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“Falso positivo”: estratégia dos EUA contra Venezuela é a mesma usada no Vietnã, diz especialista

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou em 2 de setembro, em relação ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, que “ninguém acredita em suas mentiras”. O mandatário venezuelano assegurou que o chefe da diplomacia “inventou uma história, um relato sobre o narcotráfico” para justificar suas ações contra o país sul-americano.

Maduro reiterou sua denúncia, feita em 1º de setembro, de que “a máfia de Miami”, comandada por Rubio, quer “manchar de sangue o sobrenome (do presidente estadunidense Donald) Trump”, mediante a ameaça bélica que tem sido mobilizada durante as últimas semanas no Caribe.

Horas antes, Trump informou sobre o ataque de militares estadunidenses a uma embarcação em águas internacionais do Caribe, que supostamente transportava drogas.

“Eles buscam o petróleo e o gás venezuelanos, querem de graça”, disse Maduro, ao afirmar que a suposta luta contra as drogas dos Estados Unidos é completamente falsa.

O país, nas últimas semanas, tem estado mobilizado para se preparar para a defesa do território diante de uma eventual agressão estrangeira.

Maduro informou também em 1º de setembro que, a partir das recentes jornadas de alistamento na Milícia Nacional Bolivariana — quinto componente da Força Armada venezuelana, constituído por reservistas civis — o país conta com 8 milhões e 200 mil homens e mulheres registrados. Isso representa um aumento de cerca de 3 milhões e 700 mil efetivos, já que no início das jornadas de registro o governo falava em 4 milhões e 500 mil combatentes.

Barco no Caribe supostamente abatido

Trump anunciou em 2 de setembro que forças militares dos Estados Unidos dispararam contra uma embarcação carregada de drogas, que teria partido da Venezuela. Afirmou que do país sul-americano saem entorpecentes “em grandes quantidades” e que “há mais de onde isso veio”.

Por sua vez, Rubio declarou que o incidente ocorreu no sul do Caribe e que se tratou de um “ataque letal”.

Mais tarde, o próprio Trump publicou em sua rede Truth Social um vídeo aparentemente gravado por um dispositivo militar, no qual se observa uma lancha na água com um grupo de pessoas a bordo. O vídeo avança, mostra uma explosão e, em seguida, o bote envolto em chamas. Na publicação, o presidente estadunidense escreveu:

“Esta manhã, sob minhas ordens, as forças militares dos Estados Unidos realizaram um ataque cinético contra narcoterroristas do Tren de Aragua (TDA), positivamente identificados, na área de responsabilidade do Comando Sul.”

Acrescentou que o TDA é uma organização terrorista estrangeira designada e que “opera sob o controle de Nicolás Maduro”. Além disso, especificou que o ataque deixou 11 “terroristas” mortos, que ocorreu em águas internacionais e que a lancha se preparava para “transportar narcóticos ilegais com destino aos Estados Unidos”.

Nem Trump, nem Rubio, nem o vídeo apresentado oferecem qualquer prova de que a lancha mencionada transportava drogas, nem que vinha da Venezuela, nem que tinha como destino os Estados Unidos. Tudo isso é apresentado, até o momento, apenas nas palavras do presidente e de seu secretário de Estado. Tampouco há como comprovar quem eram os tripulantes da embarcação, ou mesmo se se tratava de 11 pessoas, como afirmou o chefe da Casa Branca.

Rubio respondeu com evasão às perguntas dos jornalistas durante uma entrevista coletiva em 2 de setembro. Disse que o Pentágono se encarregaria de oferecer mais detalhes sobre a operação nas próximas horas.

Em suas declarações, Marco Rubio evidenciou uma contradição com as afirmações de seu chefe, o presidente Donald Trump. O secretário, tentando estabelecer a ideia de que o narcotráfico que dizem combater afeta toda a região, afirmou: “Essas drogas em particular provavelmente se dirigiam a Trinidad ou a algum outro país do Caribe, momento em que simplesmente contribuem para a instabilidade que essas nações enfrentam”.

Imagens divulgadas pelo chefe de gabinete da Casa Branca da suposta destruição de um navio de transporte de drogas que teria partido de solo venezuelano. (Fotos: Reprodução / Truth Social – Donald Trump)

Assim, enquanto Trump afirmava que o barco se dirigia aos Estados Unidos, Marco Rubio envolvia um terceiro país: Trinidad e Tobago.

Vídeo fake

Na noite de 2 de setembro, o ministro da Comunicação da Venezuela, Freddy Ñáñez, afirmou que o vídeo publicado por Trump poderia ter sido criado com o uso de inteligência artificial (IA).

“Parece que Marco Rubio continua mentindo para seu presidente: depois de colocá-lo num beco sem saída, agora lhe entrega como ‘prova’ um vídeo com IA (assim comprovado)”, escreveu em seu canal no Telegram.

Ñáñez apresentou ainda uma consulta feita ao Gemini, a inteligência artificial do Google, à qual pediu uma análise do vídeo: a resposta foi que “é muito provável que tenha sido criado com IA”.

A estratégia dos falsos positivos

O jornalista venezuelano Eligio Rojas, especialista em temas de segurança, ao analisar o que foi anunciado por Trump e Rubio, apontou que a retórica de Washington busca dar a entender que a droga supostamente transportada pela embarcação teria como origem a Venezuela.

Mas isso contrasta com informações recentes fornecidas pelo ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino López, e pelo comandante estratégico operacional da Força Armada Nacional Bolivariana, general Domingo Hernández Lárez, que informaram que, nos últimos dias, foram apreendidos no país cerca de 50 mil quilos de entorpecentes, todos provenientes da Colômbia.

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Essa informação é coerente com os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Relatórios do organismo sobre o tráfico de drogas mostram que vários países da América do Sul — entre eles Colômbia, Equador e Peru — registraram maiores apreensões de cocaína em 2022 do que em 2021, mas não atribuem à Venezuela o papel desproporcional que a Casa Branca tem apontado nos últimos meses.

Esse fato deve ser interpretado, segundo o especialista, em conexão com a denúncia feita 24 horas antes pelo presidente Maduro, que alertou que Washington busca, com seu deslocamento militar no Caribe, gerar um falso positivo — ou seja, uma operação de bandeira falsa — para justificar uma agressão contra a Venezuela.

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Maduro citou como exemplos históricos o incidente do Maine, que deu início à guerra Hispano-Americana em 1898, e o incidente do Golfo de Tonkin, que serviu para justificar a entrada dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

Operações psicológicas e guerra não convencional

O escritor José Negrón Valera, especialista venezuelano em análise geopolítica e doutor em Filosofia da Guerra, concorda com Rojas ao afirmar que a primeira interpretação possível é a de que se trata de um falso positivo.

“O mais importante neste caso é considerar que os Estados Unidos são o maior fabricante de falsos positivos dos séculos 20 e 21, todos com as mesmas desculpas: moldar a opinião pública para intervir em países considerados alvos militares”, refletiu.

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No entanto, ele enfatiza que não se deve dar credibilidade ao discurso de Washington — não porque não estejam executando ações para desestabilizar Caracas, mas porque uma operação militar formal contra o país, que querem fazer parecer iminente, é improvável no curto e médio prazo.

Em vez disso, o que pode ocorrer é uma intensificação da guerra não convencional.

“O cenário que pode se apresentar é um recrudescimento da ‘máxima pressão’, que inclui o aumento de operações psicológicas para gerar insegurança no povo venezuelano”, explicou.

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