Encabeçados pelo movimento indígena do Equador, os protestos e greves buscam reverter medidas econômicas que asfixiam a população; Noboa, por ora, opta por manter a resposta violenta e repressiva
A greve nacional indígena do Equador parece encaminhar-se para um terreno que o círculo de poder econômico que governa o país, liderado por Daniel Noboa, reluta em aceitar: o diálogo e a inclusão.
A Igreja Católica, algumas universidades, círculos políticos e até empresariais pressionam pela abertura de um diálogo para alcançar um acordo que ponha fim às mobilizações das comunidades de povos autóctones lideradas pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Por sua vez, as próprias organizações indígenas têm-se mostrado abertas a essa opção — e inclusive a exigem.
No entanto, o governo mantém silêncio. O diálogo e a participação social não têm sido sua prática nos dois anos em que está no poder. Não está preparado para o exercício desse recurso. Tampouco há interlocutores no gabinete de Noboa. Todas as suas decisões e ações têm sido marcadas pela imposição, sustentada, em alguns casos, no apoio que a Polícia e as Forças Armadas lhe devem por mandato constitucional e, em outros, pela maioria de que dispõe na Assembleia Nacional.
Sentar-se a uma mesa de diálogo significaria, para Noboa, admitir que está em questão sua decisão de suspender o aumento no preço do diesel — cuja revogação é exigida pelos povos indígenas e que motivou a deflagração da greve por tempo indeterminado. Noboa, porém, afirmou que a medida é irreversível. Além disso, trata-se de um dos muitos ajustes que o Fundo Monetário Internacional (FMI) impõe ao Equador, ainda que o atual mandatário justifique a decisão como uma forma de conter o contrabando desse combustível para o Peru e a Colômbia, onde o preço é mais alto.
O diálogo também abriria espaço para outras demandas que o movimento indígena vem acrescentando paulatinamente: tirar da crise os serviços públicos de saúde e educação, frear o processo de privatização do sistema de seguridade social e suspender projetos de mineração executados por algumas transnacionais que causam alta contaminação da água.
Esse cenário torna-se ainda mais complicado para o governo à medida que os dias passam. O cardeal da Igreja Católica, Luis Cabrera, afirmou que por trás dos protestos indígenas está a paupérrima situação em que se encontram amplos setores pobres das cidades e do campo. O prelado apresentou números dramáticos sobre a pobreza nas camadas populares de Guayaquil: das 161 paróquias sob sua diocese, 122 estão mergulhadas na pobreza, com habitantes que sobrevivem com apenas uma refeição por dia, e poucas crianças frequentam a escola.
Conaie encabeça a mobilização
O movimento indígena passou das demandas econômicas e sociais às políticas. A Conaie pede a suspensão do processo empreendido por Noboa que visa criar uma nova constituição e enterrar a versão progressista conquistada em 2008 — torpedeada pela direita desde o dia em que entrou em vigor. O mandatário convocou o povo a se pronunciar sobre o tema em uma consulta popular marcada para 16 de novembro próximo — questão que está polarizando o país e cujo desfecho é de grande importância.
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Em seu afã de consolidar o modelo neoliberal, Noboa começou disputando as ruas com as organizações populares urbanas e com o movimento indígena. Como parte dessa estratégia, organizou marchas massivas de apoio em Quito e Guayaquil contra a Corte Constitucional, onde se discutia a constitucionalidade de algumas leis promulgadas pelo governante, que legalizavam o autoritarismo.
Não obstante, as mobilizações de setores populares e indígenas se fortaleceram. Embora não tenham a dimensão das de 2019 e 2022, permanecem ativas há duas semanas, desde o início da greve nacional das comunidades autóctones.
Seus dirigentes afirmaram que passaram à resistência, na medida em que Noboa não atende às suas demandas. Assim se expressaram o atual presidente da Conaie, Marlon Vargas, e os ex-titulares da organização, Humberto Cholango e Leonidas Iza. Essa tática não é nova entre os povos autóctones do Equador. Os protestos de 2019 duraram 11 dias; os de 2022, 16. Cada um deles deixou um saldo de mortos, feridos e detidos. A greve atual, até o momento, contabiliza um morto e mais de uma centena de detidos. Resistir é parte da cultura indígena: sobreviveram por mais de 500 anos — primeiro ao colonialismo espanhol e depois à exclusão e à servidão impostas pelos mestiços.
Nova estratégia
Mas há uma nuance em sua tática: seus protestos brotam aqui e ali, tanto na região andina quanto na amazônica do país. Não optaram por marchar rumo a Quito, como nas duas mobilizações anteriores. Essa mudança tática desnorteou o presidente Noboa. O mandatário transferiu seu governo para Latacunga, a 90 km ao sul da capital, tendo em mente o precedente das mobilizações anteriores, que cercaram a sede do governo. O governante chamou essa fuga de “presença em território”, até que, finalmente, viu-se obrigado a retornar a Quito.
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De todo modo, o mandatário equatoriano percorre o país distribuindo dádivas para dividir o movimento indígena. Protegem-no caravanas de soldados e policiais, que não foram suficientes para evitar incidentes como o ocorrido na província de Cañar, onde manifestantes lançaram pedras contra a comitiva presidencial. Além disso, ele judicializa os protestos, rotulando seus participantes de “terroristas” e impondo estado de exceção nos locais onde o descontentamento emerge.
Noboa sofreu reveses no campo judicial, quando a Corte Constitucional vetou decretos que institucionalizavam o uso da polícia e das forças armadas como instrumentos de apoio ao autoritarismo do mandatário, que justifica sua estratégia pela necessidade de combater a crescente insegurança gerada pelo narcotráfico.
A mídia alinhada ao governo de Noboa adverte que a demora em instaurar o diálogo entre o governo e os indígenas traz o risco de que ocorram fatos graves.
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Jornalista. Mestre em Comunicação Social. Universidade Andina Simón Bolívar, Equador. Licenciado em Ciências da Informação. Universidade Central do Equador. Docente da Faculdade de Comunicação da Universidade Internacional SEK, em Quito. Professor da disciplina Jornalismo Informativo na Faculdade de Comunicação da Universidade das Américas, em Quito. Docente da Faculdade de Comunicação da Universidade Central do Equador. Presidente da Associação da Imprensa Estrangeira do Equador. Presidente do Colégio de Jornalistas de Pichincha.

