Apenas a Corte Constitucional é capaz de barrar os desmontes de Noboa, que chegou a divulgar nomes e fotos de membros do tribunal, além de responsabilizá-los pela violência no Equador
Qualquer análise séria leva a concluir que o governo de Daniel Noboa se reforça em posições de direita, na obediência ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e em um autoritarismo cada vez mais pronunciado. Não importa que em algum momento tenha afirmado ser pessoalmente de centro-esquerda, que utilize o tema da segurança sob o discurso de segurança cidadã ou que promova um “novo Equador” mais eficiente e liberal. No fundo, é a velha história de dizer uma coisa para fazer outra.
Tendo vencido as eleições e contando com maioria na Assembleia Nacional — graças a um número de deputados de outros partidos que rapidamente mudaram de posição para apoiá-lo —, Noboa vem promovendo uma série de medidas que, no país, são popularmente chamadas de leis “trole”. O termo se refere às legislações que tratam de muitos temas ao mesmo tempo, algo não permitido pela Constituição. Por exemplo, a chamada Lei de Integridade Cidadã altera 26 diferentes corpos legais.
A estratégia para adequar rapidamente o país aos seus interesses de classe, basicamente sob o pretexto da segurança, enfrenta dois problemas. O primeiro, os dados da realidade. Apesar de várias leis justificadas pelo combate ao crime organizado, um Plano Fênix jamais apresentado, declaração de conflito armado interno, repetidos estados de exceção e presença militar em ruas e bairros, a população vê crescer os números de assassinatos.
Ataques ao Supremo do Equador
No primeiro semestre deste ano, o país atingiu o recorde de 4.557 homicídios — 47% a mais do que no mesmo período de 2024. Com isso, fica desmascarada a versão de que recentes decisões da Corte Constitucional seriam as responsáveis pela violência criminal.
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O segundo obstáculo que Noboa enfrenta vem da ação de setores populares, democráticos e de esquerda. Esses setores denunciaram o uso de normas para beneficiar os ricos, a decisão de demitir, num primeiro momento, cinco mil servidores públicos, a intenção de instalar uma base militar estadunidense nas Galápagos — transformando o patrimônio mundial em um “porta-aviões natural”, segundo a expressão de um reacionário —, a crise educacional por falta de orçamento e a emergência na saúde, onde crianças morrem em hospitais públicos por falta de cânulas de apenas 3 dólares.
Nos últimos dias, também partiram desses setores um número significativo de ações de inconstitucionalidade contra as recentes leis do governo, aprovadas rapidamente devido ao controle da Assembleia e à apresentação como medidas econômicas urgentes. A Corte Constitucional analisou os casos e, de forma provisória e devidamente fundamentada, suspendeu vários artigos, mas não as leis de maneira integral ou definitiva.
Apesar disso, o governo se colocou em pé de guerra contra o único organismo realmente independente. O primeiro ataque, com tom de ameaça ditatorial, se deu em uma coletiva de imprensa em cadeia nacional, com dois ministros cercados por militares e policiais armados, exigindo “explicações” da Corte e acusando-a de impedir o combate ao crime organizado e de deixar as forças de segurança desprotegidas.
Em seguida, repetiu-se o discurso de que “não há meio-termo: ou se está do lado do país ou dos inimigos do povo”, posicionando os juízes no segundo grupo e iniciando uma campanha com fotos e nomes completos dos magistrados — algo que claramente os coloca em risco. Noboa então anunciou que a próxima consulta popular incluirá uma pergunta para permitir que a Assembleia realize julgamentos políticos contra os juízes constitucionais, podendo destituí-los com maioria simples (metade mais um), enquanto um julgamento contra um ministro exige dois terços dos votos. Difunde-se ainda, como informação falsa, que a Corte não presta contas a ninguém.
Para dar aparência de apoio popular, o governo convocou uma marcha nacional em Quito, em 12 de agosto, após o feriado do Primeiro Grito da Independência. Sem informar a origem dos recursos, foram instalados enormes cartazes de ataque pessoal com os rostos dos membros da Corte, acusados por Noboa de se recusarem a “dar a cara”.
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Foram mobilizados, segundo dados oficiais, ao menos 730 ônibus interprovinciais que chegaram a Quito transportando servidores públicos e pessoas que nem sabiam os motivos da marcha. A quantidade de militares, policiais armados, tanques, helicópteros e caminhões antimotins também colocaram em dúvida o caráter supostamente cidadão da marcha.
Enquanto isso, o perímetro da Corte Constitucional foi militarizado por centenas de agentes que removeram as proteções habituais do edifício — uma nova mensagem autoritária que atrai os setores mais agressivos da direita. De fato, algumas poucas pessoas marcharam com suásticas pintadas no braço e fazendo a saudação nazista — uma espécie de ensaio da presença pública do fascismo.
Se Noboa conseguir anular, intimidar ou controlar diretamente a Corte Constitucional, terá eliminado a última instituição que serve de controle e defesa da Constituição. O resultado seria a supressão do Estado de Direito e um governo com liberdade para fazer o que quiser, sem qualquer contenção institucional. O Equador entraria em uma fase cada vez mais próxima de uma ditadura, oprimindo os setores populares, com submissão ao FMI e ao governo dos Estados Unidos.

