A Organização das Nações Unidas (ONU) se prepara para uma importante reorganização. O motivo alegado era a falta de fundos, mas no fim de setembro somou-se a isso a revogação do visto do presidente colombiano Gustavo Petro pelo governo dos Estados Unidos, o que o impede de entrar no país — sede, até agora, da ONU.
A Colômbia exigiu que o órgão considere mudar sua base para um país “completamente neutro”. Mas esse não é o único problema. O maior é que os países não estão realizando suas contribuições, e a organização poderá ficar sem dinheiro em poucos meses. A solução que está sendo considerada é um ajuste impressionante, que incluiria a transferência dos escritórios das Nações Unidas de Nova York ou Genebra para Nairóbi, no Quênia.
A preocupação com o ajuste que se aproxima ficou evidente no Dia do Trabalhador, em maio, quando cerca de 500 funcionários foram às ruas em Genebra, outra das cidades em que a ONU poderá fechar escritórios. Segundo a imprensa queniana, Nairóbi já se prepara para receber parte do pessoal da ONU até o fim de 2025.
Outro fator é que os Estados Unidos e a China “estão empurrando o organismo à beira do colapso financeiro”.
Em maio, a ONU anunciou um corte de 600 milhões de dólares em seu orçamento de 3,7 bilhões de dólares, com o objetivo de evitar o déficit neste ano. O plano incluiu o congelamento de contratações e uma economia adicional que diplomatas ocidentais descrevem como uma “transferência de postos de Nova York para Nairóbi”. Mas isso não seria suficiente, segundo o The Economist.
Por isso, uma mudança mais profunda incluiria a reorganização das dezenas de agências da ONU, que passariam a ser reunidas em quatro departamentos principais: paz e segurança, assuntos humanitários, desenvolvimento sustentável e direitos humanos. Uma das opções é fundir em uma única agência as operações do Programa Mundial de Alimentos, UNICEF, Organização Mundial da Saúde e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Os problemas de financiamento são graves, já que os países-membros contribuem cada vez menos com a ONU. A administração de Donald Trump, por exemplo, planeja cancelar toda a sua contribuição destinada à manutenção da paz. Isso representa 22% do orçamento total da organização. Por outro lado, as Nações Unidas têm cada vez mais trabalho, já que o Conselho de Segurança multiplica seus mandatos.
O Escritório de Assuntos Humanitários (Ocha) já anunciou que vai cortar 20% de seu quadro de pessoal. A UNICEF prevê reduzir seu orçamento em 20%, enquanto a Organização Internacional para as Migrações (OIM) projeta um corte de 30% em seu orçamento, o que afetará 6 mil postos de trabalho.
Mas nada será feito sem o acordo dos 193 países-membros. António Guterres não é o chefe da ONU, como ele gosta de lembrar; é o chefe da administração encarregada de aplicar as decisões dos países-membros, em especial as decisões do Conselho de Segurança.
O jornal queniano Kenyans destacou em março que a ONU está relocalizando programas-chave em Nairóbi, em uma importante iniciativa de redução de custos. Em meados de março, lembra o diário, Guterres declarou que transferir programas de locais caros como Viena, Genebra e Nova York para Nairóbi era uma das formas que as Nações Unidas estavam buscando para reduzir custos e melhorar a eficiência. Segundo Guterres, a ONU já vem trabalhando para fortalecer seu centro de operações em Nairóbi.
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O Complexo das Nações Unidas em Nairóbi (UNON) é a única sede da ONU na África e o maior de todos os complexos das Nações Unidas no mundo. Abriga as sedes mundiais de dois importantes programas da ONU: o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o Programa da ONU para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). O complexo da ONU em Nairóbi também acolhe uma ampla gama de outras agências, fundos e programas das Nações Unidas com presença no Quênia e na região.
A transferência incluirá duas importantes divisões das Nações Unidas: o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
A denúncia da Colômbia
Ainda em setembro, a Chancelaria colombiana repudiou a revogação do visto do presidente Petro pelos Estados Unidos e propôs à ONU considerar a mudança de sua sede. “Limitar a entrada em um país por razões vinculadas a uma opinião pública se afasta do padrão internacional”, afirmou em comunicado, no qual sugeriu que seja a própria ONU a encarregada de emitir as autorizações de ingresso no território “desse novo Estado-sede, em conformidade com o direito internacional”.
As Nações Unidas, com sede em Nova York, são um “espaço que outorga aos representantes dos países-membros o direito de recorrer ao governo de outro país membro-interlocutor para a solicitação e aprovação de um visto oficial […] garantindo a liberdade de expressão e a completa independência no desempenho de suas funções, bem como a imunidade de procedimento judicial em relação a expressões orais ou escritas”, destacou o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia ao manifestar seu repúdio à decisão dos EUA de revogar o visto do presidente Gustavo Petro.
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A Chancelaria colombiana lembrou que a ONU funciona sob o Acordo de Sede, que obriga o país anfitrião — neste caso, os Estados Unidos — a garantir o acesso dos representantes dos Estados-membros. “Em consequência, negar ou revogar um visto — como arma diplomática — atenta contra o espírito da Carta de 1945, que prevê uma participação ‘in situ’ (no local) com a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, sem consideração de fronteiras”, argumentou também a Chancelaria colombiana, que sugeriu a possibilidade de avaliar a transferência da sede da ONU.
O órgão também vinculou a retirada do visto à posição de Petro sobre a Faixa de Gaza, ressaltando que “erguer a voz para denunciar fatos que afetam a população palestina não pode ser interpretado como um ato contrário ao direito, mas sim como uma obrigação moral e política diante de possíveis violações graves do Direito Internacional Humanitário e dos direitos humanos dessa população”.

“Em caso contrário, seria imprescindível buscar um país-sede completamente neutro que permita — independentemente de suas relações bilaterais, posições políticas e ideológicas — à própria Organização ser a responsável por emitir uma autorização para o ingresso no território desse novo Estado-sede”, afirma o comunicado.
O documento igualmente destaca que o Acordo de Sede de 1947 obriga os Estados Unidos a garantir a entrada das delegações estatais nessas instâncias. “O que o governo dos EUA faz comigo rompe todas as normas de imunidade sobre as quais se baseia o funcionamento das Nações Unidas e de sua Assembleia Geral. Há total imunidade para os presidentes que participam da Assembleia, e o governo dos EUA não pode condicionar à opinião dos Estados Unidos”, escreveu Petro em sua conta na rede social X.

