O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou nesta terça-feira (23), diante dos 193 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), que essas nações “estão indo para o inferno” por causa da imigração descontrolada e da “mentira” da mudança climática, e insistiu que só podem se salvar se trabalharem com os Estados Unidos.
“Em sete meses coloquei fim a sete guerras”, afirmou em seu discurso de mais de uma hora no 80º período da Assembleia Geral da ONU, realizada esta semana em sua sede, às margens do East River, em Nova York.
“Que pena que tive de fazer isso em vez das Nações Unidas. Infelizmente, a ONU não fez nada.” E acrescentou: “Tudo o que consegui do organismo mundial foi uma escada rolante que parou no meio e um teleprompter que não funcionava”, em referência a falhas nos equipamentos ao pronunciar sua mensagem.
Guterres, Baerbock e Lula defendem ação climática e unidade
Trump subiu ao pódio após os discursos do secretário-geral, António Guterres; da presidenta da Assembleia Geral, Annalena Baerbock; e do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que fizeram apelos apaixonados à unidade mundial para enfrentar a mudança climática, a pobreza e a desigualdade globais, bem como as guerras em Gaza e na Ucrânia.
Com sua mensagem, explícita e diretamente oposta à dos primeiros oradores — que, em essência, expressavam o consenso da esmagadora maioria da ONU —, o presidente estadunidense se congratulou por seus êxitos internos e internacionais, incluindo o envio de tropas às ruas da capital e as medidas antimigração em escala nacional. Mais uma vez, sugeriu que merecia o Prêmio Nobel da Paz.
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Venezuela, Brasil, Gaza e Irã: ameaças
Em seus únicos comentários sobre a América Latina, Trump justificou o bombardeio de lanchas que, segundo ele, transportavam drogas na costa da Venezuela — ação que Lula havia acabado de qualificar como violação do direito internacional — e advertiu todo “terrorista” que tente levar “veneno” aos Estados Unidos: “vamos apagá-lo da existência”.
Além disso, atacou a “perseguição” judicial contra Jair Bolsonaro, e agregou que “Brasil está mal e continuará estando mal. Só melhoraria quando trabalhasse com os Estados Unidos”. Contou que havia se encontrado com Lula no corredor antes de subir ao pódio, que se abraçaram e tiveram “excelente química”, e anunciou que combinaram uma reunião presencial na semana seguinte.
“Qual é o propósito das Nações Unidas?”, perguntou antes de responder: “Pronunciar palavras ocas, e palavras ocas não resolvem guerras”. Também afirmou que sua decisão de se somar a Israel no bombardeio ao Irã havia levado à resolução do conflito entre os dois países (uma conclusão que eles próprios não compartilhavam) e acusou o Hamas de ser o obstáculo a um cessar-fogo em Gaza, sem atribuir qualquer responsabilidade a Israel.
Na sequência, dirigiu um ataque direto à grande maioria dos governos presentes: “Como se quisessem mais conflito, alguns aqui estavam agora tentando reconhecer um Estado palestino”. Disse que, “em vez de ceder ao Hamas, aqueles que desejam a paz deveriam exigir a devolução dos reféns”. No entanto, mais tarde, se reuniu com líderes árabes para tentar resgatar as possibilidades de um cessar-fogo.
Ucrânia e Otan: pressão sobre Europa e sanções à Rússia
O presidente estadunidense elogiou seus próprios esforços para acabar com a guerra na Ucrânia, mas admitiu que a paz foi mais difícil de alcançar do que previa. Criticou os europeus por pedirem mais sanções contra a Rússia enquanto continuavam comprando gás de Moscou. Em uma das poucas reuniões bilaterais do dia, se encontrou com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e pouco depois surpreendeu a todos com uma mensagem em redes sociais aconselhando os países da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) a derrubarem drones russos que sobrevoassem seus territórios.
Análise do discurso: Trump transforma Brics em alvo central das ameaças e coloca Venezuela na mira
Concluiu dizendo que a Ucrânia, com apoio europeu, poderia reconquistar todo o território perdido para a Rússia desde 2014, algo que especialistas consideram impossível. Não se sabe se essa guinada inesperada foi uma manobra de negociação ou algo real.
Trump também se reuniu com o presidente argentino, Javier Milei, cuja prioridade na ONU era buscar apoio dos EUA para resgatar a economia de seu país. O chefe da Casa Branca comentou que seu governo ajudará a Argentina, mas não considera necessário um resgate financeiro, segundo a Reuters.
Eixos do discurso: migração e mudança climática como alvos
A solução para todos os problemas do mundo, e para evitar “ir para o inferno”, era óbvia e simples, afirmou: “Vim aqui para oferecer a mão da liderança e da amizade estadunidense a toda nação disposta a forjar um mundo seguro e próspero”.
Mas deixou claro que essa ajuda viria com condições. Dedicou a maior parte de seu discurso a dois dos principais pontos da direita estadunidense que tenta exportar ao restante do mundo: a migração descontrolada e o suposto problema “falso” da mudança climática. “Era hora de pôr fim ao experimento de fronteiras abertas. Seus países estão indo para o inferno com isso”, disse, acrescentando que “a Europa está em sérias dificuldades, estava sendo invadida por estrangeiros ilegais. Isso não era sustentável”. Trump acusou a ONU de fomentar essa migração ao apoiar refugiados.
Como costumava fazer em seus discursos, se desviou do tema e atacou seus adversários, incluindo, desta vez, o “governo mais corrupto” do ex-presidente Joe Biden (2021 – 2025). Também surpreendeu muitos ao recordar que, nos anos 1980, apresentou uma proposta para renovar a sede da ONU, sugerindo que o complexo estava deteriorado, com escadas rolantes quebradas — tudo consequência de a instituição ter rejeitado sua oferta.
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No púlpito, diante da presidenta da Assembleia Geral, Annalena Baerbock — ex-integrante do Partido Verde alemão —, Trump dedicou uma parte considerável de seu discurso a atacar o conceito de mudança climática. “Se não abandonarem essa grande farsa da energia verde e da mudança climática, seus países fracassarão”, disse aos representantes presentes. Por isso, lembrou, seu governo retirou os EUA do Acordo de Paris sobre o clima.
Concluiu: “A imigração e o alto custo da chamada energia verde estão destruindo o mundo. São necessárias fronteiras fortes e fontes de energia tradicionais para prosperar”.
O governo Trump não pagou todas as suas contribuições à ONU e se retirou não apenas do Acordo de Paris, mas também da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Conselho de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da agência da ONU para refugiados palestinos, entre outras. Ainda assim, após seu discurso, tranquilizou aqueles que temiam que pudesse anunciar a retirada completa dos Estados Unidos da organização.

