No início de outubro, após 15 dias de paralisação nacional popular no Equador, as possibilidades de diálogo entre o governo de Daniel Noboa e a diretoria da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) se fecharam, e a ameaça de maior repressão escalou com uma nova declaração de estado de exceção em 12 províncias.
Até 5 de outubro, mais de 150 pessoas haviam sido detidas. Um camponês foi assassinado. Mais de 100 cidadãos foram feridos. E foram registrados mais de 50 bloqueios em diferentes regiões do país, que se ativam ou desativam conforme a força policial entra ou sai dessas áreas.
Diversos organismos de defesa dos direitos humanos denunciaram que a maioria das detenções foi arbitrária e que os processos legais foram violados para acusar os manifestantes de terrorismo.
Há pouco mais de uma semana, durante uma reunião com camponeses na região central da serra equatoriana, Marlon Vargas, presidente da Conaie, advertiu o governo: “A paciência vai se esgotar, senhor presidente”. Vargas recordou os episódios em que ex-presidentes como Abdalá Bucaram, Jamil Mahuad e Lucio Gutiérrez deixaram o poder após fortes mobilizações sociais, e advertiu o atual governo de que pode enfrentar uma situação semelhante se não ouvir as demandas populares.
Após a declaração, o ministro do Interior, John Reimberg, advertiu Vargas, para que não tente entrar em Quito. “Não se engane, este não é o Equador de 2019 ou 2022. Agora há um governo firme, e vamos defender Quito”, afirmou.
Acordo de Lasso
Enquanto isso, outros aliados do Executivo apontaram a possibilidade de uma intervenção militar estrangeira em caso de desestabilização política. “Existe um acordo militar que permite às forças armadas dos Estados Unidos ingressar no Equador se a democracia estiver ameaçada; foi assinado no governo anterior”, declarou Carlos Jijón, ex-secretário de Comunicação do ex-presidente Guillermo Lasso, em um canal local.
Os acordos militares não são totalmente conhecidos e, segundo a declaração de Jijón, essa possibilidade abriria uma investigação legislativa na Assembleia Nacional, como destacaram alguns parlamentares da oposição.
Inclusive, o presidente Daniel Noboa ameaçou prender os manifestantes caso as mobilizações cheguem a Quito. “Ninguém pode vir tomar à força a capital de todos os equatorianos. Aos que escolhem a violência, a lei os espera. Aos que agem como delinquentes, serão tratados como tal”, escreveu em sua conta na rede X.
E o mandatário não parou por aí: para neutralizar o protesto popular, Noboa voltou a adotar medidas econômicas consideradas clientelistas. Na mesma rede social, afirmou: “Reduziremos o IVA para 8% durante os feriados de 9 de outubro e de 2 e 3 de novembro, porque este país não vai ser paralisado em razão de uns poucos que perderam o negócio do contrabando e da mineração ilegal.”
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“Para fomentar a economia local, em 14 de novembro pagaremos o 13º salário aos funcionários públicos, para que as famílias tenham mais dinheiro durante a Black Friday e a Cyber Monday. Convidamos a iniciativa privada a se somar a esta medida.”
Demandas indígenas
Os dirigentes da paralisação popular reforçam que, para encerrar os protestos, o governo deve revogar o decreto que aumentou o preço do diesel de 1,80 para 2,80 dólares, alteração que provocou uma alta nos preços dos produtos de primeira necessidade e nas tarifas de transporte nas zonas rurais e camponesas — já que, nas áreas urbanas, essas tarifas foram congeladas após a bonificação de cerca de mil dólares mensais concedida por Noboa a dezenas de milhares de transportistas, benefício que será mantido até dezembro.
Além disso, a Conaie tem insistido em retirar o aumento do IVA para 15%, revogar os decretos que eliminaram os subsídios aos combustíveis, abastecer os hospitais públicos com medicamentos e oferecer atendimento adequado aos pacientes, bem como adotar políticas claras para reduzir as demissões em massa e o trabalho precário.
Em comunicado divulgado em 5 de outubro, a organização indígena afirmou: “Noboa aprofunda sua política de guerra com o decreto que declara estado de exceção nas províncias mobilizadas. Sob o discurso da ‘ordem’, o governo desencadeou uma repressão sistemática contra aqueles que exercem seu direito constitucional à resistência.”
Caravana de Noboa vira alvo
Em 7 de outubro, a caravana presidencial de Daniel Noboa foi repelida por comuneros indígenas na província de Cañar, no 16º dia da paralisação geral convocada por diversas organizações sociais. Os veículos de segurança e do mandatário andino ficaram com os para-brisas estilhaçados e com a carroceria amassada pelos impactos de pedras e outros objetos.
Noboa se dirigia a Sigsihuayco, uma comunidade rural do município de El Tambo, para inaugurar uma estação de tratamento de águas residuais e esgoto. Ao mesmo tempo, as comunidades da região haviam se mobilizado para protestar contra a presença do presidente equatoriano e bloquearam várias vias de acesso. Como se observa nas imagens divulgadas nas redes sociais, a caravana foi interceptada por um grupo de cerca de 500 pessoas que lançaram pedras. Porta-vozes oficiais afirmaram ainda que os veículos receberam disparos, mas isso não aparece nas imagens divulgadas pela Presidência. Segundo a Polícia, ao todo, oito carros foram danificados, com prejuízos nos para-brisas.
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Policiais e militares lançaram bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral para dispersar as manifestações nessa região, como já haviam feito nas últimas duas semanas em mais de 50 pontos onde ocorreram bloqueios e protestos de comuneros, convocados pela Conaie após o aumento do diesel.
Diante do ataque, a ministra de Energia e Meio Ambiente, Inés Manzano, apresentou denúncia à Promotoria-Geral do Estado por tentativa de assassinato. “Antes de chegar ao estádio, cerca de 500 pessoas começaram a lançar pedras. Além disso, observam-se sinais de impactos de bala no veículo do presidente”, declarou a jornalistas em frente às instalações da Promotoria.
Fontes policiais também confirmaram a detenção de cinco pessoas, que serão processadas pelos supostos crimes de terrorismo e tentativa de assassinato do presidente da República.
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