Dania, de 5 anos e vítima de paralisia, é uma das pacientes do hospital de Al-Wafa, onde pacientes e profissionais de saúde sofrem, juntos, as consequências dos bombardeios e da fome em Gaza
No coração de uma cidade em guerra, o hospital de reabilitação Al-Wafa luta para sobreviver. Este lugar de cura e recuperação transformou-se agora em um espaço sitiado por um cruel sofrimento.
Não se deixem enganar pela propaganda militar israelense que afirma que este “edifício não funciona atualmente como hospital” — uma afirmação convenientemente divulgada pelo The Jerusalem Post em dezembro de 2024, quando o exército israelense tentava desviar as críticas à sua decisão de bombardear o hospital. Muitas fontes confiáveis verificam quão absurda é esta informação, desde as imagens feitas pelos fotojornalistas da Getty após o bombardeio até o apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que Israel ponha fim aos ataques contra este e outros hospitais em Gaza.
De março a maio de 2025, vivi entre as paredes do hospital como cuidadora da minha mãe. Fui testemunha da dor que Al-Wafa abrigava em seus quartos e em outros locais. Das crianças aos idosos, cada paciente carrega sua própria e devastadora lesão. Quando voltei ao hospital três meses depois como convidada, observei quão abarrotado estava, com inúmeros pacientes em busca de tratamento. Entrevistei a equipe médica e os pacientes feridos. Esta é a história de um hospital levado ao limite e dos pacientes que continuam resistindo e sobrevivendo em seu interior.
O ambiente do hospital está agora mais sufocante do que antes. Para onde quer que se olhe, vê-se alguém sofrendo. As camas estão cheias de pequenos corpos de diferentes idades e gêneros. Ninguém consegue andar — todos estão sentados em cadeiras de rodas devido às lesões que os deixaram paralisados. Poder caminhar enquanto todos ao seu redor não podem é emocionalmente angustiante e solitário.
“Não podemos oferecer o mínimo indispensável aos pacientes”, diz o doutor Wael Khalif, diretor do hospital Al-Wafa. O centro está ficando sem material médico, desde agulhas a dispositivos cirúrgicos. O doutor Khalif descreve a situação vivida por um grande número de pacientes em lista de espera para receber atendimento no único hospital de reabilitação ainda em funcionamento em Gaza: “Há 100 pacientes urgentes que precisam de um leito, enquanto outros 400 ou 500 também aguardam para serem internados”.
Fome: dos pacientes à equipe médica
Khalif destaca as consequências catastróficas da fome dentro do hospital. “Até mesmo pessoas saudáveis estão lutando para suportar a fome e a falta de alimentação adequada, então imagine o que está acontecendo com os pacientes que padecem de enfermidades graves”, afirma. Muitos pacientes não podem receber sequer uma refeição por dia. “Desde que começou o período de fome, nos vemos impotentes para oferecer alimentos aos nossos pacientes”, acrescenta.
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E não são apenas os pacientes que enfrentam a fome: o próprio corpo médico tampouco pode suportar tamanho sofrimento. Estão esgotados, sobrecarregados e não conseguem mais prestar atendimento aos pacientes. “Muitos membros da equipe de enfermagem têm enjoo enquanto cumprem suas funções no hospital”, relata Khalif.
Essa catástrofe afeta profundamente os enfermeiros. Seus corações se partem em mil pedaços ao ver seus pacientes morrendo de fome e pela falta de cuidados adequados. “Eu gostaria de poder oferecer comida, mas não posso sequer dar a mínima quantidade”, diz Wesam Al-Shawa, enfermeira de 26 anos do hospital Al-Wafa. Ela parece completamente impotente, e noto o esgotamento em seus olhos enquanto fala.
A fisioterapeuta do hospital também trabalha sob enorme pressão. “Recebemos entre 60 e 75 pacientes por dia”, conta a doutora Samah Awida, fisioterapeuta de Al-Wafa. Esse número altíssimo de pacientes que solicita sessões de fisioterapia impôs uma carga severa sobre a equipe médica — e a situação continua a piorar.
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Para tornar as condições ainda mais insuportáveis, os pacientes que chegam à etapa final da recuperação provavelmente acabarão vivendo em uma tenda de campanha, com nada além de um chão inabitável e um pequeno espaço para dormir — e, com sorte, acesso a um banheiro. “Nossos esforços são em vão quando os pacientes acabam morando em uma barraca”, explica Awida.
5 anos e um corpo dilacerado
Em meio a esses sistemas colapsados, há uma menina com uma história que nunca deveria existir: Dania Amara.
Dania, de cinco anos, é uma das pacientes. Ficou ferida enquanto brincava com outras crianças, no dia 7 de julho de 2025. “Estava com o corpo coberto de sangue”, lembra a mãe de Dania. Ela sofreu ferimentos por todo o corpo — pequenos fragmentos de estilhaços rasgaram seu corpo provocando paralisia nos membros. “Por que Israel me atacou? Eu só estava brincando”, pergunta Dania à mãe enquanto a entrevisto.
Em 18 de agosto, quando falei com ela, era o 40º dia de Dania no hospital. Ela sonha em voltar para casa com os irmãos, voltar a andar, pintar e desfrutar de refeições adequadas. “Minha filha agora está incapacitada por um pedaço de estilhaço”, diz a mãe.
Dania é como qualquer outra criança — cheia de inocência e vida —, mas Israel lhe roubou essa normalidade e virou seu mundo de cabeça para baixo.
“Ela bate nas pernas e implora para que voltem a andar como antes”, soluça sua mãe, com os olhos cheios de lágrimas. A lesão de Dania mudou sua vida para sempre, e ela é apenas uma entre milhares que sofrem como ela — a maioria sem documentação ou reconhecimento.
Recuperar a autonomia, resistir ao genocídio
Só nos hospitais de Gaza é possível ver como a infância está sendo roubada pelos crimes de guerra.
Além da reabilitação física, o departamento de terapia ocupacional enfrenta silenciosamente seus próprios obstáculos.
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Enquanto as sessões de fisioterapia ajudam os pacientes a se recuperarem e, potencialmente, voltarem a andar, a terapia ocupacional os ajuda a voltarem a viver. Esse departamento ensina os pacientes a serem totalmente independentes — a segurarem colheres, pentearem os cabelos, vestirem-se sozinhos e cuidarem de outras necessidades sem ajuda. “Fazemos todo o possível para devolver a vida aos nossos pacientes”, afirma Basam Alwan, terapeuta ocupacional.
Hadeel Qriaqa, de 27 anos, é uma das muitas pacientes que lutam para reconstruir a vida em Al-Wafa. Ela sofreu um grave traumatismo craniano durante um ataque à sua casa em março de 2025. Desde então, perdeu grande parte da memória e a capacidade de falar.

Agora, participa ocasionalmente de sessões de terapia ocupacional com o doutor Alwan, que busca ajudá-la a reaprender habilidades básicas da vida diária e recuperar certa independência.
O hospital de reabilitação Al-Wafa e sua equipe médica demonstram uma imensa capacidade de resistência em meio à guerra. Apesar de todas as dificuldades que enfrentam, continuam lutando para manter seu trabalho vivo após dois anos de genocídio. O mundo não pode continuar ignorando seu sofrimento.
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Artigo foi publicado originalmente em Truthout.
