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De Patrice Lumumba aos traidores da pátria, a luta pela libertação resiste na RD Congo

No artigo a seguir, o ativista Gaëtan-Dauphin Nzowo destaca como Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo assassinado em 1961, lutou pela liberdade e dignidade dos congoleses e de todos os povos africanos. Nesse sentido, Nzowo também apresenta as tarefas que restam da revolução que Lumumba representa. Confira.

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Nasci em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), muito depois do assassinato de nosso primeiro Primeiro-Ministro, Patrice Émery Lumumba (1925-1961). No entanto, sua sombra define minha geração. Sua coragem nos atormenta a consciência. Suas palavras, pronunciadas com paixão, convicção e dignidade inquebrantável, ainda ressoam em um país sufocado pelo peso de uma libertação inconclusa. Lumumba não foi assassinado por fracassar. Foi assassinado porque acreditava em um Congo livre, em uma África soberana e em um futuro no qual as riquezas de nossa terra alimentariam nosso povo — não apenas corporações estrangeiras e elites cúmplices. Seu assassinato não foi uma tragédia isolada, mas sim uma advertência geopolítica. O Ocidente declarou: independência sem submissão será punida. Essa advertência virou um modelo a ser seguido.

A história moderna do Congo não é simplesmente uma história de guerra. É uma história de traição. Desde 1960, cada época tem sido marcada por líderes que sacrificaram a soberania popular em troca de poder pessoal. Mobutu Sese Seko, instalado e apoiado pela CIA e pela Bélgica, saqueou o Estado durante mais de três décadas. Foi o primeiro a dominar o papel de intermediário pós-colonial, apaziguando interesses estrangeiros enquanto reprimia seu próprio povo. Laurent-Désiré Kabila, apoiado por Ruanda e Uganda, chegou ao poder em 1997 com promessas de revolução. Mas a retórica revolucionária rapidamente deu lugar à lógica familiar do clientelismo. Seu filho, Joseph Kabila, governou nas sombras: gerindo acordos minerários obscuros, reprimindo a dissidência e adiando as eleições até que a pressão internacional o obrigou a deixar o cargo.

Uma das últimas fotos de Patrice Lumumba antes de seu assassinato, em 1961 (Imagem: Wasfi Ahab / Flickr)

Hoje, sob o mandato de Félix Tshisekedi, a traição continua. Em 2021, o Departamento de Estado dos EUA elogiou sua “abertura às alianças na cadeia de fornecimento de baterias”. Isso não foi uma celebração do progresso congolês. Foi um reconhecimento do acesso ao cobalto: as matérias-primas acima dos direitos humanos. Assim como seus predecessores, Tshisekedi herdou um papel familiar: proteger o acesso estrangeiro, reprimir a resistência interna e gerir a imagem. Uma imagem projetada para esconder a verdade: que alguns poucos cidadãos comprometidos não apenas sonham com um Congo livre, mas estão se organizando para torná-lo realidade. Félix Tshisekedi não é um libertador. É um guardião do extrativismo ocidental na RDC.

GENOCOST: o preço da traição

Desde 1996, mais de seis milhões de congoleses morreram em consequência da guerra, do deslocamento e da violência sistêmica. Isso não é dano colateral. É o que muitos ativistas congoleses chamam de GENOCOST: genocídio com fins econômicos.

As Nações Unidas confirmaram que a guerra no Congo se transformou em um “sistema de autofinanciamento” por meio do saque. Ruanda e Uganda exportaram bilhões de dólares em minerais congoleses (coltan, ouro, estanho), frequentemente em colaboração com empresas multinacionais. E essa exploração não foi apenas facilitada por potências estrangeiras — foi ratificada por autoridades congolesas. Os contratos são assinados em silêncio. Soldados vigiam as minas. Ministros fingem não ver. Isso não é passado. Está acontecendo agora.

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Em 30 de agosto de 2023, em Goma, pelo menos 150 civis foram assassinados a tiros pela Guarda Republicana Congolesa durante um protesto pacífico. Qual foi o crime deles? Exigir proteção contra rebeldes apoiados por Ruanda. No início de 2025, mais de 3 mil civis morreram em confrontos entre militantes do M23 e forças governamentais; muitos foram vítimas de bombardeios, fogo cruzado ou ataques deliberados. Na prisão de Goma, mais de 100 mulheres — muitas delas presas políticas — foram estupradas e queimadas vivas durante um ataque coordenado. Não foi acidente. Foi terrorismo intencional. Essas atrocidades não são exceções. São coerentes com um sistema que prioriza minerais em vez de vidas.

