“Desde que o monte começou a pegar fogo, as chamas chegaram até a porta da nossa casa. E a partir daí o inferno continuou e devastou tudo até deixar como está agora: destruído, aniquilado, e nós, desolados”, relatou entre lágrimas e raiva Raquel Viges, moradora da localidade de Yeres, um vilarejo no coração da província de León, que foi consumido pelas chamas.
Este é apenas um dos inúmeros relatos deixados pela pior onda de incêndios da história recente da Espanha — a maioria provocada por incendiários — e que se tornaram os mais ferozes devido às altas temperaturas causadas pelos efeitos da emergência climática.
O saldo provisório é de mais de 400 mil hectares devastados, o que equivale a quase 1% de todo o território espanhol, oito mortos até agora neste ano e 50 detidos suspeitos de terem causado os incêndios.
Uma cena comum nos meses de verão na Espanha, em Portugal e na Grécia são os grandes incêndios em áreas florestais. Neste ano, as chuvas intensas registradas na primavera deixaram os campos mais verdes e densos do que nunca, o que serviu como “combustível natural” para a propagação das chamas.
Além das altas temperaturas — algumas inéditas em regiões do norte da Espanha, onde os termômetros chegaram a marcar 40 graus Celsius — somam-se os fortes ventos que alimentaram o fogo e o transformaram em um magma imprevisível para os trabalhos de contenção.
Em meio à devastação e à tragédia, moradores de vilarejos e regiões afetadas lamentaram com indignação a falta de resposta do Estado espanhol diante de uma crise dessa magnitude, enquanto líderes políticos se enfrentaram sobre a responsabilidade pela resposta aos incêndios.
Segundo o marco legal vigente, a responsabilidade na fase inicial e menos grave é das comunidades autônomas, mas, caso o desastre se espalhe sem controle para várias regiões, o governo central tem a obrigação de agir e coordenar os trabalhos de ajuda.
A maioria das comunidades autônomas atingidas pelas chamas é governada pelo Partido Popular (PP), de direita — como é o caso da Galícia, Castela e Leão e Madri —, cujos presidentes estavam de férias durante os piores dias da tragédia.
O governo central, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, mobilizou os recursos disponíveis para combater os incêndios, que foram insuficientes neste caso, sendo necessário pedir ajuda a outros países, como Alemanha e Romênia, que enviaram bombeiros, materiais e equipamentos especializados.
Um dos locais devastados foi o de Las Médulas, na província de León, onde Raquel Viges explicou:
“Desde que o fogo começou, o vento não soprou a nosso favor e ele chegou até a porta da minha casa. A partir daí, o inferno continuou e destruiu tudo. É muito difícil ver tanta destruição, ainda mais quando há muito tempo dizemos que é preciso investir mais em prevenção, trabalhar, cuidar do campo, mas estamos abandonados.”
Essa é a percepção dos afetados: a de “abandono”, de que mais uma vez os recursos do Estado são insuficientes para lidar com grandes crises — como já ocorreu com a erupção do vulcão de La Palma, com a pandemia da Covid-19 ou com as chuvas torrenciais da DANA em Valência.
As chamas já queimaram mais de 390 mil hectares na Espanha neste ano, segundo as últimas estimativas do sistema europeu EFFIS. Esse número já superou o pior ano da história recente, que foi 2022, quando foram devastadas 306 mil hectares.
Desde 1985, quando 484 mil hectares foram consumidos, não se registravam números dessa magnitude. Em apenas duas semanas, a Espanha declarou 20 grandes incêndios florestais, entre os quais se destacam dois dos maiores do século até agora: o de Uña de Quintana (Zamora), com cerca de 40 mil hectares queimados, e o de A Rúa (Ourense), que queimou mais de 38 mil.
A maioria dos incêndios foi provocada por incendiários; o Ministério do Interior informou que 50 pessoas foram presas e 135 estão sendo investigadas. Por conta do desastre, 35.656 pessoas tiveram que abandonar suas casas.
A terceira vice-presidente do governo espanhol, a socialista Sara Aagesen, explicou que as autoridades “fizeram uma mobilização sem precedentes contra a onda de incêndios” e afirmou que a dimensão dos acontecimentos “deve nos levar a uma reflexão clara, com base no rigor técnico, sobre as causas e consequências”.
Ela acrescentou que esta é a única forma de elaborar políticas públicas que nos protejam, permitam antecipação e adaptação, num recado claro à direita e à extrema-direita espanholas — esta última, que adota um discurso negacionista das mudanças climáticas.

