Realizada em Belém, a COP30 pode ser lembrada como o lugar em que o Sul Global se levantou para exigir cooperação real e uma nova ética de responsabilidade compartilhada
A coluna Café com Vodka é produzida pelo Centro de Integração e Cooperação entre Rússia e América Latina no Brasil (CICRAL Brasil), em parceria com a Diálogos do Sul Global
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No mês de novembro, Belém será o epicentro do debate climático mundial. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em sua 30ª edição, a COP30, não é apenas um marco simbólico para a Amazônia: é a oportunidade histórica de o Brasil e o Sul Global mostrarem ao mundo que a transição energética justa não é apenas possível, mas indispensável.
O pano de fundo é cada vez mais dramático. Há algumas semanas, novas enchentes voltaram a assolar o Rio Grande do Sul, deixando milhares de desabrigados. No extremo oposto, a estiagem na região amazônica já compromete o transporte fluvial e a vida cotidiana das populações ribeirinhas. Esses eventos extremos deixam claro: a emergência climática não é um prognóstico, mas uma realidade.
Precisamos compreender que “crise climática” não é um slogan de ativismo ecológico, mas um diagnóstico de uma crise que é, antes de tudo, humanitária. Ela é também social, econômica e cultural, escancarando as desigualdades, uma vez que afeta principalmente os mais vulneráveis. Por isso, lutar a favor do meio ambiente exige coragem para mudar as formas de produzir, consumir e, em última análise, viver.
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Em 1995, quando ocorreu a primeira COP, em Berlim, cujo objetivo era tomar medidas a longo prazo que mitigassem o efeito estufa, a preocupação voltava-se para o risco de sobrecarga dos ecossistemas até um ponto sem retorno. Hoje já sabemos: esse ponto não é apenas ambiental, mas humano. Os chamados “refugiados climáticos” são prova disso.
Com cenários ambientais cada vez mais extremos, cresce cada vez mais o número de pessoas obrigadas a abandonar suas casas por conta de desastres naturais; muitos deles causados pela ação humana, seja ela indireta — como consequências ligadas ao aquecimento global — ou diretas — como o caso que assistimos desde 2018 na cidade de Maceió, em que a mineração inadequada de sal-gema pela Braskem ocasionou um processo de subsidência do solo, com afundamento de bairros inteiros, comprometendo ruas, imóveis e infraestrutura urbana e levando ao deslocamento de mais de 60 mil pessoas.
Brasil, exemplo na COP30
Apesar do cenário, o Brasil chega à COP30 com credenciais importantes. Segundo o Balanço Energético Nacional 2024, quase metade da matriz energética brasileira (49,1%) já é renovável — um contraste evidente com países do Brics ainda altamente dependentes de fósseis, como a Rússia (94%) e a África do Sul (97%). Mas a liderança verde brasileira não deve se restringir a percentuais: é preciso assumir também o papel político de articulador do multilateralismo climático.
O Brics+, ampliado com a entrada de grandes produtores de petróleo como Arábia Saudita e Irã, carrega uma contradição óbvia: como avançar na descarbonização com sócios tão dependentes de combustíveis fósseis? Aqui, a força do bloco dependerá da capacidade de superar interesses imediatos e alinhar agendas diversas.
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Como lembrou o presidente Lula na cúpula de Joanesburgo, não haverá transição justa sem financiamento justo. Os 100 bilhões de dólares prometidos por países ricos em 2009 continuam existindo apenas no papel; e, sem eles, os países mais pobres seguirão sufocados por dívidas e pela injustiça climática.
A COP30 será, portanto, mais do que um encontro técnico sobre metas de carbono ou NDCs (as contribuições nacionalmente determinadas de cada país): ela será um teste da solidariedade internacional. O Brasil pode liderar pelo exemplo, mostrando que é possível reduzir o uso de combustíveis fósseis, expandindo o uso dos meios renováveis de geração de energia, mas também precisa pressionar por mecanismos que acolham os mais vulneráveis, inclusive os deslocados climáticos.
A emergência climática já não permite discursos vazios. O planeta pede coragem. Belém pode ser lembrada como o lugar em que o Sul Global se levantou para exigir justiça climática, cooperação real e uma nova ética de responsabilidade compartilhada.
