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Punição como estratégia: o método de Trump 2 para subjugar a América Latina e o Caribe

Nos primeiros tempos deste seu segundo governo, Donald Trump vai exercendo uma política depreciativa e punitiva para com a América Latina e o Caribe, aprofundando uma lógica de flagelação baseada em sanções, deportações em massa, ameaças de anexação territorial, aplicação de tarifas e cortes de ajuda àqueles que não se alinhem diretamente à sua gestão.

Um dos pilares da campanha presidencial de Donald Trump durante 2024 foi sua cruzada contra os milhões de imigrantes ilegais no país. Prometeu levar adiante a maior operação de deportação em massa da história dos Estados Unidos, com um milhão de pessoas deportadas por ano. E está tentando cumprir.

Uma mudança profunda, já que seu antecessor, Joe Biden, havia prestado atenção à América Latina sem torná-la sua prioridade, além de designar sua vice-presidente, Kamala Harris, como encarregada de gerir as causas da migração oriunda do chamado Triângulo Norte (formado por Guatemala, Honduras e El Salvador), ainda que sem maiores resultados. Durante seu mandato, Biden, sem tanto alarde quanto seu sucessor, alcançou o recorde de mais de quatro milhões de deportações.

A meta de Trump é controlar a fronteira com alta tecnologia; utilizar a ameaça de aumento de tarifas contra países que não queiram aceitar deportações ou que não colaborem para frear o fluxo migratório; e terceirizar a detenção dos deportados (em Guantánamo ou em outras prisões, como a Cecot salvadorenha). Também determinou a suspensão das solicitações de asilo por quatro meses.

Na sua semana inaugural, Trump confrontou seu homólogo da Colômbia, Gustavo Petro, devido às deportações de migrantes. Na segunda semana, atacou a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, por conta do controle da fronteira. Em sua viagem centro-americana, Marco Rubio conseguiu acordos com El Salvador e Guatemala para acelerar deportações vindas do norte.

Com relação ao México, as maiores tensões ocorreram quando Trump anunciou que imporia tarifas de 25% sobre produtos mexicanos a partir de 1º de fevereiro. No entanto, após dialogar com a presidenta mexicana, esse aumento tarifário foi suspenso por 30 dias, em troca de o México mobilizar dez mil agentes na fronteira para conter a migração e o tráfico de fentanil.

Com relação à Venezuela, parece haver uma mudança no posicionamento dos Estados Unidos e do próprio Trump. Em seu governo anterior, ele havia reconhecido Juan Guaidó como “presidente encarregado”. Agora, a postura tende a ser mais pragmática. Sem reconhecer oficialmente o governo de Nicolás Maduro, algumas negociações e conversas foram iniciadas. O enviado especial dos EUA, Richard Grenell, negociou a libertação de oito cidadãos estadunidenses detidos na Venezuela em troca de o país receber deportados.

Outro aspecto relevante da relação de Trump com a América Latina é a aproximação com presidentes de ultradireita que adulam sua figura e seu projeto político. Para Nayib Bukele, presidente de El Salvador, a visita do secretário de Estado Marco Rubio serviu para estreitar posições com o presidente estadunidense, a quem ofereceu a famosa “megaprisião” de seu país para receber deportados.

Por outro lado, o presidente libertário da Argentina, Javier Milei, é provavelmente o chefe de Estado mais alinhado às posturas de Trump em relação à região. Às suas participações nos encontros da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) e aos seus votos nas resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), somou-se a proposta de buscar um Tratado de Livre Comércio entre a Argentina e os Estados Unidos (o que poderia significar o rompimento de vínculos com seus sócios do Mercosul).

Outro governante com pressa para melhorar os vínculos com Trump é Daniel Noboa, presidente do Equador. Uma evidência disso é a aplicação de tarifas de 27% pelo Equador sobre produtos mexicanos. Noboa propôs em 2024 reabrir a base militar que os Estados Unidos operavam na cidade de Manta (fechada em 2009 pelo então presidente Rafael Correa), assim como estreitar relações com grupos estadunidenses sob o pretexto da necessidade de colaboração para enfrentar o aumento da violência criminal no país nos últimos anos (inclusive contratando os mercenários da Blackwater).

Trump tentou se apoderar do Canal do Panamá e chegou a ordenar a mudança do nome do Golfo do México. No Panamá, Theodore Roosevelt assinou um tratado para a construção do Canal, que custou 375 milhões de dólares e levou cerca de dez anos para ser concluído. Os Estados Unidos o controlaram até 1977, quando, por um acordo entre Jimmy Carter e Omar Torrijos, foi ordenada a devolução gradual da jurisdição do Canal ao país centro-americano, processo que se completou em 1999. Esse acordo incluiu uma cláusula de neutralidade em sua operação. Foi nesse ponto que Trump se baseou para denunciar o controle chinês do canal.

Ao longo dos últimos dois séculos, a relação entre os Estados Unidos e os países latino-americanos teve idas e vindas em diferentes contextos. Partindo da declaração conhecida como “Doutrina Monroe”, enunciada em 1823 pelo então presidente James Monroe, e da frase “América para os americanos”, buscava-se combater qualquer tipo de ingerência extracontinental na América.

Uma vez concluída a Guerra Fria, o Consenso de Washington marcou a última década do século 20, e as políticas neoliberais de abertura econômica, desregulamentação dos mercados, privatização de empresas públicas, entre outras medidas, se propagaram por toda a região.

No início do século 21, a relação passou por diferentes momentos. O “Não à ALCA”, em novembro de 2005, marcou um freio ao projeto de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas. Durante o segundo mandato de Barack Obama, algumas pontes foram estabelecidas: ele foi o primeiro presidente estadunidense a visitar Cuba desde a Revolução, mas isso representou apenas uma mudança simbólica.

A primeira presidência de Trump não teve como foco a América Latina, mas se destacou por uma política ativa de pressão e sanções contra o governo venezuelano. A política externa de Trump concentrou-se sobretudo em sua região mais próxima — México e América Central — por meio da renovação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), rebatizado como T-Mec, assim como da assistência sanitária aos países centro-americanos no contexto da pandemia de Covid-19. Os países sul-americanos não receberam atenção especial durante esse período.

Joe Biden tentou retomar a relação com uma Cúpula das Américas em 2022, mas não teve êxito devido à recusa de participação de vários mandatários latino-americanos. Na ocasião, anunciou a criação da Aliança para a Prosperidade Econômica das Américas (APEA), como um programa para fomentar investimentos na região, buscando gerar um contrapeso geopolítico ao avanço chinês.

E agora, em seu segundo governo, Donald Trump parece decidido a voltar a pisar forte na região latino-americana, motivado por sua preocupação com a relação da China com os países da região, o drama migratório e a influência hemisférica, centrada em seu poder brando.

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