acolhe, que cuida, que abraça — mas também que orienta, que puxa pela coragem. Era uma mulher doce, mas de convicções muito firmes. Não é fácil ser companheira de um combatente como Carlos Marighella. Eles formavam uma dupla de luta, de sonho e de enfrentamento. E não é fácil, tampouco, viver na clandestinidade, longe de casa, da rotina, com medo constante de uma batida ou de uma prisão. Ela enfrentou tudo isso com altivez e solidariedade.
Mesmo nos anos mais duros do exílio, Clara manteve a dignidade e o senso de missão. Mais do que uma militante, ela era aquela que dava estrutura emocional ao entorno. Era uma mulher que cuidava das pessoas ao seu redor, mas também puxava todas e todos para a luta. Uma liderança silenciosa, mas indispensável. O Brasil teve o privilégio de contar com uma mulher como ela.
As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

