Entre os corredores do mercado, tudo desperta desejo: cebolas, tortilhas, arroz-doce… mas Julia só pode levar o essencial
Desperta como todos os dias às três da madrugada, se espreguiça na cama de metal que tem uma perna torta e dá um salto, caindo em pé no chão de terra. Destranca a porta feita com pedaços de tábuas e sai para o quintal para escovar os dentes e lavar o rosto com a água fria que recebeu o sereno da noite. Corta um limão ao meio, deixa cair um pouco de bicarbonato e passa nas axilas.
Amarra o cabelo em um rabo de cavalo, termina de calçar os sapatos e veste um suéter. Começa a caminhar pelo bulevar principal de Los Cerezos, periferia onde vive, e pega o primeiro ônibus que vai para o mercado Las Golondrinas, que fica na capital. Os motoristas já a conhecem, a veem fazer o mesmo trajeto todas as segundas-feiras. Julia, de oito anos, vai comprar frutas para fazer os sorvetes que vende no mercado.
Às 5h da manhã em ponto, o ônibus para no ponto, e ela diz ao motorista que não vá embora sem ela. Julia tem 45 minutos para comprar as frutas e sair apressada para pegar o ônibus que, se for embora sem ela, a faz esperar o que chega às 8h, e se isso acontece, estraga o dia de vendas, pois não chegaria a tempo de vender os sorvetes, causando um grande desfalque na economia semanal da família.
Julia vê tanta fruta fresca que gostaria de comprar todas: laranjas, toranjas, mexericas e os sacos de limões da cor das penas do bando de periquitos que passam voando todas as tardes, a caminho das montanhas verde-garrafa que ela admira do quintal de casa.
Imagina uma limonada ao meio-dia, quando sai correndo para estudar. Passa pela plantação de cebolas e, com vontade, compraria um maço de 100. Ela adora cebola roxa, come crua com o pai quando fazem ovos fritos acompanhados de feijão cozido.
O cheiro das cestas cheias de murici a atordoa — daria tudo para comer um punhado… Ao lado está a banca de amoras, ela compra duas libras. Segue caminhando, sentindo vibrar no coração a alma de Las Golondrinas. Avança com passo ligeiro, mas sem deixar de observar absolutamente tudo o que seus sentidos conseguem captar: os sacos cheios de especiarias e os grãos de milho de cores variadas, assim como o feijão. Os maços de espigas pendem das vigas que sustentam o teto de nylon das barracas de grãos, bem como as luzes de todas as cores, os rolos de tabaco, as réstias de alho, a canela em lascas que dá para a senhora que vende lenha de azinheira no fim do quarteirão onde ela mora. Quer comprar tudo, especialmente as carambolas para fazer refresco para o almoço.
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Quando passa pela banca de tomates, se impressiona com a variedade, mas sempre aposta no tomate mandarina porque gosta da acidez, embora não tenha dinheiro para comprar. Se tivesse, compraria uma libra para fazer molho e comer com as tortilhas recém-saídas do fogo aceso pela senhora que vende tortilhas deliciosas na quadra vizinha. Todas as segundas-feiras, a viagem de Julia é cheia de cores, aromas, vozes, sons e formas que só existem no mercado — um mundo à parte. Um mundo que vai se impregnando na sua imaginação e memória. Um mundo que, pouco a pouco, vai moldando sua identidade e seu senso de pertencimento. Um mercado que se torna a raiz que a sustenta.
Apressa o passo porque o tempo está passando. Vive encantada pelas tortilhas — um pedaço de tortilha quente é seu almoço quando volta da venda de sorvetes, e então se apronta em 15 minutos para ir estudar à tarde. Mas desta vez não tem dinheiro para comprar, como acontece com frequência — o que não impede a senhora que a vende de sempre lhe oferecer um pedaço para saborear. Bem na frente está a banca de cocos, e Julia suspira mais uma vez ao ver aqueles cachos que também vendem.
Pede dois cocos maduros, mas adoraria comprar uma água de coco em saquinho plástico e um tostado de feijão, daqueles torrados no calor das brasas vendidos no final do corredor. Julia daria tudo para ter dinheiro para comprar um prato de arroz-doce — com a fome que sente, até pediria dois. Por fim, compra um saco de palitos de sorvete na banca onde vendem e sai correndo para comprar duas libras de açúcar. Na próxima semana, comprará uma caixa de banana verde para o chocolate com banana, e depois comprará abacaxis para o chocolate com abacaxi.
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Sempre que passa pelo setor das flores, suspira e se encanta com tanta beleza e frescor. Tira algumas moedas do bolso da calça e pergunta às vendedoras o que pode comprar com o que tem. Uma delas pega um maço de cravos, desamarra e faz outro menor que vende para ela. Queria comprar meia dúzia de bananas para cozinhá-las e comer com leite, mas o leite é um luxo que não pode se dar — tampouco as bananas.
São 5h45, e o aroma dos cravos a envolve, enquanto dorme no ônibus de volta para casa. O sonho durará uma semana, até a próxima segunda-feira, quando voltará a percorrer, às pressas, as veias do mercadão.