A ilusão do desenvolvimento

A traição ao Congo não se manifesta apenas por meio de caudilhos ou presidentes. Ela se apresenta com ternos e cartões de visita. Com logotipos e malas diplomáticas. Com a face do humanitarismo. Em maio de 2025, um relatório contundente do Centro de Pesquisa em Finanças Públicas e Desenvolvimento Local (CREFDL) revelou que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) recebeu mais de 70 milhões de dólares do governo congolês para construir infraestrutura em Kasai Central. O resultado? 0% de entrega. Não foi construída sequer uma clínica, uma estrada ou uma escola. O relatório identificou camadas de disfunção burocrática: cadeias de aprovação confusas, ausência de protagonismo local e falta de prestação de contas. Isso não era apenas ineficiência. Era um teatro neocolonial do desenvolvimento: uma encenação montada para garantir financiamento e manter o controle — não para empoderar comunidades. A descolonização exige que paremos de confundir isso com ajuda.

O direito à resistência

Frantz Fanon nos ensinou: os colonizados não nascem violentos. Tornam-se violentos em resposta à violência da ordem colonial. No Congo, essa violência é estrutural, lenta e asfixiante. É o silêncio em torno das valas comuns. São os contratos assinados sem consentimento. São as balas disparadas contra manifestantes pacíficos. É a apatia da comunidade internacional. Alçar a voz no Congo é arriscar a vida. Jornalistas desapareceram. Ativistas estão sendo encarcerados. As mulheres que resistem são ameaçadas, violentadas e silenciadas. E, no entanto, resistimos.

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De Goma a Kinshasa, da diáspora às linhas de frente, uma geração se levanta. Não pedimos caridade. Exigimos justiça. A verdadeira solidariedade não significa enviar pacotes de ajuda. Significa denunciar os sistemas que perpetuam o sofrimento. Significa exigir responsabilidades de Ruanda, Uganda e daqueles que os apoiam no Ocidente. Significa ouvir as vozes congolesas e amplificar suas exigências por dignidade.

A Revolução Inconclusa de Patrice Lumumba

Patrice Lumumba escreveu em sua última carta: “Chegará o dia em que a história falará… A África escreverá sua própria história, e tanto no Norte quanto no Sul, será uma história de glória e dignidade”.

Patrice Lumumba não foi assassinado por fracassar. Foi assassinado porque acreditava em um Congo livre, em uma África soberana e em um futuro no qual as riquezas de nossa terra alimentariam nosso povo (Foto: Harry Pot / Anefo)

Esse dia ainda não chegou. Mas estamos preparando o terreno. Honrar Lumumba não é recitar seus discursos. É concluir sua obra. Desafiar não apenas os antigos colonizadores, mas também os novos intermediários. Romper com os sistemas que consomem nossa terra, nossas vidas e nosso futuro. Declarar, de uma vez por todas, que a descolonização não é uma metáfora. É um projeto. Um programa político. Uma luta vivida. Em 30 de junho de 1960, Lumumba apresentou-se diante do rei da Bélgica e declarou: “Nossas feridas ainda estão demasiado frescas e dolorosas para que possamos apagá-las de nossa memória… Conhecemos o sarcasmo e os insultos, suportamos o sofrimento e a tortura… Estamos orgulhosos da luta que nos conduziu a este momento”. Ele lembrou ao mundo que a liberdade congolesa não foi um presente, mas uma conquista pela qual se lutou. E que ainda é preciso continuar lutando por ela.

Aos meus camaradas pan-africanos e amigos do Congo em todo o mundo: a luta de Lumumba nunca se limitou a Kinshasa. Ele defendeu cada nação africana que sonha com dignidade. Cada jovem que exige a verdade; cada povo que resiste à dominação sob novos nomes. Se você carrega seu nome, carrega também sua missão.

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Construamos esse futuro

O caminho para a libertação não será construído apenas com eleições. Não será alcançado com cúpulas em Genebra nem com declarações em Bruxelas. Surgirá de baixo — de estudantes, trabalhadores, sobreviventes e da diáspora — erguendo-se juntos para dizer basta.

Se o Ocidente realmente acredita na democracia, deve parar de armar ditadores, financiar agentes militares e extrair nossos minerais sem prestar contas. Deve investir não em contratos, mas nas pessoas.

Um Congo livre, enraizado na justiça, não apenas impulsionaria a África. Transformaria o mundo. Construamos esse futuro. Juntos.

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