Segundo pesquisas, insatisfação com Trump não se reflete em confiança nos democratas; descrédito também atinge o próprio sistema político dos EUA, por privilegiar os mais ricos em vez dos interesses do povo
A maioria dos estadunidenses reprova ambos os partidos políticos. Não é algo muito novo, mas revela que a democracia dos EUA não se define por um consenso do povo, e sim por minorias. De fato, vale sublinhar que o atual presidente foi eleito apenas por um terço do eleitorado. Alguns dizem que o sistema político é controlado por uma minoria ainda mais exclusiva de ricos, à beira de se tornar uma oligarquia.
E muitos sabem disso. Cada pesquisa que faz a pergunta sobre se a classe política representa os interesses do povo ou das pessoas comuns mostra que uma maioria esmagadora responde que não. Segundo uma sondagem do Pew Research Center realizada há alguns anos, 85% dos estadunidenses afirmaram que aos políticos eleitos importa pouco o que pensam pessoas como eles. 70% acreditam que as pessoas comuns têm pouca influência sobre as decisões dos legisladores, enquanto os mais ricos têm influência excessiva.
Isso ajuda a explicar, em parte, o voto em Trump um ano depois, por sua mensagem populista de direita de que toda a Washington está corrompida e só ele poderia resgatar os Estados Unidos dos interesses permanentes e do “Estado profundo” sob controle de uma “esquerda radical” que governava o país. Não explica, porém, por que votaram em um multimilionário apoiado por outros multimilionários integrantes da mesma cúpula que ele pretendia denunciar.
Uma pesquisa, também do Pew, divulgada há poucas semanas, revela que a disputa entre republicanos e democratas não reflete as prioridades das pessoas comuns. De fato, a maioria diz que o Partido Republicano (56%) e o Partido Democrata (58%) não representam os interesses da população comum.
Em uma pesquisa do Washington Post publicada recentemente, a maioria dos estadunidenses (59%) reprova a presidência de Trump; porém, esse repúdio não se traduz em um maior apoio aos democratas. Enquanto 63% dos estadunidenses percebem Trump como desconectado da realidade de suas vidas, 68% dizem o mesmo sobre os democratas. Ou seja, a maioria não se sente representada por partidos políticos e há cada vez menos confiança no sistema político estadunidense e em seus dois partidos.
Retumba a célebre frase de Gore Vidal de mais de duas décadas atrás: “Há um só partido nos Estados Unidos, o Partido da Propriedade… e ele tem duas alas direitas: a republicana e a democrata”.

Em seu livro América Imperial, publicado em 2004, Vidal escreveu: “Odiamos este sistema em que estamos capturados, mas não sabemos quem nos prendeu nem como. Nem sabemos como é a nossa jaula, porque nunca a vimos de fora. O público quer saber quem lhe abrirá… essa prisão com seu socialismo para os ricos e livre empresa para os pobres. Bem-vindos à América Imperial.”
20 anos depois, esse “império” mostra sinais de deterioração e uma histeria cada vez maior. O presidente, enquanto ameaça intervenções militares da Venezuela à Nigéria e impulsiona sua guerra interna contra “a esquerda radical” – incluindo comunistas, socialistas e anarquistas – que estaria “ameaçando” o país, encontra tempo não só para remodelar a ala leste da Casa Branca, onde constrói um “salão de baile”, mas também já renovou o chamado “Banho de Lincoln” dentro da residência oficial, com novas paredes de mármore e torneiras e luminárias douradas, orgulhosamente divulgando imagens de sua obra, tudo enquanto ele e seu partido suspenderam a assistência alimentar a crianças pobres e suas famílias. E ainda tem planos de construir seu “Arco de Trump”. Será que os Estados Unidos estão se tornando um império bananeiro?
Diante de tudo isso – argumentam figuras como Bernie Sanders, Michael Moore, Robert Reich, artistas, sindicatos e organizações progressistas –, um triunfo do jovem imigrante muçulmano socialista Zohran Mamdani como prefeito de Nova York, nesta terça-feira, representa um passo urgente e necessário para romper com o controle minoritário, talvez oligárquico, dessa democracia.
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